Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Débora Wylson Mattos, oncologista pediátrica do Instituto Nacional do Câncer (INCA), e José Luiz Carvalho, pediatra do IFF/Fiocruz, realizado em 03/11/2020.
Condição Crônica Complexa e Cuidados Paliativos
Influências na vida de crianças com doenças fatais e crônicas:
Controle de Sintomas:
Compreensão do adoecimento:
O paliativista e o advento técnico científico
A família das crianças com condições crônicas complexas
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Perguntas & Respostas
1. As repercussões emocionais dos cuidados paliativos são muito desgastantes para as famílias, mas também para os profissionais. Como trabalhar isso? Que ações e cuidados os gestores precisam ter para não sobrecarregá-los? E que sinais de alerta deve-se ficar atento?
É preciso ter um olhar muito atento ao outro. Assim, as reuniões de equipe são muito importantes para pôr os casos em pauta e expor as dificuldades dos profissionais frente a eles. Nelas, pode-se ter dinâmicas cujo objetivo seja compartilhar a dor e as emoções, como por exemplo, escrever seus sentimentos.
Desenvolver práticas colaborativas e positivas na equipe, para manter uma união saudável entre os profissionais também é essencial para evitar repercussões negativas. Além de, é claro, acompanhamento psicológico com profissionais, principais identificadores de situações emblemáticas.
Cada profissional precisa ter noção do seu papel, juntar os seus conhecimentos, saber em que sua ação está modificando o cuidado e manter-se sempre atualizado. Isso ajuda muito em uma equipe e facilita identificar os sinais de alerta, como desatenção, irritabilidade, etc.
2. Os pais costumam aceitar a gastrostomia na criança?
A gastrostomia é bem aceita quando há indicação clínica e ela é bem explicada aos familiares.
Como todo procedimento, a gastrostomia tem que fazer parte de um planejamento. Se há a discussão de que a gastrostomia é um suporte para melhorar a qualidade de vida desse paciente, há uma resistência inicial como qualquer ostomia. Entretanto, a família e o próprio paciente entendem que é a melhor opção de tratamento.
Em algumas situações a gastrostomia é indicada para pacientes que conseguem se alimentar pela boca, porque o aumento do aporte calórico faz parte do tratamento. É diferente de casos terminais onde a gastrostomia não traz nenhuma proposta de melhoria de qualidade de vida. Nesse caso, manter a alimentação pela boca pode ser uma obstinação terapêutica, mesmo que não mude o curso do paciente.
3. Quais são os princípios dos cuidados paliativos e seus objetivos?
Os princípios do cuidado paliativo, segundo a definição da OMS são: melhoria da qualidade de vida, bom controle da dor e dos outros sintomas, reinserção do paciente no seu ambiente, realização de pendências, tratar o sofrimento (físico, psíquico) de uma maneira multidimensional e manter a autonomia do doente, deixando que ele decida de acordo com a sua cultura, forma de pensar e religião.
Sempre trabalhar com a verdade e manter uma boa relação entre os paliativistas e os assistentes também é fundamental. É preciso ter a delicadeza de saber tomar decisões juntos, em equipe, e discutir com a família. Também é importante evitar conflitos e saber gerenciá-los. Visto esses princípios, é bom ressaltar que os cuidados paliativos não são associados diretamente com a terminalidade, e sim com o caminho que leva até ela.
4. Quando os cuidados paliativos devem ser iniciados?
Os cuidados paliativos devem ser iniciados ao diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida, o mais precoce possível.
O cuidado paliativo deve ser visto como um gráfico de ondas, pois há momentos em que o doente irá depender muito da atenção do paliativista. Um bom cuidado paliativo deve, em certo ponto, resultar na independência do paciente e no seu retorno para seu ambiente. Assim, os cuidados paliativos oscilam de intensidade até que chegue no seu ápice, no fim de vida do paciente.
Apesar dos cuidados paliativos não se resumirem ao cuidado de fim de vida, ele é essencial, pois os paliativistas são muito importantes na terminalidade, visto que eles, por exemplo, realizam sonhos e controlam melhor os sintomas o mais rápido possível. Também, após o fim de vida do paciente, o trabalho do paliativista não termina: é preciso acompanhar o luto das famílias, é preciso ter um olhar para quem fica, seja com o ambulatório dos enlutados ou com as cartas de condolência.
5. Todos os casos terminais devem ser estimulados para serem acompanhados em domicílio?
O hospital é necessário quando é preciso exercer maior controle de sintomas.
