Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Fernanda Fonseca, do Departamento de Condições Crônicas e IST, da Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, e Marcos Augusto Bastos Dias, Médico Obstetra do IFF/Fiocruz, realizado em 31/10/2019.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário apenas se cadastrar no Portal, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo! Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista. Inscreva-se já!
Perguntas & Respostas
1. A forma da coleta do teste rápido interfere no resultado desse teste?
É importante manter a padronização. Os testes rápidos para sífilis são descentralizados e não necessitam de uma estrutura laboratorial para que sejam realizados. Ainda assim, deve-se seguir todas as normas e recomendações para serem realizados. Todo protocolo deve ser seguido: coleta da amostra de forma adequada, espera do tempo de execução, etc.
O treinamento para os profissionais é gratuito e está disponibilizado na plataforma do TELELAB.
Outra questão importante sobre a coleta de exames que não é exatamente sobre o teste rápido, mas sobre a coleta de VDRL da gestante na maternidade com diagnóstico de sífilis. Mesmo com diagnóstico de sífilis e com o VDRL do segmento do pré-natal, deve-se coletar o VDRL também na maternidade, no momento do parto. Também, todas as crianças expostas precisam coletar VDRL após o nascimento. A amostra da criança não pode ser coletada do cordão umbilical, onde ainda há presença de sangue materno. Deve-se coletar VDRL da criança em amostra de sangue periférico.
2. Trabalho em uma UTI neonatal onde há muitos casos de sífilis congênita. A puérpera realizou o teste rápido no pré-natal em março/2019 e o resultado foi não reagente. Em setembro/2019 a mesma apresentou manchas pelo corpo, tipo manchas sifilíticas, procurou uma UBS, fez um VDRL e o resultado foi 1/128. O recém-nascido nasceu com VDRL 1/128, hepatoesplenomegalia, insuficiência respiratória, plaquetopenia e faleceu. É possível que o resultado do teste rápido estava correto ou houve alguma falha?
O teste rápido é muito sensível, específico e de qualidade. Pode ser que a mulher tenha se contaminado entre março e setembro. Por isso a recomendação do Ministério da Saúde é para testagem no primeiro trimestre (ou assim que iniciar o pré-natal), uma segunda testagem após 28 semanas e mais uma testagem no momento do parto. As gestantes possuem vida sexual ativa, por isso a importância de testagem em diversas oportunidades. É muito triste a perda de um bebê diante de uma sífilis que poderia ter sido tratada.
Mais importante que o resultado negativo do teste, é discutir com a gestante durante o pré-natal, sobre sexo seguro e ferramentas para prevenção combinada. Além disso, deve-se atentar para histórias de exposição sexual desprotegida e garantir acesso não somente ao teste rápido para sífilis, como ao PEP (profilaxia pós exposição ao HIV) e outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). Se durante o pré-natal não se discute sobre sexo com a gestante, eventualmente pode-se perder uma oportunidade de saber se houve algum caso de violência sexual, sexo não seguro, casos onde a gestante teve outro parceiro ou se o parceiro esteve com outras pessoas. O acolhimento, a possibilidade de troca e a escuta aproximam as mulheres do serviço. É preciso que as portas estejam sempre abertas para essa troca pois diversas situações podem ocorrer, inclusive uma infecção durante a gestação.
Um teste negativo não significa que ficará negativo para sempre. As práticas sexuais são dinâmicas e o teste pode se positivar em algum momento. Outra questão é que a sífilis não confere imunidade, então após ter sífilis e ter sido adequadamente tratada, a mulher pode se contaminar de novo. Essa é uma situação relativamente comum diante do atual cenário epidemiológico do país.
3. Mesmo com o teste rápido de sífilis disponível para o parceiro, ainda há resistência em alguns locais para seu tratamento. Há algum relato de experiência com uma estratégia de sucesso?
Deve-se seguir o preconizado pelo Manual do Ministério da Saúde, onde o objetivo é também tratar o parceiro. Se não tratar o parceiro não se consegue quebrar a cadeia de transmissão da sífilis e há possibilidade da mulher se reinfectar.
