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Principais Questões sobre Sangramento Vaginal Anormal

30 nov 2019

Sistematizamos as principais questões sobre Sangramento Vaginal Anormal enviadas pelos usuários do Portal durante Encontro com a Especialista Dr.ª Juraci Ghiaroni, médica ginecologista, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realizado em 27/06/2019.

O sangramento vaginal anormal é um dos temas mais importantes da especialidade de ginecologia dentro da tríade sintomática: alterações de sangramento, dor e corrimentos vaginais.

Atualmente utiliza-se o termo: Sangramento Uterino Anormal (SUA). Classicamente isso era chamado de Sangramento Uterino Disfuncional ou Hemorragia Uterina Disfuncional

Para caracterizar um sangramento anormal é necessário caracterizar o sangramento normal. A queixa de sangramento vaginal em crianças e meninas que ainda não tenham iniciado os períodos menstruais ou em mulheres que estão há mais de um ano sem menstruar (menopausa), sempre terá que ser investigada. 

Se a queixa da mulher for um sangramento irregular e ela não for atendida porque está sangrando, não será possível prestar nenhum serviço adequado à ela. A consulta ginecológica não é só a coleta do papanicoulau, e por isso as mulheres que chegam com esta queixa devem ser atendidas, mesmo durante o sangramento.

Toda mulher com queixa de sangramento vaginal anormal deve ser examinada. Se ela não for examinada durante a vigência do sangramento perde-se a chance de diagnosticar a fonte do sangramento.

O sangramento pode vir do útero, de lesões na vulva, de traumas vaginais, de tumores no colo do útero, da uretra, da região anal. Isso porque a mulher, com frequência, não consegue localizar bem o foco do sangramento, sendo necessário o exame do profissional. É imprescindível examinar a mulher, mesmo que ela esteja sangrando.

Os parâmetros para definir aumento do sangramento é que a mulher compare o fluxo dela com ela mesma. Na literatura aceita-se um parâmetro de sangramento em torno de 80ml, o que dificulta a identificação. Perguntas mais gerais podem ser feitas: se ela consegue esperar 3 horas para trocar o absorvente, quantos absorventes ela usa durante período menstrual (não deve ultrapassar 20), se ela precisa levantar a noite para trocar o absorvente, se elimina coágulos maiores que 1cm.  

 

As causas do sangramento vaginal anormal são variadas.

Nas CRIANÇAS é imprescindível pensar na possibilidade de violência sexual (embora esta não seja a única causa), nos tumores (embora estes sejam extremamente raros), e na precocidade sexual.

Da mesma forma, a MULHER que parou de menstruar na época devida (após os 45 anos), já está há pelo menos um ano sem menstruar e recebeu diagnóstico de menopausa (pela dosagem hormonal e histórico). Qualquer sangramento que apareça depois dessa fase precisa ser investigado. 

 

ADOLESCENTES (MENACME)

No menacme (fase que a mulher é fértil) o relato de sangramento vaginal anormal é frequente e pode ter inúmeras causas. Logo após a primeira menstruação (menarca), os dois ou três primeiros anos de ciclos menstruais, tendem a ser irregulares. O motivo para que isso ocorra, de modo geral, é que os primeiros ciclos são anovulatórios (os mecanismos de liberação de LH ainda não estão totalmente amadurecidos), por isso são irregulares (podendo chegar a 40-50 dias de intervalo) e quando o fluxo menstrual acontece ele pode ser muito abundante. Isso tende a se normalizar quando os ciclos tornam-se ovulatórios. 

Algumas vezes é necessário tratamento intervencionista. Muitas vezes o sangramento anormal é limitado, não comprometendo o estado geral da adolescente. Já em alguns casos, as adolescentes podem desenvolver quadros de coagulopatia, daí a importância de se investigar através de exames laboratoriais. As vezes é preciso tratar a anemia, em alguns casos tratar o sangramento com progesterona ou até mesmo interromper o sangramento porque a adolescente chega na emergência com sangramento volumoso, comprometendo seu estado geral. É importante acompanhar os critérios para decidir quando tratar. 

Todas as mulheres que na menacme se apresentarem com a queixa de sangramento anormal, terão que ser examinadas.

 

FASE PRÉ MENOPAUSA

Neste período a mulher começa a ter ciclos anovulatórios novamente. Diferente do início da menstruação, os ciclos anovulatórios ocorrem porque nesta fase já esgotaram-se os folículos. Também é comum ocorrer sangramento menstrual excessivo e irregular durante este período. A grande diferença é que na fase da pré menopausa, devido à mulher não voltar a menstruar e produzir progesterona, há possibilidade de alterações de linhagem maligna no endométrio. O sangramento disfuncional, anovulatório na pré menopausa deve sempre ser investigado. O endométrio pode apresentar uma proliferação persistente, uma hiperplasia sem atipia, hiperplasia com atipia e até mesmo um câncer de endométrio. O que vai ditar o tratamento será este diagnóstico.

