Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente

Postagens

Principais Questões sobre Vigilância da Mortalidade Materna no Brasil

1 jul 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas, no dia 14/05/2020, durante Encontro com as Especialistas Sandra Valongueiro Alves, médica, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Integrante da Coordenação Colegiada do Comitê Estadual de Mortalidade Materna de Pernambuco, e Raquel Barbosa de Lima, da Coordenação-Geral de Informação e Análises Epidemiológicas (CGIAE), do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis (DASNT) da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a morte materna como o óbito de mulheres durante a gestação, puerpério ou período que se estende até 42 dias após o término da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez (podendo ser devido à qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela. Não inclui causas acidentais ou incidentais).

A vigilância do óbito materno no Brasil é regulamentada pela Portaria 1.119, de 05 de Junho de 2008.

A vigilância consiste em: 

  • identificar os óbitos e classificá-los por causas; 
  • comparar os óbitos no tempo, no espaço e entre os grupos populacionais; 
  • identificar as principais causas, fatores de risco e distribuição;
  • divulgar a investigação oportunamente, tornando a vigilância confiável tanto para as instituições internacionais quanto para a população. 

Os óbitos são registrados pelas Secretarias Municipais de Saúde, compartilhados com a Secretaria Estadual e consolidados nacionalmente pelo Ministério da Saúde. 

 

 

Vigilância do Óbito Materno em Tempos de COVID-19

  • Considerando a expansão do novo coronavírus, os estudos produzidos ainda são escassos. Também deve-se considerar as diferenças entre os países: taxa de fecundidade, modelo de atenção ao parto, etc.
  • Deve-se investir em esforços para que Estados e Municípios façam a vigilância local dos óbitos. Quanto mais local, mais completas as informações obtidas e maior a capacidade de intervenção.
  • Interrupção ou ajuste nos serviços de saúde sexual e reprodutiva (contracepção, aborto legal, pré-natal, parto e puerpério) durante a pandemia podem aumentar a morbimortalidade materna e perinatal.

 

Impactos diretos da COVID-19 na morte materna -> Alterações no sistema imunológico de gestantes podem aumentar o risco de infecções respiratórias – SRAG (SARS). Comorbidades como diabetes, hipertensão, HIV, obesidade, doenças cardiovasculares, superposição de comorbidades, etc.

 

Impactos indiretos da COVID-19 na morte materna: reorganização dos serviços -> Interrupção dos serviços, falta de profissionais qualificados e a superlotação nas maternidades podem influenciar no risco de contaminação.

 

Estratégias para Vigilância da Morbimortalidade Materna em tempos de COVID-19:

  • Utilizar fontes confiáveis: SIM, SIH e SINASC (notificação e informação complementar), SIVEP-Gripe e Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna;
  • Garantir que a Vigilância do Óbito Materno esteja na agenda da Vigilância dos Estados;
  • Atenção Primária de Saúde efetiva: contracepção, pré-natal e puerpério (principalmente no puerpério, devido à vulnerabilidade desta fase);
  • Vigilância Epidemiológica Hospitalar;
  • Monitorar a Morbidade Materna Grave (near miss) – contato com a vigilância e discussão de forma articulada;
  • Articulação com a sociedade civil;
  • Parceria com os Comitês de Mortalidade Materna.

 

SIVEP-GRIPE (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe) e monitoramento dos óbitos maternos relacionados à COVID-19

  • No SIVEP-Gripe consta dados da paciente (incluindo se está gestante e com quantas semanas), residência, dados clínicos e epidemiológicos, de atendimento, laboratoriais e conclusão do caso. É atualizado por semana epidemiológica;
  • É uma potente ferramenta de monitoramento e fonte de investigação de busca de óbitos maternos;
  • É uma fonte de dados para monitorar oportunamente as notificações de óbitos de gestantes, sobretudo utilizando a variável “evolução do caso”;
  • É fonte oportuna no auxílio para confirmação ou não de óbitos maternos registrados no SIM, considerando a variável ‘’classificação final e critério de encerramento do caso’’;
  • Apesar de potente, os dados do SIVEP-Gripe no que se refere a informação sobre gravidez necessitam de validação, sobretudo quando a informação é incompatível com a idade da paciente informada nos registros.
  • Necessário potencializar o trabalho conjunto das Vigilâncias de Óbito Materno com a SIVEP-Gripe, localmente.