O Manual ainda recomenda que mesmo que o teste rápido do parceiro seja negativo este homem esteve exposto, pois a mulher é positiva. Nestes casos o parceiro deve receber uma dose de penicilina benzatina, pois o homem pode estar na janela imunológica. É a mesma lógica usada para a profilaxia pós exposição. Recomenda-se convidar o parceiro para tomar a primeira dose no serviço. Esta é uma forma de fazer educação em saúde e tentar interromper a cadeia de transmissão. Se o parceiro não comparecer para tomar a dose, pode-se dar uma prescrição para que ele tome em outro serviço. Se a mulher não estiver mais com o parceiro, não falar mais com ele, morar longe, deve-se tentar esgotar as possibilidades de diálogo para tentar mesmo assim acessá-lo e tratá-lo.
Outra questão é que o casal deve ser acolhido e orientado quando a mulher for positiva e o homem negativo para sífilis. Deve-se esclarecer que a partir do momento que se tem sífilis, o teste rápido fica positivo a vida toda. Isso não significa que a mulher tenha se infectado recentemente e não é indicativo de uma relação extraconjugal. Ao longo dos anos a sífilis se torna assintomática, em latência. Não há como precisar o momento em que se infectaram. Deve-se dizer isso para não causar uma situação conflituosa. O teste rápido pode indicar uma cicatriz sorológica, por isso sempre irá positivar nestes casos, independente de uma infecção ativa ou não. Essas questões devem ser abordadas durante o acolhimento e endereçar estes assuntos são importantes para que a mulher não fique com medo e leve parceiro para ser tratado.
Uma boa estratégia para captação e tratamento do homem é o pré-natal do parceiro e o momento do parto, na maternidade.
4. Sobre o fluxo de vigilância e tratamento da sífilis congênita, quais estratégias se mostram eficiente?
O Protocolo de Investigação de Transmissão Vertical, do Ministério da Saúde (2014) propõe que todos os casos de transmissão vertical de sífilis, HIV e hepatites virais devem funcionar como um evento sentinela. Ele deve disparar uma reorganização da Rede para que uma mulher que passe pela mesma trajetória tenha um desfecho diferente.
A proposta destes Comitês é que a partir de um caso, ao juntar a maternidade, a atenção primária, quem faz o pré-natal, quem cuida da criança, universidade, conselhos, gestão, vigilância em saúde e outros, ao colocar para conversar as pessoas que fazem monitoramento dos casos com as pessoas que prestam assistência em todos os seus níveis, é possível avaliar falhas na rede e do cuidado a partir de um caso concreto.
O Comitê não tem caráter punitivo, mas sim de investigar onde houve falha para que ela não se repita. É um papel diferente dos boletins e da vigilância epidemiológica, já que sua proposta é a qualificação da Rede.
5. Podemos afirmar que o homem está sempre presente na determinação da sífilis congênita. Diante disso, qual a melhor estratégia para o combate da sífilis congênita?
Envolver o parceiro é o grande desafio. Historicamente o parceiro foi deixado de lado no pré-natal e tem-se buscado fazer um resgate do seu papel. A estratégia do pré-natal do parceiro é na verdade um exercício para detectar e tratar todas as infecções sexualmente transmissíveis (IST). Há que se repensar estratégias para o acolhimento e a abordagem para envolver o parceiro sexual.
Quando se fala em ISTs não se fala apenas de um indivíduo, mas de pelo menos dois (cadeia de transmissão). Isso é mais dramático para as doenças de transmissão vertical, porque se o parceiro não for tratado há grandes chances da mulher se reinfectar e ter um desfecho ruim para sua gestação.
O Ministério da Saúde mudou o critério de notificação da sífilis congênita, tirando o parceiro da notificação da sífilis congênita. Vale ressaltar que são duas coisas muito diferentes: uma é o critério de vigilância epidemiológica que define uma criança com sífilis congênita para a ficha de notificação e outra coisa é o cuidado clínico. Ainda que o parceiro tenha saído do critério de definição de caso de sífilis congênita, ele é parte estratégica e fundamental do combate à doença.
