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Tendências na Mortalidade Materna 2000-2020

8 mar 2023

Novos dados mostram grandes retrocessos para a saúde materna em muitas partes do mundo, destacando grandes disparidades no acesso à saúde. Hemorragia, hipertensão, infecções relacionadas à gravidez, complicações de aborto inseguro e condições subjacentes como HIV/AIDS e malária são as principais causas de morte materna. Para melhorar a saúde materna, as barreiras que limitam o acesso a serviços de saúde materna de qualidade devem ser identificadas e abordadas tanto no nível do sistema de saúde quanto na sociedade. O conhecimento científico está disponível para prevenir a maioria das mortes maternas. Com 10 anos de ODS restantes, agora é a hora de intensificar os esforços coordenados e mobilizar e revigorar os compromissos globais, regionais, nacionais e comunitários para acabar com a mortalidade materna evitável.

A cada dois minutos, uma mulher morre durante a gravidez ou o parto, de acordo com as últimas estimativas divulgadas no relatório Tendências na Mortalidade Materna 2000 a 2020 das agências das Nações Unidas. O relatório revela reveses alarmantes para a saúde das mulheres nos últimos anos, uma vez que as mortes maternas aumentaram ou estagnaram em quase todas as regiões do mundo.

 

O documento apresenta dados de rastreio das mortes maternas de forma nacional, regional e global entre os anos de 2000 a 2020. Há uma estimativa de 287.000 mortes maternas em todo o mundo em 2020. Embora o relatório apresente algum progresso significativo na redução das mortes maternas entre 2000 e 2015, os ganhos foram amplamente estagnados ou, em alguns casos, até revertidos após esse ponto.

Em duas das oito regiões da Organização das Nações Unidas (ONU) – Europa e Américas (do Norte, América Latina e Caribe) – a taxa de mortalidade materna aumentou de 2016 a 2020, 17% e 15%, respectivamente. Em outros lugares, a taxa estagnou. O relatório observa, no entanto, que o progresso é possível. Por exemplo, outras regiões – Austrália, Nova Zelândia e Ásia Central e Meridional – experimentaram declínios significativos (em 35% e 16%, respectivamente) em suas taxas de mortalidade materna durante o mesmo período, assim como 31 países em todo o mundo.

Em números totais, as mortes maternas continuam amplamente concentradas nas partes mais pobres do mundo e em países afetados por conflitos. Em 2020, cerca de 70% de todas as mortes maternas ocorreram na África subsaariana. Em nove países que enfrentam graves crises humanitárias, as taxas de mortalidade materna foram mais que o dobro da média mundial (551 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos, em comparação com 223 globalmente).

Hemorragia, hipertensão, infecções relacionadas à gravidez, complicações de aborto inseguro e condições subjacentes que podem ser agravadas pela gravidez (como HIV/AIDS e malária) são as principais causas de mortes maternas. Todas essas causas são amplamente evitáveis e tratáveis  com acesso a cuidados de saúde respeitosos e de alta qualidade.

A Atenção Primária à Saúde, centrada na comunidade, pode atender às necessidades de mulheres, crianças e adolescentes e permitir o acesso equitativo a serviços críticos, partos e cuidados pré e pós-natais, vacinação infantil, nutrição e planejamento reprodutivo. No entanto, o subfinanciamento dos sistemas de atenção primária à saúde, a falta de profissionais de saúde treinados e as fracas cadeias de suprimentos de produtos médicos estão ameaçando o progresso em muitos locais.

Aproximadamente um terço das mulheres não faz nem quatro das oito consultas de pré-natal recomendadas ou recebe cuidados pós-natais essenciais, enquanto cerca de 270 milhões de mulheres não têm acesso a métodos modernos de planejamento reprodutivo. Exercer controle sobre sua saúde reprodutiva – particularmente decisões sobre querer filhos e quando tê-los – é fundamental para garantir que as mulheres possam planejar e espaçar as gestações, além de proteger sua saúde. As desigualdades relacionadas à renda, educação, raça ou etnia aumentam ainda mais os riscos para mulheres grávidas marginalizadas, que têm menos acesso a cuidados essenciais de maternidade, mas têm maior probabilidade de apresentar problemas de saúde subjacentes durante a gravidez.

Além das questões apontadas, a pandemia de COVID-19 pode ter retardado ainda mais o progresso na saúde materna. Observando que a série de dados do presente relatório termina em 2020, mais dados são necessários para mostrar os verdadeiros impactos da pandemia nas mortes maternas. Nesse sentido, as infecções por COVID-19 podem aumentar os riscos durante a gravidez, portanto, os países devem tomar medidas para garantir que as mulheres grávidas e as que planejam engravidar tenham acesso a vacinas contra COVID-19 e cuidados pré-natais eficazes.

O relatório conclui que o mundo deve acelerar significativamente o progresso para atingir as metas globais de redução das mortes maternas, ou então arriscar a vida de mais de 1 milhão de mulheres até 2030.