 

 

Perguntas & Respostas

 

1. Quais são os dados atuais de morte materna e COVID-19 no Brasil? Existe um monitoramento? Quais são as orientações sobre a relação com o puerpério?

À medida que as informações são consolidadas, elas são disponibilizadas no Painel de Monitoramento e no Painel de Monitoramento da COVID-19, do Ministério da Saúde.

Quanto às orientações para o puerpério, é evidente que deve-se ter uma preocupação especial com as mulheres devido ao modo de funcionamento da maioria dos partos hospitalares hoje no Brasil. A fase do puerpério é muitas vezes caracterizada pelo abandono do acompanhamento da mulher. Deve-se trabalhar no âmbito da assistência um olhar especial para essa mulheres no seguimento do puerpério, até 14 dias. Este cuidado não é só para as mulheres com comorbidades (essas precisamos de um acompanhamento muito mais rigoroso), mas à todas as puérperas que chegam, com ou sem sintomas, com diagnóstico de COVID-19 ou não. 

Deve-se buscar articulação entre a maternidade e a atenção primária, a partir da interlocução do município/estado.

 

 

2. Os casos de morte materna decorrentes da COVID-19 devem integrar a Razão de Morte Materna ou, por ser um momento atípico, devem ser analisados de forma separada?

Assim como os casos de óbito materno por influenza entram na razão de morte materna, se a COVID-19 contribuiu para que a gestante viesse ao óbito, entra sim. Não só no período da gestação como no puerpério (até os 42 dias). Lembrando que há casos onde a mulher teve uma amostra positiva para COVID-19, mas a COVID-19 não influenciou diretamente no óbito, isso deve ser avaliado.

 

 

3. Como os Estados e Municípios devem se organizar a partir da investigação dos óbitos maternos para reorganizar a rede de cuidados? É indicado alguma estratégia?

A primeira coisa que deve ser feita é a discussão dos óbitos. Toda essa discussão gera recomendações. É fundamental que os Comitês e os representantes dos Comitês se articulem com a Vigilância para que as informações geradas pelas discussões dos óbitos possam ser transformadas em ações e intervenções. 

Essa articulação da rede de cuidados deve ser feita a partir dos dados de óbitos como da disponibilidade da rede. Os municípios maiores, que dispõe de serviços de referência, se organizam de forma diferente dos serviços e municípios menores. Também, a rede de serviços de risco habitual e alto risco devem estar bem articuladas, tanto a assistência quanto a regulação. 

Neste momento é fundamental a regulação de leitos. Todo município e todo estado devem ter um serviço de regulação. A regulação precisa trabalhar a rede a partir do que está disponível. Por isso, não adianta só fazer a discussão do óbito materno, saber onde ele ocorreu, quem são as mulheres e desenhar uma rede que não está articulada. A regulação é dinâmica, ela deve acompanhar essa abertura e fechamento de leitos.

 

 

4. Sem considerar o impacto da pandemia de COVID-19, o Brasil conseguiria atingir a meta dos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) em 2030?

Temos 11 anos para chegar lá e mais de 90% dos casos de óbito materno são evitáveis. 

Tem-se uma questão de base muito séria para a redução de óbitos maternos no Brasil, que é o próprio desmantelamento do SUS. Com o contingenciamento e redução de investimentos, é um desafio conseguir fazer com que se melhore o acesso e a qualidade da assistência para as mulheres. Fala-se muito que as mulheres que não se vacinam e não vão ao pré-natal. No entanto, se o sistema de saúde acolhesse de fato estas mulheres, o cenário poderia ser outro.

Há muitos elementos a serem considerados: desigualdades de gênero, empobrecimento da vida, teto de gastos no SUS, etc. Buscar atingir a meta do ODS de forma aleatória, não faz sentido. É preciso fazer a vigilância dos óbitos, melhorar a qualidade da informação e ter isso de forma oportuna para que se faça investimentos direcionados.

 

 

5.Por que é tão difícil diminuir o índice de morte materna no Brasil? Mesmo depois de reduzirmos pela metade, ainda estamos longe de chegar à indicadores “aceitáveis”.