Os sangramentos genitais mais comuns são: 

  • Miomas Uterinos (leiomiomas ou fibromas): tumores benignos da musculatura do útero. Os estudos apontam que pelo menos 30% das mulheres são portadoras de miomas. Na maioria das vezes eles não causam nenhuma sintomatologia, isso porque depende da localização do mioma no útero para que haja sintomas. Os miomas mais sintomáticos, do ponto de vista de sangramento, são os que crescem para dentro da cavidade uterina (miomas submucosos), que mesmo em pequeno tamanho causam sangramento uterino aumentado. Uma de suas características é que o aumento do sangramento ocorre durante o período menstrual, por isso é fundamental a realização de uma boa anamnese.As possibilidades de tratamento para os casos de miomas sintomáticos são muitas. No entanto, os miomas, só por existirem, não são obrigatoriamente passíveis de tratamento. Se forem pequenos e assintomáticos não precisam ser tratados.
    • Pólipos endometriais: podem causar sangramento, geralmente de pequeno volume, fora do período menstrual.
    • Adenomiose: também causa sangramento aumentado durante o período menstrual. Caracteriza-se pela presença de focos de endometriose dentro do miométrio. O útero fica globosamente aumentado, de maneira irregular. O fluxo menstrual é aumentado, habitualmente acompanhado de cólicas (dismenorréia). 
    • Doenças malignas. Embora o câncer de endométrio seja mais comum em uma idade avançada, a mulher que apresenta sangramento irregular, que perde a referência do seu ciclo devido à continuidade do sangramento, deve-se lembrar sempre desta possibilidade (câncer de endométrio, sarcoma e doença hiperplásica – com ou sem atipia). 
  • Sangramento vaginal por tumor
    • Sangramento vaginal por infecções genitais: por infecções do colo do útero que levem à cervicite aguda;
  • Traumas;
  • Causas não genitais: coagulopatias, iatrogênica, não classificadas.

 

Quando a mulher faz uso de qualquer medicamento hormonal ela pode sangrar irregularmente. Mesmo os dispositivos intrauterinos, pílulas, implantes hormonais etc. Perguntar isso é fundamental quando a mulher se queixa de sangramento anormal. 

O único hormônio que pára o sangramento é o estrogênio.

O mais importante da consulta é fazer uma boa anamnese e caracterizar o sangramento: duração, intensidade, características e por fim, SEMPRE EXAMINAR a mulher na vigência do sangramento.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

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Perguntas & Respostas

 

1. Posso colher uma citologia em vigência de sangramento?

Depende do motivo da consulta. Mas certamente deve-se examinar a paciente.

A coleta da citologia para o papanicolau tem uma sistematização diferente: não tem que fazer com a frequência que se recomendava antes. Recomenda-se hoje que, depois de três exames negativos para malignidade, pode-se espaçar a coleta de três em três anos. 

A paciente que chega na consulta com queixa de sangramento, deve-se examinar e observar durante o exame ginecológico alterações no colo do útero, como ectopia friável, sangramento ao toque. Deve-se colher citologia nestes casos, pois pode ser uma doença maligna. Em algumas situações a mulher chega com câncer de colo do útero com queixa de sangramento uterino, sangramento vaginal anormal e você não se pode perder a chance de colher o material para fazer o diagnóstico. Em muitos casos é possível e indicado colher citologia com a mulher na vigência do sangramento.

Se for uma paciente que não refere absolutamente nada e que vai para um screening de câncer, não faz sentindo colher citologia no momento que ela está sangrando porque o material não vai ser adequado para o exame.

 

2. Quais diagnósticos posso fazer ou supor a partir do exame clínico?

A grande maioria dos diagnósticos podem ser feitos através da anamnese, história clínica da mulher e exame ginecológico. Por exemplo, pode-se desconfiar fortemente de um mioma submucoso pelo histórico da paciente (sangramento aumentado no período menstrual e não fora do período menstrual). Os miomas raramente são únicos, então a mulher que tem histórico de mioma submucoso geralmente tem mioma intramural,  mioma subseroso, que ao toque pode ser percebido. Já na adenomiose percebe-se o útero globoso (útero em lâmpada), uniformemente globoso, com a consistência aumentada. Na endometriose, que pode cursar junto com a adenomiose, pode-se perceber alterações ao toque, como retroversão uterina fixa, restrição da mobilidade uterina, além das doenças inflamatórias do cólon. 

Muitos diagnósticos clínicos vão se confirmar com o exame ginecológico. Outros dependem de exames complementares.

O único diagnóstico que não se pode ter certeza no exame clínico são as doenças do endométrio, aquelas que dependem de exames microscópicos (neoplasia  ou hiperplasia de endométrio, por exemplo). A coleta do material deve ser enviada para a biópsia.

