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Principais questões sobre Monitoramento do uso de oxigênio na unidade neonatal

16 out 2018

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Dr. José Maria de Andrade Lopes, médico neonatologista da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), e Dr. José Roberto Ramos, médico neonatologista do IFF/Fiocruz,  realizado em 26/04/2018. O tema escolhido pelos usuários do Portal através de votação foi Monitoramento do uso de oxigênio na unidade neonatal, um tema de extrema importância para a qualidade e segurança da atenção ao recém-nascido de risco que necessita de assistência ventilatória.

O oxigênio é fácil de usar, mas é uma droga, e às vezes a gente não o encara como droga porque é um gás com um mecanismo de abrir e fechar, mas é importantíssimo saber usar e monitorizar para obtermos um melhor efeito do oxigênio e evitar as complicações com o seu uso excessivo.


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O uso do oxigênio é fundamental para a sobrevida de alguns bebês fora da placenta. Quando você transforma a vida fetal para a vida neonatal, isso implica em abandonar a placenta como órgão de troca e adotar o pulmão como responsável pela vida aeróbica. Então, aquele bebê que está dentro da barriga, respirando pela placenta, nasce, precisa viver aqui fora, na vida aeróbica e o seu pulmão expande. Sabemos que alguns bebês têm uma dificuldade enorme de fazer isso ao nascer e também ficam na unidade com dificuldade de respirar, precisando de oxigênio. Aí é que levanto a primeira questão, para esquentarmos o nosso bate-papo:

1) Qual é a importância de se falar sobre o uso do oxigênio? Este precisa ser encarado como uma droga?

O ponto é que o oxigênio é uma droga tão fácil de usar, porque você a obtém da parede, de uma bala de oxigênio ou de um sistema de oxigênio do hospital, coloca num fluxo solto e administra ao recém-nascido. Isso quer dizer que saímos da fase em que simplesmente colocávamos uma mangueirinha dentro da incubadora, nós ligávamos o oxigênio e observávamos a criança ficar rosada, (mas sem o controle do que estávamos administrando, sem sabermos nem quanto e qual era a oxigenação da criança), para hoje, com os sistemas em que temos a medida certa. Dessa forma, podemos colocar a medida certa dentro da incubadora com um blender, a medida certa dentro do respirador, medir a concentração de oxigênio no ambiente com o oxímetro e também medir a saturação da criança. O nosso objetivo final é uma criança bem oxigenada com marcadores (oxímetro de pulso). Então, saímos daquela fase, mas acredito que no Brasil ainda existam locais em que as condições não são as melhores para esse tipo de monitorização. Porém, costumo dizer que com boa vontade, com um pouco de criatividade, todo mundo pode saber o quanto de oxigênio está administrando para a criança; isso é fundamental. O nosso objetivo final é se a criança está bem oxigenada e com o metabolismo satisfatório. Mas é fundamental passarmos por todas essas etapas, porque um caso é o oxigênio pendurado na incubadora, outro já é o oxigênio no CPAP, dentro de um capacete de oxigênio, ou administrado por meio de um respirador.

O nosso país é muito diverso, muito grande, então observamos que há várias formas de monitoramento e provavelmente encontraremos muitas perguntas sobre isso. Agora quero colocar uma questão sobre isso. Com o oxigênio, pode acontecer de se ter uma hipóxia prolongada que resulta numa mudança do metabolismo aeróbico para o anaeróbico. Isso aumenta a produção de ácido lático e ocasiona danos cerebrais. O grave dano cerebral é o nosso temor, é do que fugimos no dia a dia, evitando a hipóxia nesses bebês.

Já sobre a questão da hiperóxia, começa-se a apresentar risco de toxicidade basicamente do pulmão, do olho, e temos a preocupação com esse outro lado da história para não administrar muito oxigênio. Nesse sentido, começamos a perceber que nem pouco e nem muito.

2) Então, qual seria a nossa meta para o uso adequado de O2?

