Sistematizamos as principais questões sobre Sangramento Vaginal Anormal enviadas pelos usuários do Portal durante Encontro com a Especialista Dr.ª Juraci Ghiaroni, médica ginecologista, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado em 27/06/2019.
O sangramento vaginal anormal é um dos temas mais importantes da especialidade de ginecologia dentro da tríade sintomática: alterações de sangramento, dor e corrimentos vaginais.
Atualmente utiliza-se o termo: Sangramento Uterino Anormal (SUA). Classicamente isso era chamado de Sangramento Uterino Disfuncional ou Hemorragia Uterina Disfuncional.
Para caracterizar um sangramento anormal é necessário caracterizar o sangramento normal. A queixa de sangramento vaginal em crianças e meninas que ainda não tenham iniciado os períodos menstruais ou em mulheres que estão há mais de um ano sem menstruar (menopausa), sempre terá que ser investigada.
Se a queixa da mulher for um sangramento irregular e ela não for atendida porque está sangrando, não será possível prestar nenhum serviço adequado à ela. A consulta ginecológica não é só a coleta do papanicoulau, e por isso as mulheres que chegam com esta queixa devem ser atendidas, mesmo durante o sangramento.
Toda mulher com queixa de sangramento vaginal anormal deve ser examinada. Se ela não for examinada durante a vigência do sangramento perde-se a chance de diagnosticar a fonte do sangramento.
O sangramento pode vir do útero, de lesões na vulva, de traumas vaginais, de tumores no colo do útero, da uretra, da região anal. Isso porque a mulher, com frequência, não consegue localizar bem o foco do sangramento, sendo necessário o exame do profissional. É imprescindível examinar a mulher, mesmo que ela esteja sangrando.
Os parâmetros para definir aumento do sangramento é que a mulher compare o fluxo dela com ela mesma. Na literatura aceita-se um parâmetro de sangramento em torno de 80ml, o que dificulta a identificação. Perguntas mais gerais podem ser feitas: se ela consegue esperar 3 horas para trocar o absorvente, quantos absorventes ela usa durante período menstrual (não deve ultrapassar 20), se ela precisa levantar a noite para trocar o absorvente, se elimina coágulos maiores que 1cm.
As causas do sangramento vaginal anormal são variadas.
Nas CRIANÇAS é imprescindível pensar na possibilidade de violência sexual (embora esta não seja a única causa), nos tumores (embora estes sejam extremamente raros), e na precocidade sexual.
Da mesma forma, a MULHER que parou de menstruar na época devida (após os 45 anos), já está há pelo menos um ano sem menstruar e recebeu diagnóstico de menopausa (pela dosagem hormonal e histórico). Qualquer sangramento que apareça depois dessa fase precisa ser investigado.
ADOLESCENTES (MENACME)
No menacme (fase que a mulher é fértil) o relato de sangramento vaginal anormal é frequente e pode ter inúmeras causas. Logo após a primeira menstruação (menarca), os dois ou três primeiros anos de ciclos menstruais, tendem a ser irregulares. O motivo para que isso ocorra, de modo geral, é que os primeiros ciclos são anovulatórios (os mecanismos de liberação de LH ainda não estão totalmente amadurecidos), por isso são irregulares (podendo chegar a 40-50 dias de intervalo) e quando o fluxo menstrual acontece ele pode ser muito abundante. Isso tende a se normalizar quando os ciclos tornam-se ovulatórios.
Algumas vezes é necessário tratamento intervencionista. Muitas vezes o sangramento anormal é limitado, não comprometendo o estado geral da adolescente. Já em alguns casos, as adolescentes podem desenvolver quadros de coagulopatia, daí a importância de se investigar através de exames laboratoriais. As vezes é preciso tratar a anemia, em alguns casos tratar o sangramento com progesterona ou até mesmo interromper o sangramento porque a adolescente chega na emergência com sangramento volumoso, comprometendo seu estado geral. É importante acompanhar os critérios para decidir quando tratar.
Todas as mulheres que na menacme se apresentarem com a queixa de sangramento anormal, terão que ser examinadas.
