Sistematizamos as principais questões sobre Cuidados com o Recém-nascido na UTI Neonatal abordados durante Encontro com as Especialistas Eremita Val Rafael e Francisca da Silva Souza, Enfermeiras Neonatologistas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), realizado em 18/07/2019.
Pequenas mudanças no cotidiano das unidades neonatais podem significar grandes conquistas para os recém-nascidos pré-termo e suas famílias e é muito importante discutir situações comuns que ocorrem no dia a dia das unidades neonatais e as dificuldades para a implantação de mudanças para a melhoria do cuidado.
Em meio a várias atividades realizadas no cuidado neonatal, abordaremos com destaque a utilização de sonda gástrica e a posição canguru com o bebê em ventilação mecânica ou CPAP nasal, considerando as dificuldades para as equipes posicionarem um bebê em posição canguru quando ele se encontra intubado.
O Método Canguru é um modelo de atenção perinatal voltado para a atenção qualificada e humanizada que reúne estratégias de intervenção biopsicossocial com uma ambiência que favoreça o cuidado ao recém‑nascido e à sua família. O Método promove a participação dos pais e da família nos cuidados neonatais. Faz parte do Método o contato pele a pele, que começa de forma precoce e crescente, iniciando com o toque e evoluindo até a posição canguru, propriamente dita.
Anteriormente, considerava-se o Método Canguru como um cuidado para países pobres, mas hoje grandes cientistas se rendem aos seus benefícios para o bebê. É inquestionável, atualmente, a importância da posição canguru (o contato pele a pele) e do Método Canguru (Atenção Humanizada ao Recém-nascido – Método Canguru, a política, em um contexto mais amplo). As revisões sistemáticas têm demonstrado que os benefícios da posição canguru são irrefutáveis; o Método Canguru e a posição canguru são neuroprotetores e não trazem agravo para o recém-nascido.
A posição canguru consiste em manter o RN, em contato pele a pele junto ao peito dos pais guardando o tempo mínimo necessário para respeitar a estabilização do RN e pelo tempo máximo que ambos entenderem ser prazeroso e suficiente. Deve ser realizada de maneira orientada, segura e com o suporte de equipe assistencial capacitada. Hoje existem evidências de que quanto mais cedo o bebê for para o contato pele a pele, mais cedo sairá da ventilação mecânica e será alimentado ao seio. Logo, consideradas condições de estabilidade clínica do recém-nascido, ele deve ser colocado em posição canguru o mais precoce possível.
Outra questão que suscita muitas dúvidas nas unidades neonatais é em relação à sonda gástrica. Importamos a prática realizada no adulto e na criança para a Neonatologia, e esta prática vem sendo repetida ao longo dos anos. Sabemos que a inserção de sonda gástrica no recém-nascido internado na UTI é um dos procedimentos de enfermagem mais corriqueiros e que está indicada para a alimentação, para a administração de medicamentos e para a descompressão gástrica. Também conhecemos dúvidas sobre a decisão da inserção da sonda oral ou nasal, sobre suas fixações, suas medidas e posicionamentos. Não existe evidência sobre a forma ideal de se inserir uma sonda, lembrando que há riscos e benefícios em ambas (naso ou orogástrica), e é necessária uma avaliação de cada bebê para se definir a via oral ou a nasal.
Em todos os cuidados precisamos considerar a necessidade do bebê, precisamos olhar para ele porque teremos a resposta do que ele precisa. Estamos cuidando de um indivíduo para o futuro, e até um “simples” banho pode causar danos para o bebê.
Realizar boas práticas é cuidado, é vida, é saúde para a criança, para a sua família e para a sociedade.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!
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Perguntas & Respostas
1) Como podemos melhorar o posicionamento do recém-nascido de extremo pré-termo que, na prática, deveria ficar com cabeça neutra por 72 horas?
Essa preocupação é interessante e já falamos sobre o mínimo manuseio do recém-nascido nas primeiras 72 horas e sobre a recomendação de que ele fique em posição neutra. A posição neutra deve ser mantida com RN em decúbito dorsal, mantendo a linha mediana. O ninho e rolinhos devem ser utilizados para adequar o RN.
Relembrando que a posição canguru é oferecida para o bebê se ele estiver estável, mesmo dentro das primeiras 72 horas.
2) Quando deve ser realizado o primeiro banho do RN prematuro e o do a termo?
Para o banho do recém-nascido pré-termo, temos que ter como referência o seu peso:
Quanto mais postergar o banho, melhor. Na nossa prática de enfermagem, ao longo dos anos, havia a utilização de sabão e banho todos os dias; mas hoje a recomendação para o RN a termo é de banho três vezes por semana e, em até 28 dias, evitar o uso de sabão ou usar o sabão mais neutro possível, evitando interferir na barreira protetora da pele que pode ressecar facilmente. Há sabão que modifica o PH da pele do bebê por um período de até 24 horas e isso é muito nocivo; então o banho é algo que devemos ter muito cuidado. A finalidade do banho não é a higienização do bebê somente, mas proporcionar conforto e bem-estar.