Todos os dias em 2020, aproximadamente 800 mulheres morreram de causas evitáveis ​​relacionadas à gravidez e ao parto – o que significa que uma mulher morre a cada dois minutos!

 

Onde ocorrem as mortes maternas?

O alto número de mortes maternas em algumas áreas do mundo reflete as desigualdades no acesso a serviços de saúde de qualidade e destaca o abismo entre ricos e pobres. A razão da mortalidade materna (RMM) em países de baixa renda em 2020 foi de 430 por 100.000 nascidos vivos, contra 12 por 100.000 nascidos vivos em países de alta renda.

Estimativas da taxa de mortalidade materna (MMR), por país, 2020

 

 

Cenários humanitários, de conflito e pós-conflito impedem o progresso na redução da mortalidade materna. Em 2020, de acordo com o Índice de Estados Frágeis*, 9 países estavam em “alerta muito alto” ou “alerta alto” (do mais alto para o mais baixo: Iêmen, Somália, Sudão do Sul, Síria, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Chade, Sudão e Afeganistão); esses países tiveram RMM variando de 30 (Síria) a 1223 (Sudão do Sul) em 2020.

* Para obter detalhes sobre os países considerados no grupo de “menos desenvolvidos”, consulte os códigos padrão de país ou área para uso estatístico disponíveis em: https://unstats.un.org/unsd/methodology/m49/.

As mulheres em países de baixa renda têm um risco maior de morte por morte materna ao longo da vida. O risco vitalício de morte materna de uma mulher é a probabilidade de que uma mulher de 15 anos acabe morrendo de causa materna. Em países de alta renda, é de 1 em 5.300, contra 1 em 49 em países de baixa renda.

 

Por que as mulheres morrem?

As mulheres morrem como resultado de complicações durante e após a gravidez e o parto. A maioria dessas complicações se desenvolve durante a gravidez e é evitável ou tratável. Outras complicações podem existir antes da gravidez, mas são agravadas durante a gravidez, especialmente se não forem tratadas como parte dos cuidados da mulher. As principais complicações que representam quase 75% de todas as mortes maternas são:

  • sangramento grave (principalmente sangramento após o parto);
  • infecções (geralmente após o parto);
  • hipertensão arterial durante a gravidez (pré-eclâmpsia e eclâmpsia);
  • complicações do parto; e
  • aborto inseguro.

 

Como a vida das mulheres pode ser salva?

Para evitar mortes maternas, é vital prevenir a gravidez indesejada. Todas as mulheres, incluindo adolescentes, precisam ter acesso a métodos contraceptivos, serviços de aborto seguro (para os casos previstos em lei no Brasil) e atendimento pós-aborto de qualidade.

A maioria das mortes maternas é evitável, pois as soluções de saúde para prevenir ou controlar as complicações são bem conhecidas. Todas as mulheres precisam de acesso a cuidados de alta qualidade durante a gravidez, parto e pós-parto. A saúde materna e a saúde do recém-nascido estão intimamente ligadas. É fundamental que todos os partos sejam assistidos por profissionais de saúde qualificados, uma vez que a gestão e o tratamento oportunos podem fazer a diferença entre a vida e a morte para as mulheres e para os recém-nascidos.

  • O sangramento intenso após o parto pode levar à morte uma mulher saudável em poucas horas se ela não for atendida. A administração de ocitócicos imediatamente após o parto reduz efetivamente o risco de hemorragia pós-parto.
  • A infecção após o parto pode ser eliminada se uma boa higiene for praticada e se os primeiros sinais de infecção forem reconhecidos e tratados a tempo.
  • A pré-eclâmpsia deve ser detectada e tratada adequadamente antes do início das convulsões (eclâmpsia) e outras complicações com risco de vida. A administração de medicamentos como sulfato de magnésio para pré-eclâmpsia pode reduzir o risco de uma mulher desenvolver eclâmpsia.

 

Por que as mulheres não recebem os cuidados de que precisam?

As mulheres pobres e em áreas remotas são as menos propensas a receber cuidados de saúde adequados. Isso é agravado para regiões com números relativamente baixos de profissionais de saúde qualificados, como na África Subsaariana e no Sul da Ásia.

Os últimos dados disponíveis sugerem que, na maioria dos países de renda alta e média-alta, aproximadamente 99% de todos os nascimentos contam com a presença de uma parteira, médico ou enfermeiro treinado. Esses números caem para apenas 68% em países de baixa renda e 78% em países de renda média-baixa.