FASE PRÉ MENOPAUSA
Neste período a mulher começa a ter ciclos anovulatórios novamente. Diferente do início da menstruação, os ciclos anovulatórios ocorrem porque nesta fase já esgotaram-se os folículos. Também é comum ocorrer sangramento menstrual excessivo e irregular durante este período. A grande diferença é que na fase da pré menopausa, devido à mulher não voltar a menstruar e produzir progesterona, há possibilidade de alterações de linhagem maligna no endométrio. O sangramento disfuncional, anovulatório na pré menopausa deve sempre ser investigado. O endométrio pode apresentar uma proliferação persistente, uma hiperplasia sem atipia, hiperplasia com atipia e até mesmo um câncer de endométrio. O que vai ditar o tratamento será este diagnóstico.
Os sangramentos genitais mais comuns são:
Quando a mulher faz uso de qualquer medicamento hormonal ela pode sangrar irregularmente. Mesmo os dispositivos intrauterinos, pílulas, implantes hormonais etc. Perguntar isso é fundamental quando a mulher se queixa de sangramento anormal.
O único hormônio que pára o sangramento é o estrogênio.
O mais importante da consulta é fazer uma boa anamnese e caracterizar o sangramento: duração, intensidade, características e por fim, SEMPRE EXAMINAR a mulher na vigência do sangramento.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
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Perguntas & Respostas
1. Posso colher uma citologia em vigência de sangramento?
Depende do motivo da consulta. Mas certamente deve-se examinar a paciente.
A coleta da citologia para o papanicolau tem uma sistematização diferente: não tem que fazer com a frequência que se recomendava antes. Recomenda-se hoje que, depois de três exames negativos para malignidade, pode-se espaçar a coleta de três em três anos.
A paciente que chega na consulta com queixa de sangramento, deve-se examinar e observar durante o exame ginecológico alterações no colo do útero, como ectopia friável, sangramento ao toque. Deve-se colher citologia nestes casos, pois pode ser uma doença maligna. Em algumas situações a mulher chega com câncer de colo do útero com queixa de sangramento uterino, sangramento vaginal anormal e você não se pode perder a chance de colher o material para fazer o diagnóstico. Em muitos casos é possível e indicado colher citologia com a mulher na vigência do sangramento.
Se for uma paciente que não refere absolutamente nada e que vai para um screening de câncer, não faz sentindo colher citologia no momento que ela está sangrando porque o material não vai ser adequado para o exame.
2. Quais diagnósticos posso fazer ou supor a partir do exame clínico?
A grande maioria dos diagnósticos podem ser feitos através da anamnese, história clínica da mulher e exame ginecológico. Por exemplo, pode-se desconfiar fortemente de um mioma submucoso pelo histórico da paciente (sangramento aumentado no período menstrual e não fora do período menstrual). Os miomas raramente são únicos, então a mulher que tem histórico de mioma submucoso geralmente tem mioma intramural, mioma subseroso, que ao toque pode ser percebido. Já na adenomiose percebe-se o útero globoso (útero em lâmpada), uniformemente globoso, com a consistência aumentada. Na endometriose, que pode cursar junto com a adenomiose, pode-se perceber alterações ao toque, como retroversão uterina fixa, restrição da mobilidade uterina, além das doenças inflamatórias do cólon.
Muitos diagnósticos clínicos vão se confirmar com o exame ginecológico. Outros dependem de exames complementares.
O único diagnóstico que não se pode ter certeza no exame clínico são as doenças do endométrio, aquelas que dependem de exames microscópicos (neoplasia ou hiperplasia de endométrio, por exemplo). A coleta do material deve ser enviada para a biópsia.
3. Como lidar com o constrangimento da mulher que está sangrando?
É exatamente variável porque, se a paciente procura o atendimento para resolver o problema de sangramento, ela não costuma se incomodar de ser examinada menstruada ou sangrando.
O profissional deve perguntar para a paciente e conversar com ela. É óbvio que a mulher vai ter que se posicionar. Deve-se perguntar: “A senhora se incomoda de ser examinada sangrando?” Se ela não quiser ser examinada sangrando, o profissional deve orientá-la que é preciso examinar para encontrar a causa do sangramento.
O constrangimento pode existir quando a mulher está menstruada, quando está sangrando, mas depende da relação que o profissional vai estabelecer com a mulher, a empatia, a vontade de resolver o problema junto com ela. Isso é fundamental para que a mulher aceite fazer o exame, que em hipótese alguma, deve ser feito se ela não concordar.
