Sistematizamos as principais questões sobre Sepse em Pacientes Obstétricas, abordadas durante o Encontro com Especialista Fernando Maia, médico obstetra do IFF/Fiocruz, realizado em 10/01/2019.
A sepse materna é uma condição absolutamente devastadora para a saúde das mulheres. Se uma infecção materna não for reconhecida precocemente e tratada oportunamente ela pode progredir para choque e morte.
Quando fazemos um panorama do que está acontecendo no mundo, sabemos que a sepse materna é causa direta de mortalidade, causando cerca de 260 mil mortes por ano. Além disso, a sepse materna pode abrir portas para outras condições acontecerem, contribuindo também de forma indireta com a mortalidade materna. De forma isolada, ela é a terceira causa de morte materna. Em países desenvolvidos ela ocorre em cerca de 5% dos casos e em países em desenvolvimento chega à cifra de 11%. A prevalência é de 1/1.000, sendo que 50% vai ser sepse e em torno de 3 a 4% choque séptico, sendo o choque séptico um quadro mais grave e de maior letalidade que a sepse.
É importante perceber que quando acontece a sepse ou choque séptico, mesmo que a mulher não morra, eventualmente ela sofre sequelas em função desse processo, que podem ser transitórias ou até mesmo definitivas. Além disso, a sepse pode trazer complicações neonatais quando acontece na gestante. Essas infecções complicam o quadro clínico materno e em algumas situações elas podem agravar quadros que já estão colocados. Um exemplo disso é uma sepse ou um choque séptico que ocorre após uma hemorragia pós parto, podendo até mesmo determinar a morte de uma mulher que já esteja comprometida.
Quando falamos em sepse falamos em disfunção orgânica, que é ameaçadora à vida e causada por uma resposta desregulada de um hospedeiro à infecção. Para identificar esse quadro é necessário utilizar algum tipo de escore, seja o SOFA ou Quick SOFA (qSOFA), que são os mais utilizados atualmente.
Quando falamos em choque séptico estamos falando de um quadro semelhante à uma sepse, mas que precisa de drogas vasopressoras para manter uma pressão arterial média maior que 65mmHg, ou então quando se tem lactato sérico acima de 2. Nessas situações a abordagem precisa ser um pouco diferente.
Muito recentemente, até mesmo para que se pudesse falar uma mesma língua, foi necessário definir quais casos seriam chamados de sepse materna. A sepse materna é uma condição ameaçadora à vida, definida como disfunção orgânica, que é resultante de uma infecção durante a gravidez, no parto, puerpério ou pós aborto.
Temos alguns desafios quando falamos de gestante. Algumas alterações fisiológicas e mecânicas da gravidez, seja o aumento da frequência cardíaca, seja uma diminuição da pressão arterial, seja esse tipo de sintomatologia que normalmente está presente nas grávidas, pode confundir a equipe em algumas situações. Mas elas não podem inviabilizar que se faça um diagnóstico. Quando falamos em uma suspeita de sepse não estamos falando de uma mulher que procurou o pré natal e tem uma pressão abaixo de 100mmHg. Estamos falando de uma paciente que se apresenta na emergência, que tem uma suspeita de infeção que pode ser sepse. Vão ocorrer situações onde se vai supervalorizar alguns quadros, mas é melhor fazer isso que correr o risco de perder alguma oportunidade, já que a sepse é uma condição que tem uma mortalidade muito alta.
Fatores de Risco para sepse materna:
Fatores Obstétricos – a suspeita de um quadro de infecção com corrimento vaginal com alterações sistêmicas chama a atenção. Antecedente de doença inflamatória pélvica, antecedente de streptococcus, já que o streptococcus está relacionado com até 70% dos casos, gestação múltipla, reprodução assistida, procedimentos invasivos sejam eles quais forem, amniocentese, cerclagem, etc. Essas são pacientes de risco para o quadro de sepse.
Fatores Não Obstétricos – obesidade, diabetes ou intolerância à glicose, imunodeficiências (mesmo que moderadas), idade materna acima de 35 anos, fragilidade social: paciente que tem dificuldade em acessar o sistema de saúde, mulheres que sofram violência em casa, regiões onde há maior prevalência de doenças como malária, pacientes hepatite, anemia falciforme. Esses fatores de risco precisam ser considerados na triagem.
Quando se pensa em possíveis causas esses quadros infecciosos, precisa-se pensar em quadros que estão relacionados à gravidez, já que estamos falando de sepse materna, e fatores que são de causa fora do ciclo gravídico-puerperal.