Se for o caso de uma terminalidade, o melhor local para alguém ser cuidado é dentro da sua casa e isso deve ser estimulado. A equipe deve avaliar cada caso individualmente, levando-se em consideração se a família tem condições de cuidar da criança e se as condições domiciliares garantem isso. Deve-se avaliar o quadro geral da casa e fornecer equipamentos necessários para o conforto do paciente terminal. É importante ter a compreensão das possibilidades e do desejo do paciente e/ou da família para que o acompanhamento à domicílio seja uma opção.
Também é sempre necessário ter cuidado para que a desospitalização seja em razão do benefício do paciente e não dos gestores ou por economia do hospital. O foco dos cuidados paliativos é o doente e sua família.
6. O que dizer da assistência psicológica para os familiares? Quando ela é necessária e o que deve ser privilegiado?
A assistência psicológica é sempre necessária, pois existem dores que não se curam com remédios.
Algumas famílias apresentam resistência à assistência psicológica. Quando isso ocorre, é importante que, com o tempo, se estabeleça uma relação de confiança com a família para que a ideia possa vir a ser aceita. Os cuidados paliativos são multidisciplinares, é preciso trazer abordagens diferentes de tratamento. O psicólogo, em especial, facilita o trabalho de toda a equipe.
7. Os profissionais de saúde tendem a se tornarem pessoas frias quanto à dor dos pacientes e seus familiares. Como abordar isso?
Tudo que é sobre o outro é difícil de ser rotulado. Algumas pessoas sofrem tanto que não conseguem ser amáveis frente à dor, sendo a frieza um recurso de defesa. Assim, é preciso realizar estratégias para desenvolver empatia e se atentar à sua equipe, entendê-la.
Há casos em que o profissional precisa de ajuda para lidar com a situação. Mas também há casos em que o profissional precisa ser realocado, pois a frieza pode estar inserida em outros contextos e isso deve ser avaliado.
8. Como trabalhar o cuidado paliativo com os irmãos, sejam eles mais novos ou mais velhos?
Não faz sentido excluir os irmãos do contexto do cuidado paliativo. É muito importante uma abordagem adequada e acompanhamento psicológico, para que a criança saiba o que está acontecendo. Até porque, com o adoecimento de uma criança, a atenção da família passa a ser voltada para ela, podendo fazer com que o irmão se sinta deixado de lado. Então, ao poupar os irmãos da gravidade da situação, eles podem achar que é desamor da família. Utilizar da verdade piedosa e acolher é fundamental.
9. Como esses conceitos podem chegar a toda equipe? Principalmente em relação à equipe de técnicos de enfermagem?
É necessário envolvê-los em todos os sentidos, principalmente nas discussões dos casos, pois são esses os profissionais que tem maior contato com o paciente e com a família e, por isso, precisam estar bem informados.
O cuidado paliativo é um processo de cuidar, de melhoria da qualidade de atendimento, e assim como todo processo, é preciso desenvolvê-lo a partir de situações reais e concretas, trazendo preceitos nas discussões centradas no paciente. A literatura também está repleta de informações sobre o assunto para que os profissionais se informem.
10. Como lidar com os profissionais que, em situações de fim de vida, decidem reanimar ou iniciar medidas de suporte para pacientes que já haviam tomado decisão partilhada com a família de não reanimação?
Se a decisão já está partilhada com a família, ela irá se opor. Quando o profissional reanima, geralmente é por medo de processo judicial. Entretanto, hoje em dia isso não acontece tanto porque já existe o processo contrário, visto que o art. 5º da Constituição fala sobre tortura. Então, fazer um tratamento completamente fútil e obstinado é passível de culpa e fere a integridade do outro. Existe também um conceito chamado objeção de consciência, e nesse caso, os profissionais precisam ser treinados ou realocados, se necessário.
11. Trabalho na atenção primária e acho que ainda somos pouco preparados para lidar com a terminalidade. Como podemos melhorar isso, para que os pacientes terminais possam ser assistidos em suas casas quando desejarem ou puderem?
A rede primária pode e deve contribuir com o cuidado paliativo, desde que acordado e discutido com a equipe do hospital de origem do paciente. As dificuldades do grupo podem ser superadas por meio da educação permanente e organização da Rede. Cursos, leitura de artigos e acompanhamento de profissionais paliativistas podem ser úteis para o treinamento daqueles que se interessam pela área. É preciso se preparar também para a terminalidade, pois não é fácil lidar com a morte.