 

3. Como lidar com o constrangimento da mulher que está sangrando?

É exatamente variável porque, se a paciente procura o atendimento para resolver o problema de sangramento, ela não costuma se incomodar de ser examinada menstruada ou sangrando.

O profissional deve perguntar para a paciente e conversar com ela. É óbvio que a mulher vai ter que se posicionar. Deve-se perguntar: “A senhora se incomoda de ser examinada sangrando?” Se ela não quiser ser examinada sangrando, o profissional deve orientá-la que é preciso examinar para encontrar a causa do sangramento.

O constrangimento pode existir quando a mulher está menstruada, quando está sangrando, mas depende da relação que o profissional vai estabelecer com a mulher, a empatia, a vontade de resolver o problema junto com ela. Isso é fundamental para que a mulher aceite fazer o exame, que em hipótese alguma, deve ser feito se ela não concordar.

Da mesma forma, se ela não concordar em fazer o exame naquele momento, deve-se explicar que ela terá que agendar um retorno para fazer o exame quando o sangramento parar. Exames complementares não vão substituir o exame ginecológico, já que o sangramento pode ser resultado de uma lesão, a qual pode-se ver a olho nu durante o exame. 

 

4. Que procedimentos diagnósticos posso executar na primeira visita?

O primeiro procedimento é a anamnese, a parte mais importante. Quando se fala em anamnese criteriosa não significa duas horas de anamnese. Significa sentar com a mulher e escutar ela falar sobre o sangramento. É impressionante como isso melhora a qualidade do atendimento. 

Por exemplo, uma mulher de 47 anos que apresenta sangramento disfuncional: relata que sua menstruação está vindo irregularmente (a cada 40 ou 60 dias), quando vem é hemorrágica, que já faz uso de remédio e que quando pára de tomar o remédio o sangramento (hemorragia) volta. Esse é um caso típico que tem que conversar com a paciente. Não adianta só ficar medicando. Tem que explicar pra paciente o que vai acontecer. Quando se medica para parar o sangramento disfuncional, é necessário medicar adequadamente, ou o sangramento será prolongado. É necessário explicar para ela que nenhum remédio faz o sangramento parar de um dia para o outro. É fundamental explicar a forma que ela deve tomar a medicação e que o sangramento vai levar alguns dias para parar (3 a 5 dias). Do contrário, ela toma um ou dois dias, percebe que o sangramento não parou e interrompe seu uso. Nesse caso, prolonga-se o sangramento, pois a medicação hormonal sempre pode causar sangramento irregular. 

Após a anamnese deve-se proceder para o exame clínico: olhar a vulva, vagina, uretra, etc. É muito comum as mulheres mais velhas, ou na pós menopausa, apresentarem carúncula uretral. A carúncula uretral é uma fragilidade do tecido terminal da uretra que ocorre por falta de estrogênio, levando ao sangramento. Algumas vezes a mulher se queixa de sangramento vaginal mas na verdade o sangramento é decorrente da uretra e pode ser identificado no exame clínico.

 

5. Dá pra fazer o exame especular em vigência de sangramento?

Sim, é possível e muito importante de ser feito. 

A mulher com mioma submucoso em parturição, por exemplo, apresenta sangramento aumentando. Se a causa do sangramento for um mioma submucoso pediculado, ele pode estar em parturição, apresentando-se como um trabalho de parto do mioma. Ao examinar a paciente é possível ver o mioma sair pelo colo. Esse é um diagnóstico feito na hora. Se for uma lesão no colo do útero, de um câncer de colo do útero, é possível visualizar durante o exame ginecológico. É necessário explicar para a mulher o que será feito, pode-se limpar/secar o sangue que está na vagina e olhar o colo do útero, vagina e avaliar se há alguma lesão, tumor na vagina, uretra ou no colo do útero. 

É fundamental fazer o exame ginecológico, principalmente na vigência do sangramento.

 

6. O exame especular é obrigatório no atendimento à uma mulher com hemorragia?

Sim, é o mais indicado. 

Se, ao conversar com a paciente antes, durante a anamnese, ela disser que é um sangramento cíclico, que vem no período menstrual, pode-se desconfiar de um mioma.

Outra questão importante é se a mulher está ou esteve grávida. Esta pode ser outra causa de sangramento anormal, as alterações da gestação, os abortamentos precoces ou tardios, a retenção de resto ovulares. Há pacientes que podem apresentar sangramento irregular ao longo do tempo pela presença de restos ovulares, que por vezes não são diagnosticados e são tratados como sangramento disfuncional, com medicação hormonal. Estes casos só são resolvidos fazendo a raspagem do material. Então o exame é fundamental. 

 

7. Em mulheres em idade reprodutiva, deve ser sempre pedido o teste de gravidez?

Depende. Se houver a possibilidade de gravidez o teste deve ser pedido sim.

No menacme, mulher que não está fazendo contracepção e há possibilidade de ser uma complicação da gravidez, o beta HCG deve sempre ser solicitado.

 

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