Deve-se suspeitar de sepse quando a mulher apresentar febre, calafrios, diarréia, vômito, rash cutâneo, dor abdominal, corrimento vaginal suspeito, tosse produtiva, sintomas urinários. Não foge do quadro de suspeita para pacientes fora do ciclo gravídico-puerperal.
Alguns sinais como febre, hipotermia, frequência cardíaca acima de 100bpm, frequência respiratória acima de 20rpm podem ser observados também em mulheres que não estão com sepse. Mas, frente à uma suspeita de infecção e uma frequência cardíaca acima de 100bpm ou frequência respiratória maior que 20rpm, precisa-se pensar em sepse e começar a agir. O tempo não é muito grande para que se tome algumas ações.
Outras variáveis laboratoriais podem ser utilizadas, como leucocitose, leucopenia, proteína C-reativa > 7, os parâmetros são muitos. Mas grande parte destes parâmetros vão ser melhor identificados ou elaborados no momento da internação, na sequência, quando a mulher é encaminhada para a Terapia Intensiva.
Para se obter melhores resultados em relação à mortalidade, precisa-se ter um instrumento que consiga oferecer um panorama de gravidade mais rápido, mais objetivo. Para isso recomenda-se o Quick SOFA, que utiliza três parâmetros, que não dependem de exames laboratoriais e que devem ser feitos na triagem. Se a mulher tem um quadro sugestivo de infecção, seja um quadro respiratório, seja um quadro suspeito de aborto infectado, se ela tem taquipnéia com frequência respiratória maior que 22rpm, se ela tem hipotensão com uma pressão arterial sistólica menor que 100mmHg ou se ela tem uma escala de coma de Glasgow menor que 15, qualquer alteração de dois desses três parâmetros deve-se classificar como sepse materna.
Dentro desse contexto de identificação precoce de sinais e sintomas de sepse materna através do Quick SOFA, preconiza-se a utilização de pacotes de intervenções para tratamento. O protocolo de 2016 preconizava intervenções em 3h e 6h, e com o tempo observou-se que isso não era o bastante. O pacote atual, lançado em 2018, fala de condutas que devem ser tomadas na primeira hora após a suspeita de sepse materna. Importante lembrar que não é a primeira hora de contato com o médico, mas sim a primeira hora da chegada da paciente no serviço de saúde, na triagem. Pacientes internadas podem desenvolver este quadro e não serem observadas, perdendo-se a primeira hora.
Pacote de intervenções para a 1º hora:
Essas intervenções são sequenciais e devem ocorrer quase que simultaneamente.
Importante lembrar que tendo-se uma paciente com suspeita de sepse materna, não se deve esperar os resultados das culturas para iniciar o antibiótico. Também, quando não se tem os resultados do lactato, deve-se iniciar a reposição volêmica. Não se pode atrasar o tempo em função de aguardar estes resultados.
Quando se fala em antibióticos de amplo espectro refere-se aos medicamentos que normalmente são utilizados para sepse materna: Clindamicina e Gentamicina.
Em sequência com o pacote inicial de tratamento, há um pacote para ações para 6 horas. Nesse momento, em geral, a paciente já está em uma Unidade de Terapia Intensiva sob o cuidado de um clínico geral.
Assista abaixo à gravação do Encontro na íntegra.
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1. Quais os sinais/sintomas de sepse? Como organizar o serviço para identificá-los precocemente?
A maior recomendação para se identificar precocemente a sepse materna é a utilização do Quick SOFA, avaliando-se a pressão arterial, a frequência respiratória e a escala de Glasgow, já no momento da admissão da paciente na Classificação de Risco. O profissional que está fazendo a Classificação de Risco precisar ter estes parâmetros disponíveis. Principalmente a escala de Glasgow, já que não é comumente utilizado em maternidades, deve estar acessível em material de consulta ou pregado na parede por exemplo.
Importante lembrar que as pacientes podem ter queixas que não causem suspeita imediata de sepse, como dor abdominal ou confusão mental. Isso também vale para as pacientes internadas, que estão bem e de repente começam a ficar agitadas ou oligúricas, por exemplo.
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2. Como cuidar de uma mulher com sepse em uma Maternidade que não tem leitos de UTI? Nem condições para transferência para uma maternidade que tenha.
Esta é uma situação delicada, mas entendendo-se a dimensão do nosso país, pode vir a ocorrer. A partir da suspeita de infecção materna deve-se iniciar o pacote de intervenções com o antibiótico que tiver disponível e iniciar a reposição volêmica com ringer lactato. Para a utilização de Noradrenalina deve-se utilizar acesso central, mas na falta dele inicia-se em acesso periférico.