Os fatores que impedem as mulheres de receber ou procurar atendimento durante a gravidez e no parto são falhas do sistema de saúde que se traduzem em:

  • baixa qualidade de atendimento, incluindo desrespeito, maus-tratos e abuso
  • números insuficientes de profissionais de saúde e com formação inadequada
  • escassez de suprimentos médicos essenciais
  • fraca responsabilização dos sistemas de saúde
  • determinantes sociais, incluindo renda, acesso à educação, raça e etnia, que colocam algumas subpopulações em maior risco;
  • normas de gênero prejudiciais e/ou desigualdades que resultam em uma baixa priorização dos direitos de mulheres e meninas, incluindo o direito a serviços de saúde sexual e reprodutiva seguros, de qualidade e acessíveis;
  • fatores externos que contribuem para a instabilidade e fragilidade do sistema de saúde, como crises climáticas e humanitárias.

Para melhorar a saúde materna, as barreiras que limitam o acesso a serviços de saúde materna de qualidade devem ser identificadas e abordadas tanto no nível do sistema de saúde quanto na sociedade.

 

Impacto da pandemia de COVID-19 na mortalidade materna

A partir do relatório apresentado pela OMS, fica claro que a estagnação na redução da mortalidade materna é anterior ao início da pandemia de COVID-19, ocorrida a partir do ano de 2020. A pandemia de COVID-19 pode ter contribuído para a falta de progresso, mas não representa a explicação completa.

A mortalidade materna durante a pandemia de COVID-19 pode ter sido impactada por dois mecanismos: casos em que a mulher morreu devido à interação entre seu estado de gravidez e COVID-19 (conhecidas como mortes obstétricas indiretas) ou mortes em que complicações na gravidez não foram evitadas ou geridas devido à interrupção dos serviços de saúde.

Uma avaliação robusta global do impacto da COVID-19 na mortalidade materna não é possível a partir dos dados atualmente disponíveis: apenas cerca de 20% dos países e territórios relataram até agora dados empíricos sobre seus níveis de mortalidade materna em 2020 e países de alta renda e/ou populações relativamente menores estão super-representadas neste grupo – com implicações para a generalização dos resultados. Portanto, as estimativas atuais se estendem apenas para o ano de 2020. Considerando os dados limitados, essas estimativas devem ser revisadas em futuras atualizações.

 

A Mortalidade Materna e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram lançados em 25 de setembro de 2015 e entraram em vigor em 1 de janeiro de 2016 para o período de 15 anos (até 31/12/2030). Entre os 17 ODS, as metas diretas relacionadas à saúde se enquadram no ODS 3: Saúde e bem-estar – garantir saúde e promover o bem-estar para todos, em todas as idades.

Além do lançamento dos ODS, a Organização Mundial da Saúde lançou uma declaração de consenso e documentos estratégicos com objetivo de colocar fim às mortes maternas evitáveis. A meta estabelecida foi: reduzir a mortalidade materna global para menos de 70 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos até 2030. Outra meta acordada: nenhum país deve ter mais que 140 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos até 2030 (número duas vezes maior que a meta global).

Guiados por essas metas, os países vêm estabelecendo suas próprias metas nacionais para 2030, dependendo de seu nível basal de razão da mortalidade materna no ano de 2010: se maior que 420, a meta é atingir menos que 140 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos; se razão da mortalidade materna menor que 420, o objetivo é reduzir em pelo menos dois terços até 2030; se razão da mortalidade materna já estava abaixo de 70 por 100.000 nascidos vivos, foram convocados para alcançar a equidade na razão da mortalidade materna, considerando os diferentes grupos populacionais dentro de cada país.

Os cinco objetivos do plano estratégico para acabar com as mortes materna evitáveis e alcançar a meta 3.1 dos ODS são:

  • abordar as desigualdades no acesso e na qualidade dos direitos sexuais e reprodutivos e nos cuidados e assistência materna e neonatal;
  • garantir a cobertura universal de saúde para abranger a saúde sexual e reprodutiva, materna e a atenção à saúde do recém-nascido;
  • abordar todas as causas de mortalidade materna e morbidades reprodutivas;
  • fortalecer os sistemas de saúde para responder às necessidades e prioridades de mulheres e meninas; e
  • garantir a responsabilização para melhorar a qualidade do atendimento e equidade.

A Razão de Morte Materna (RMM) global em 2020 foi de 223 por 100.000 nascidos vivos; atingir um RMM global abaixo de 70 até o ano de 2030 exigirá uma taxa anual de redução de 11,6%, uma taxa que raramente foi alcançada em nível nacional. No entanto, o conhecimento científico está disponível para prevenir a maioria das mortes maternas. Com 10 anos de ODS restantes, agora é a hora de intensificar os esforços coordenados e mobilizar e revigorar os compromissos globais, regionais, nacionais e comunitários para acabar com a mortalidade materna evitável.

 

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Como citar

Esta Postagem:
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Tendências na Mortalidade Materna 2000-2020. Rio de Janeiro, 08 mar. 2023. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/tendencias-na-mortalidade-materna-2000-2020/>.

O documento:
Trends in maternal mortality 2000 to 2020: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and UNDESA/Population Division. Geneva: World Health Organization; 2023. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Disponível em: <https://www.who.int/publications/i/item/9789240068759>.

Tags: Mortalidade Materna