3) Como orientam realizar a higiene de um bebê estável, mas em CPAP nasal? Ele pode tomar banho?
Esse bebê não deve tomar banho de imersão, mas sim fazer a higiene corporal, que deve ser realizada com algodão e água. Ter o cuidado de não espremer o algodão, jogando água na criança. A higiene corporal deve seguir o mesmo sentido dos outros tipos de banho, crânio/caudal. Começar a limpar primeiramente a face, a cabeça e, depois, as outras partes do corpo.
4) Encontramos algumas dificuldades para alinhar os cuidados de enfermagem e os cuidados da fisioterapia, interferindo no posicionamento eficaz do RN. Como podemos melhorar nossas práticas?
Essa pergunta é muito interessante porque as equipes precisam trabalhar alinhadas, deve-se evitar a competição.
Existem algumas especificidades da criança, e não devemos deixar todos os bebês na mesma posição porque cada um possui as suas necessidades. O bebê se comunica, ele nos diz do que está precisando, e à medida que isso acontece, vamos ajustando a sua posição (melhorar a postura, ajustar o ninho, utilizar rolinhos, etc.). Não podemos considerar a mesma postura para todos os bebês. O fisioterapeuta é um profissional extremamente importante dentro das unidades neonatais, assim como a enfermagem, e devemos trabalhar sempre em acordo, com diálogo, explicando o motivo de o bebê estar naquela posição. Quando as equipes discutem entre si e com a família, todos ganham, principalmente o bebê.
Antes, nos anos 70, 80, a equipe era composta apenas por médico, enfermeiro e o técnico de enfermagem; hoje, a equipe é grande, e todos aprendem uns com os outros. Podemos melhorar a prática sempre com um trabalho interdisciplinar, com a equipe multiprofissional.
Hoje, já falamos na transdisciplinaridade, em que podemos “entrar” um pouco no trabalho do fonoaudiólogo, da fisioterapeuta, por exemplo; assim, vamos pegando um pedaço de cada profissão (sem invadir, sem descaracterizar a profissão e achar que ela seja desnecessária) para o crescimento de toda a equipe.
5) Sobre a fixação da sonda orogástrica, muitos serviços ainda utilizam as fixações rígidas com fitas adesivas. Quais as recomendações para as boas práticas?
Sempre pensamos no bem-estar do bebê. A sonda deve ser bem fixada, mas precisamos evitar excesso de esparadrapos.
6) Para os hospitais que não têm a unidade canguru, quais são as estratégias para a realização da posição canguru como boa prática?
Todo bebê pode ir para a posição canguru, sem a necessidade de haver um local definido para isso. Não pode haver essa preocupação em ter um lugar para colocar a unidade canguru, podemos começar onde estiverem a mãe, o pai e o bebê. Então, às vezes, a gente não proporciona a posição canguru por conta do espaço, por vários motivos como a ausência da cadeira ideal.
E qual seria a cadeira ideal?
É uma cadeira confortável, segura e com braços laterais para que a mãe/pai possa se apoiar, não necessariamente uma poltrona. Não há necessidade de uma unidade canguru para se fazer a posição canguru, sendo que até o bebê a termo se beneficia da mesma. Hoje, não falamos mais em atenção humanizada para o recém-nascido pré-termo e de baixo peso, mas em atenção humanizada para todo recém-nascido.
Os pais devem utilizar a faixa para a segurança do bebê, no hospital ou em casa, possibilitando que façam outras atividades.
7) Quais são as contraindicações da técnica de verificação de resíduo gástrico?
Na verdade, não existe contraindicação, mas também não existe evidência da necessidade da técnica de resíduo gástrico. Em alguns estudos com grupos que fizeram a verificação de resíduo gástrico e com grupos que não fizeram, este segundo grupo foi beneficiado, começaram a se alimentar mais rápido, a ganhar peso mais rápido. Então, as evidências, hoje, apontam para a não necessidade de verificação de resíduo gástrico.
Quando introduzimos uma mudança, ficamos preocupados em como proceder, em como saber se o bebê está fazendo a absorção da dieta, mas o bebê dá as pistas, ele vai distender, regurgitar. Então, sempre realizar a avaliação do bebê, e não somente a avaliação pontual como a verificação de resíduo gástrico.
Quando se despreza o resíduo gástrico, perde-se substâncias importantes para o bebê, para o seu desenvolvimento gastrointestinal. Assim, não há evidências da necessidade de verificar o resíduo gástrico. O medo que os pediatras tinham da enterocolite necrotizante ligada a isso não se justificou nos trabalhos atuais.
8) Tem uma idade mínima para colocar o prematuro extremo em posição canguru, visto a necessidade de manter a posição neutra da cabeça?
O bebê que estiver clinicamente estável pode ir para a posição canguru, independente de peso e idade gestacional.