Na situação onde não se tem UTI precisa-se organizar a Unidade para ter uma Maternidade de Alto Risco de referência. E, até que se consiga organizar a transferência dessa paciente, a equipe precisa estar pronta para cuidar dela. Inicialmente faz-se o pacote de intervenções de uma hora e caso não se consiga sua transferência, deve-se iniciar o pacote de intervenções de 6 horas.
3. Em quanto tempo precisamos fazer o diagnóstico da sepse? Existe relação entre esse tempo e o desfecho?
Essa pergunta é importantíssima porque dá sentido à tudo que foi dito inicialmente sobre ter um escore simples, que não depende de exames laboratoriais, e prevê um pacote de intervenções para ser realizado já na primeira hora de atendimento da mulher, visando a redução da mortalidade materna. Quanto mais tempo se demora para começar a tratar essas mulheres, maior será a mortalidade.
Isso está muito bem colocado em relação ao antibiótico. Apesar do pacote de intervenções recomendar que se colha as culturas para depois iniciar o antibiótico de amplo espectro, caso não se tenha a cultura disponível, deve-se iniciar o antibiótico, pois pode-se estar salvando a vida dessa mulher. Existe sim uma preocupação, que não é pequena, sobre resistência aos antimicrobianos. Mas em um cenário onde a cultura não está disponível, é melhor que se trate com o antibiótico de amplo espectro, ainda que se corra o risco de resistência antimicrobiana. No caso de se colher a cultura e o resultado mostrar que o germe é sensível à um antibiótico mais simples que o esquema proposto inicialmente, faz se a mudança para o antibiótico mais simples, proposto pelo antibiograma.
4. Há relação entre via de parto e sepse? Existe mais risco de sepse após parto cesariana ou parto normal?
A cesariana aumenta o risco de sepse entre 5 e 20 vezes, dependendo do cenário.
5. Como fazer o diagnóstico diferencial da sepse de eventos neurológicos como aneurisma e AVC?
Quando se tem uma paciente que apresenta fatores de risco para infecção, sinais de infecção, seja um corrimento com características de infecção, seja dor abdominal e com quadro neurológico associado, é pouco provável que seja um AVC ou aneurisma. E se for, é melhor que se trate como infecção, faça a expansão, mantenha a pressão arterial etc. Nenhuma dessas medidas vai piorar o quadro dessa paciente.
Lembrando que não se faz essas medidas do pacote da primeira hora e vai atender outras pacientes. O profissional precisa estar ao lado, pois é uma paciente crítica. Não tendo leito de UTI, o profissional que está responsável pelo plantão, precisa fazer tudo que está ao alcance para salvar a vida dessa mulher.
6. Trabalho em uma maternidade de baixo risco e tivemos poucos casos de sepse materna. Como posso organizar meu serviço para reconhecer os sintomas e tratar precocemente?
A sepse materna não é um quadro que ocorre rotineiramente, mas frente à grande letalidade e as possíveis consequências transitórias ou permanentes para a mulher os profissionais precisam estar preparados.
Os serviços precisam estar preparados para reconhecer os casos de sepse materna. A equipe precisa ser treinada, ter claro os critérios de Quick SOFA, os pacotes de intervenção da primeira hora e de 6 horas.
Se for uma Unidade que conta com leitos de Terapia Intensiva deve-se ter um fluxo estabelecido para encaminhamento destas pacientes. Se for uma Unidade que não conta com leitos de Terapia Intensiva deve-se estabelecer uma organização da Rede para que ela possa ter acesso ao alto risco e à continuidade do cuidado.
7. Qual o papel da Enfermagem na sepse obstétrica?
Se a pessoa que estiver responsável pela admissão/classificação de risco da mulher na instituição for um enfermeiro, este profissional pode definir a vida ou a morte dessa paciente. O enfermeiro costuma ser o primeiro contato da paciente e por isso pode aplicar os critérios do Quick SOFA, identificando uma possível sepse materna. A partir do momento da identificação da paciente tem-se idealmente uma hora para implementar todas as ações do pacote de intervenções.
A identificação do Quick SOFA não precisa ser feita por um profissional médico. O desejável é que toda a equipe saiba os critérios. Nesse sentido, a equipe de enfermagem é fundamental.
8. Os sintomas e alterações de dados vitais são suficientes para diagnosticar sepse ou preciso solicitar exames complementares? Se sim, quais exames? E o que devo fazer até que os resultados estejam prontos?
Através do Quick SOFA identificam-se parâmetros clínicos. A partir dessa suspeita, se o exame de lactato estiver disponível ele ajuda a entender a gravidade do quadro. Se o lactato for maior que 2 deve-se ficar preocupado. A cada milimol (mmol) por litro a mais de lactato a mortalidade aumenta 2.3vezes.