Da mesma forma, se ela não concordar em fazer o exame naquele momento, deve-se explicar que ela terá que agendar um retorno para fazer o exame quando o sangramento parar. Exames complementares não vão substituir o exame ginecológico, já que o sangramento pode ser resultado de uma lesão, a qual pode-se ver a olho nu durante o exame.
4. Que procedimentos diagnósticos posso executar na primeira visita?
O primeiro procedimento é a anamnese, a parte mais importante. Quando se fala em anamnese criteriosa não significa duas horas de anamnese. Significa sentar com a mulher e escutar ela falar sobre o sangramento. É impressionante como isso melhora a qualidade do atendimento.
Por exemplo, uma mulher de 47 anos que apresenta sangramento disfuncional: relata que sua menstruação está vindo irregularmente (a cada 40 ou 60 dias), quando vem é hemorrágica, que já faz uso de remédio e que quando pára de tomar o remédio o sangramento (hemorragia) volta. Esse é um caso típico que tem que conversar com a paciente. Não adianta só ficar medicando. Tem que explicar pra paciente o que vai acontecer. Quando se medica para parar o sangramento disfuncional, é necessário medicar adequadamente, ou o sangramento será prolongado. É necessário explicar para ela que nenhum remédio faz o sangramento parar de um dia para o outro. É fundamental explicar a forma que ela deve tomar a medicação e que o sangramento vai levar alguns dias para parar (3 a 5 dias). Do contrário, ela toma um ou dois dias, percebe que o sangramento não parou e interrompe seu uso. Nesse caso, prolonga-se o sangramento, pois a medicação hormonal sempre pode causar sangramento irregular.
Após a anamnese deve-se proceder para o exame clínico: olhar a vulva, vagina, uretra, etc. É muito comum as mulheres mais velhas, ou na pós menopausa, apresentarem carúncula uretral. A carúncula uretral é uma fragilidade do tecido terminal da uretra que ocorre por falta de estrogênio, levando ao sangramento. Algumas vezes a mulher se queixa de sangramento vaginal mas na verdade o sangramento é decorrente da uretra e pode ser identificado no exame clínico.
5. Dá pra fazer o exame especular em vigência de sangramento?
Sim, é possível e muito importante de ser feito.
A mulher com mioma submucoso em parturição, por exemplo, apresenta sangramento aumentando. Se a causa do sangramento for um mioma submucoso pediculado, ele pode estar em parturição, apresentando-se como um trabalho de parto do mioma. Ao examinar a paciente é possível ver o mioma sair pelo colo. Esse é um diagnóstico feito na hora. Se for uma lesão no colo do útero, de um câncer de colo do útero, é possível visualizar durante o exame ginecológico. É necessário explicar para a mulher o que será feito, pode-se limpar/secar o sangue que está na vagina e olhar o colo do útero, vagina e avaliar se há alguma lesão, tumor na vagina, uretra ou no colo do útero.
É fundamental fazer o exame ginecológico, principalmente na vigência do sangramento.
6. O exame especular é obrigatório no atendimento à uma mulher com hemorragia?
Sim, é o mais indicado.
Se, ao conversar com a paciente antes, durante a anamnese, ela disser que é um sangramento cíclico, que vem no período menstrual, pode-se desconfiar de um mioma.
Outra questão importante é se a mulher está ou esteve grávida. Esta pode ser outra causa de sangramento anormal, as alterações da gestação, os abortamentos precoces ou tardios, a retenção de resto ovulares. Há pacientes que podem apresentar sangramento irregular ao longo do tempo pela presença de restos ovulares, que por vezes não são diagnosticados e são tratados como sangramento disfuncional, com medicação hormonal. Estes casos só são resolvidos fazendo a raspagem do material. Então o exame é fundamental.
7. Em mulheres em idade reprodutiva, deve ser sempre pedido o teste de gravidez?
Depende. Se houver a possibilidade de gravidez o teste deve ser pedido sim.
No menacme, mulher que não está fazendo contracepção e há possibilidade de ser uma complicação da gravidez, o beta HCG deve sempre ser solicitado.