Se estiver estável e intubado, por exemplo, ele vai para a posição canguru; não se espera o tempo da posição neutra.
Não existe idade mínima para colocar o bebê na posição canguru, não é pela idade e nem pelo peso que ele vai para a posição; o bebê vai para a posição canguru pela estabilidade clínica.
A posição canguru é um direito do bebê e seus benefícios são cientificamente comprovados.
9) Em relação ao teste antes de alimentar o RN, na nossa UTI neonatal utilizamos o teste do ruído hidroaéreo com 0,5 ml de ar, antes de cada dieta. O que vocês pensam em relação a essa prática?
Essa prática foi muito utilizada ao longo do tempo, pois trouxemos as técnicas do adulto e da criança para as unidades neonatais. Não há evidência do seu uso para verificação da localização correta da sonda, até porque o ruído hidroaéreo das alças intestinais do bebê pode confundir. Essa prática não é recomendada e está fora do contexto das novas práticas da neonatologia.
10) Gostaria de saber qual o melhor posicionamento do recém-nascido para passagem de sonda para lavagem gástrica.
Na UTI neonatal, a situação de lavagem gástrica é algo que pouco ocorre. Temos que questionar e avaliar a real necessidade de realizar a lavagem gástrica? Qual a evidência? Por que fazer? O posicionamento para passagem da sonda é a que se faz em qualquer situação, com o recém-nascido em posição de Fowler e a cabeça em flexão.
11) As metanálises mencionam a taxa de extubação durante o manuseio do RN no momento da colocação e retirada da posição canguru
Isso realmente é uma realidade nas unidades neonatais. Mas o que falamos no momento em que colocamos o bebê na posição canguru é que isso é uma responsabilidade da equipe. Um só profissional representa um grande risco para extubar o bebê, mas se houver 2 ou até 3 profissionais trabalhando juntos, reduz-se a possibilidade de extubação.
Outra questão, também, é a má fixação; então se esta estiver de forma inadequada, o risco ocorrerá até com o movimento do bebê dentro da própria incubadora.
12) Qual a experiência (ou opinião) de vocês sobre a ofuroterapia?
A ofuroterapia é um procedimento utilizado para os bebês que demandam alguma necessidade, como por exemplo, o estresse. Não pode ser confundida com banho de imersão.
13) Os cuidados de rotina na unidade neonatal são inúmeros e podem ser causas de estresse para o RNPT. Como vocês sistematizam a realização desses cuidados (avaliações frequentes de sinais vitais, troca de fraldas, sinais vitais, pesagem diária, higiene corporal, remoção de fitas adesivas, etc.), especialmente nos bebês criticamente doentes?
O cuidado com a remoção das fitas adesivas deve ser muito grande para não lesionar a pele do bebê.
A troca de fralda pode causar danos como hemorragia intracraniana. A forma correta para a troca deve ser girando o seu corpo, e não levantando suas pernas.
Devemos sistematizar os cuidados, agrupá-los para evitar que o bebê que acabou de receber um cuidado receba outro em seguida; é preciso respeitar isso.
Refletindo sobre isso, rever a necessidade de pesagem diária, principalmente nos recém-nascidos em UTI neonatal. Em relação à pesagem, existem incubadoras que possuem balança e podemos aproveitá-las.
A higiene corporal não precisa ser diária. A troca de fraldas deve ser realizada quando houver sujidade. Faz-se a higiene nas áreas necessitadas, mas não é necessário o banho diário. Existem unidades em que é regra o banho acontecer três vezes por semana, mas é importante sempre individualizar o cuidado, pois cada bebê é um indivíduo com suas próprias necessidades.
14) Como individualizar o cuidado neonatal sem que a equipe perca o compromisso? Que medidas educativas posso aplicar na equipe?
Em nossa experiência, quanto mais individualizado o cuidado, mais a equipe se compromete, porque a individualização é com o bebê, não com o profissional. Existem medidas educativas como reuniões, rodas de conversa, estudo do método canguru, sensibilização da equipe para sempre olhar o bebê como um indivíduo, e não como um objeto do nosso cuidado. Ao longo do tempo, víamos o bebê como objeto, mas hoje devemos enxergá-lo como um bebê sujeito. “Um bebê sozinho não existe”, o que existe é uma rede de cuidados que começam na família, passando pela unidade neonatal, continuando na atenção básica. Esse é o nosso compromisso.
Em relação ao processo de trabalho, sabemos o quanto as rotinas e os protocolos são organizadores do trabalho nas unidades neonatais e, nesse sentido, pode-se questionar se a individualização pode fazer com que esse cuidado não aconteça por parecer, a princípio, que foge um pouco do protocolo. Mas se a gente construir os protocolos, pensando nessa individualização, sempre trabalhando nas rodas de conversa a necessidade de se olhar nos olhos do bebê e de perguntar a ele do que precisa, você consegue, lentamente, fazer processos de mudança e adequar o seu processo de trabalho a isso.
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