Apesar do exame de lactato auxiliar no diagnóstico, muito mais importante que isso é identificar o Quick SOFA e iniciar as medidas da primeira hora e o contínuo do cuidado, até mesmo pela complexidade, deve ser feito idealmente, em uma Unidade de Terapia Intensiva.
9. Como podemos identificar, no Acolhimento e Classificação de Risco, as gestantes que têm sinal de sepse ou que devam ter vigilância mais intensa?
A melhor estratégia para identificação destas pacientes é a realização do Quick SOFA já no Acolhimento, identificando anormalidades nos três parâmetros: pressão arterial, frequência respiratória e escala de Glasgow.
Deve-se ter atenção para as pacientes que têm fatores de risco, sejam obstétricos ou não obstétricos e as pacientes que por algum motivo já demonstram sinais de quadro infeccioso.
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10. Quais são as causas do retardo no diagnóstico/intervenção oportuna da sepse nas maternidades?
O cuidado da gestante e da puérpera são muito mais comuns na obstetrícia, o que poderia explicar os atrasos na identificação dos fatores de gravidade. A ausência de uma estrutura que comporte a Classificação de Risco, ou ter uma Classificação de Risco que não está treinada para identificar a sepse também pode ser um fator de demora. É importante reiterar a simplicidade em se fazer este diagnóstico, sem a necessidade de exames laboratoriais e da importância de se iniciar as ações de cuidado logo após a suspeita da sepse materna.
11. Você acha que o volume de 30ml por kilo é o recomendado para gestante?
Existe sim risco de fazer overload de líquido. Mas ao estar ao lado da gestante durante a primeira hora, quando se inicia esse volume e se acompanha essa paciente, a chance diminui muito. O pacote de intervenções para a primeira hora não é para que se faça 30ml por kilo de líquido e saia de perto da paciente. Não dá para estar frente à uma condição de tanta letalidade como é o caso da sepse materna, e não considerar que cada medida é acompanhada de uma observação meticulosa, cuidados, dedicada, de cada uma dessas ações. Por exemplo, se for feito os 30ml por kilo e a paciente continua com uma PAM baixa, é necessário utilizar drogas vasoativas. E se depois da primeira hora ainda se observa o quadro de hipotensão é necessário repensar se a hidratação está sendo suficiente.
Essa preocupação com o volume, bem como a mudança de antibiótico após resultado da cultura e outras questões deste tipo, são médico intensivista, que fará a continuidade do cuidado na Unidade Intensiva. Mesmo sendo questões fundamentais, no cenário de mortalidade por sepse, elas ficam menores. O mais importante neste momento é assistir a paciente com sepse ao invés de se preocupar com a possibilidade de sobrecarga de volume em uma gestante, quadro totalmente reversível por exemplo.
12. As mesmas gestantes com infecção do trato urinário ou infecção das vias aéreas superiores, mesmo sem alteração do Quick SOFA, devem ser descartadas do protocolo de sepse?
O Quick SOFA é uma ferramenta de triagem. Uma paciente que tenha um quadro infeccioso pode não entrar em um pacote de intervenções na primeira hora. Ainda assim ela vai usar todos os parâmetros que estão no Quick SOFA, e que estão mais detalhados no SOFA ou então outras alterações que sinalizem que, como o lactato existe hipóxia tissular ou que existe oligúria em função de hipovolemia. Essas condições vão ser avaliadas ao longo do cuidado da paciente com infecção, e vão depender de exames laboratoriais.
Uma paciente grávida, que só pelo estado gravídico já traz maior fragilidade, seja pela imunologia, seja pelas alterações mecânicas, maior risco de acometimento pelas infecções e de agravamento, ela precisa, seja por uma infecção do trato urinário ou das vias aéreas superiores, ser observada com cuidado.
13. Quais as principais sequelas associadas à sepse obstétrica?
A paciente com sepse pode vir a perder o útero e encerrar o futuro reprodutivo dela em função de um abortamento infectado ou uma corioamnionite. Algumas pacientes com quadros neurológicos, podem ficar com sequelas permanentes ou pode levar meses até se recuperar completamente. Fora isso, todos os órgãos que estão sendo acometidos, tendo uma hipóxia tissular importante, podem ter sequelas, como hepáticas, renais, etc.
14. Nos casos de suspeita de sepse materna, existe critério para indicação para internação dessa paciente na UTI ou na enfermaria?
Na disponibilidade de um leito de UTI, essa paciente deve ser tratada em UTI. Ela precisa ser observada de perto.
Importante lembrar que a falta de leito de UTI não pode ser um impeditivo para o cuidado.
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