Do ponto de vista dos indicadores, os indicadores mais altos são mais fáceis de serem reduzidos. Por exemplo, se a razão de morte materna é de 140/100.000, é mais fácil  prover ações para chegar à 80 do que sair de 80 para 50. A primeira redução depende de questões conjunturais, de percurso, que vão sendo resolvidas. Permanecem questões estruturais, como racismo, diferença entre mulheres brancas e pretas, mulheres periféricas, vulnerabilidade de certos grupos populacionais, etc. Chega à um ponto em que reduzir a morte materna precisa de um esforço muito grande. 

É esperado que reduzir indicadores que menos elevados seja mais difícil. Sabe-se que a morte materna, em sua grande maioria, é falha do sistema de saúde. Precisa-se de todo um desenho de melhoria na qualidade de assistência ao parto e de boas práticas. Isso é muito difícil, considerando o cenário atual de pouco investimento no SUS.

 

 

6. Quais ações devem ser instituídas para melhorar a vigilância do óbito materno?

Para melhorar a vigilância do óbito materno o processo deve ser descentralizado e compartilhado. Se as ações ficam centralizadas em uma única pessoa, o processo fica pesado e difícil. Claro que é necessário ter uma pessoa de referência, tanto no hospital como nas esferas municipais e estaduais.

Quando a informação chega ao Ministério da Saúde os eventos já ocorreram. O rápido processamento das informações, à nível local, permite identificar fragilidades na rede de atenção às gestantes. Os gestores locais podem então fazer mudanças práticas e corrigir os pontos frágeis que estão contribuindo para o desfecho do óbito materno.  

Segundo a Portaria nº 1.119 de 2008, todo óbito materno deve ser notificado e inserido no sistema de informações em até 30 dias. O prazo para investigação é de até 120 dias. Antes da publicação desta portaria, a investigação de um óbito materno demorava de 3 a 4 anos para ser concluída. Hoje este tempo é de até 4 meses e busca-se um prazo ainda menor. 

Para que se consiga cumprir a portaria é necessário compartilhar a responsabilidade na notificação e investigação dos óbitos maternos entre o núcleo hospitalar, vigilância e a unidade básica de saúde, que fará a investigação domiciliar. Ela permite recuperar o que aconteceu com a mulher antes da chegada ao hospital. A entrevista consegue dar informações sobre o retardo de busca e acesso ao cuidado. Muitas vezes, esta informação não consta no prontuário da mulher. Em alguns momentos a entrevista domiciliar com a família pode ser feita por telefone, entendo a necessidade de cuidado e respeito com o luto.

 

 

7. Como acompanhar e investigar casos de near miss para que se possa melhorar a prática clínica?

O near miss refere-se àquelas mulheres que quase morrem. Para ela ser classificada como tal, geralmente a mulher está no serviço de alto risco ou diretamente na Unidade de Terapia Intensiva. 

Existem protocolos definidos para investigação do near miss e uma rede de monitoramento de morbidade materna grave e near miss. Essa investigação ainda não faz parte da vigilância dos casos na maioria dos locais. No entanto, deveria ser incorporado para que se faça um aprimoramento da prática clínica.

 

 

8. Se a gestante for diagnosticada com COVID-19, há relatos de transmissão para o bebê?

Até o momento, as publicações não trazem informações sobre transmissão vertical de forma conclusiva.

 

 

9. O tempo médio de evolução para Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) na gestante tem sido quanto?

O que tem sido observado no Brasil é que as mulheres estão chegando nos hospitais em estado grave. Ainda não se sabe se as gestantes chegam em estado grave pela demora em procurar os serviços ou se elas chegam ao serviço e são enviadas para a casa e então há piora do quadro. Os casos precisam ser estudados para entender se esse tempo da gestante está relacionado só com a evolução da doença, com a evolução da doença em uma gestante ou com o próprio acesso aos serviços de saúde da forma que a rede está organizada. 

Ainda não é possível dizer se a evolução da COVID-19 é mais rápida ou mais lenta em gestantes porque os casos ainda estão sendo discutidos. Estes casos de óbito materno não são muito diferentes dos relatos de pessoas que apresentam alguma comorbidade.

Conteúdo Relacionado

 

Tags: Mobilização pela Saúde das Mulheres no SUS, Mortalidade Materna, Posts Principais Questões