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas das Infecções Sexualmente Transmissíveis (Ministério da Saúde, 2020), traz uma ferramenta para apoiar a formação de profissionais, médicos, enfermeiros, e toda equipe de saúde. Trata-se de um capítulo sobre Habilidades de Comunicação para Saúde Sexual e Reprodutiva. Ele traz dicas para padronizar as perguntas para todos, a fim de não fechar janelas e criar constrangimento durante a abordagem. A habilidade de comunicação para abordagem dos temas relacionados à saúde sexual precisa ser desenvolvida pelos profissionais de saúde a fim de combater as ISTs.
6. Qual é a conduta com uma gestante, com teste rápido e VDRL não reagente, contudo, o parceiro tem um VDRL 1 para 16, não foi realizado o teste rápido do parceiro.
O parceiro ou parceira será tratado da mesma maneira. Neste caso a mulher deve ser tratada pois exposta. Isso porque mesmo que o teste seja negativo ela pode estar na janela imunológica, logo trata-se como sífilis primária (dose única de penicilina). Após, deve-se repetir o exame para ver como está.
7. O teste rápido positivo em gestante que já foi tratada em outra ocasião, também deve-se tratar com as três doses?
O teste rápido pode ficar positivo por toda vida. Se a gestante tem uma história de tratamento adequado cabe ao profissional avaliar e explorar as possibilidades através do diálogo: se está fazendo sexo seguro, se o parceiro tratou, etc. Também será necessário realizar o teste não treponêmico para avaliar a titulação e decidir qual é a melhor conduta.
Nestas situações vale a pena o profissional ser mais intervencionista na conduta, no sentido de prescrever uma dose quando há dúvidas ou quando o resultado do teste não treponêmico demorar e corre-se o risco da mulher não retornar para o tratamento. Principalmente quando a data do parto está próxima. A lógica epidemiológica serve para que se possa tomar essas decisões com tranquilidade.
Enquanto se espera o resultado do VDRL ou outro teste não treponêmico quantitativo, que pode indicar se é uma infecção nova ou não, recomenda-se tratar com uma dose de penicilina. Ao explicar para a mulher que esta medida não é só para a saúde dela, mas para evitar sífilis congênita, é provável que ela aceite e se sinta acolhida. Com a titulação pode-se avaliar se continua o tratamento ou interrompe após a primeira dose. Pode ser que eventualmente se esteja fazendo uma dose que não é necessária, mas é uma segurança até que se tenha um resultado.
Muitas vezes vale a pena garantir uma dose de penicilina para o tratamento, já que assim consegue-se evitar que o bebê fique dez dias internado para fazer todo o ciclo de tratamento da sífilis congênita, gerando alto custo pelo tempo de permanência e ocupação do leito.
Deve-se também explicar para mulher que uma vez que ela tenha tido sífilis, algum parceiro está contaminado e pode não ter sido tratado. Quando uma pessoa tem uma IST ela tem alto risco para outras ISTs bem como alto risco de reinfecção.
8. Uma gestante com o teste rápido positivo durante o pré-natal foi tratada inadequadamente, recebendo apenas duas doses. Foi realizado outro teste rápido na internação durante o trabalho de parto e esse teste rápido deu negativo. O teste foi realizado por enfermeira capacitada e com experiência. O que pode ter acontecido?
Este resultado pode retrato de um tratamento eficaz e de um bom resultado. A primeira dose de penicilina benzatina é altamente efetiva e trata pelo menos 90% dos casos de sífilis, e 25 % das pessoas negativam o teste após tratamento efetivo.
É importante deixar claro que a opção de tratar todas as sífilis como sífilis latente é uma estratégia no sentido de tentar garantir quase que risco zero para sífilis congênita.
Conteúdo Relacionado