Para isso, vamos dividir as etapas. A primeira etapa, no começo da vida. O uso do oxigênio mudou demais. De uns dez anos para cá, numa sala de parto, não havia outra maneira de ressuscitar uma criança a não ser por meio do ambu reanimador ou de alguns dispositivos do tipo Babypuff® ou Neopuff® e o oxigênio. As vivências dos últimos anos mostram que o recém-nascido a termo, na sala de parto, deve ser reanimado com ar ambiente. Se precisar ser reanimado, fundamentalmente, melhore a ventilação dele, mas não ofereça oxigênio. E se você puder, obviamente, monitorize a saturação dessa criança. Mas, se no decorrer da reanimação, efetivamente a saturação não vier para o lugar em alguns minutos, aí sim ofereça oxigênio de acordo com o normograma.

No pré- termo já é um pouco mais complicado, a gente ainda tem dúvidas. Hoje há um grande estudo internacional começando para comparar o pouco oxigênio e o muito oxigênio como o início da reanimação. Até o momento, a nossa recomendação é começar o oxigênio e, provavelmente, para o pré-termo o ar ambiente é pouco e 100% é muito. Esse estudo compara 30% e 60% como a droga inicial, como a concentração inicial de oxigênio.

Veja bem, primeiro capítulo, na sala de parto: o bebê a termo você reanima com ar ambiente, monitoriza a saturação e, conforme a reanimação prosseguir, você vai ajustando. O bebê pré-termo, hoje, começa com 40% (que é o que fazemos no nosso serviço) e, dependendo da criança, você vai ajustar para cima ou para baixo. A maioria das crianças é reanimada efetivamente com 40% e um pré-termo reanimado adequadamente permite você reduzir progressivamente a concentração de oxigênio. Se ele estiver muito grave, normalmente terá que ser entubado e caminhar para dentro da UTI. Então esse é o primeiro capítulo sobre manter a oxigenação na sala de parto nos melhores níveis.

Quando a criança vai para a UTI neonatal, como foi bem dito no início, existe uma transição entre a vida fetal e a vida neonatal em que a fisiologia do bebê muda muito. O neném, quando está dentro do útero, o Canal Arterial está aberto, o Forame Oval está patente, o sangue não circula pelo pulmão, ele vem da placenta e passa direto do coração direito para o coração esquerdo e a oxigenação é basicamente mantida pela placenta. Quando a criança nasce, é uma transformação enorme, os canais fetais se fecham e temos assim a circulação normal, com o sangue chegando ao coração direito, indo para o pulmão para ser oxigenado, depois para o coração esquerdo e para a circulação. Se a gente pular essa primeira etapa, vamos para dentro da UTI e teremos que objetivar o nível de saturação para a nossa criança.

Hoje, estamos usando o nível de saturação entre 90 e 94 como o ideal. Para que você mantenha os seus níveis de saturação entre 90 e 94, é preciso programar os alarmes do monitor um pouco abaixo. Hoje, no meu serviço, coloco em 88 e 95, de modo que a gente consiga trabalhar nessa faixa de saturação. É importante prestar atenção (e há a dificuldade de vigiar, de monitorizar o oxigênio dentro da UTI) quando criança está saturando 85 e alguém aumenta um pouco a concentração de oxigênio e isso faz com que a saturação da criança aumente. Porém, não podemos sair do lado da criança, porque muitas vezes você aumentou de 35 a 40 %, a saturação saiu dos 85 para 100% e isso já é muito. Assim, é preciso ajustar novamente, vamos dizer que para 37; então a dificuldade de monitorizar a saturação e manter o nível de oxigenação no recém-nascido é basicamente no dia a dia, à beira do leito, e essa é a dificuldade de todas as unidades neonatais.

Em todos os estudos que foram feitos nos últimos anos, dizendo qual é a saturação ideal, os autores são unânimes em afirmar o seguinte: você pode programar os níveis desejados de oxigênio entre o baixo e o alto, mas o mais importante é que você esteja dentro da sua unidade todos os dias, vigiando e cuidando para que isso aconteça.

Nós lidamos muito e trabalhamos muito com recém-nascidos pequenos e costumávamos ver, no laboratório de função pulmonar, crianças que sofreram muito ao longo da sua internação e chegaram lá com a função pulmonar muito ruim. Assim, pergunto:

3) Qual é o papel do oxigênio nessa lesão pulmonar?

Isso é algo muito interessante. Temos por regra que, quando o bebê vai para casa, de alta médica, a gente faz a avaliação da função pulmonar e invariavelmente aquele prematuro tem uma complacência menor, uma elasticidade do pulmão menor e uma resistência de respirar, de entrar e sair o ar, maior do que uma criança a termo que nasceu sem problemas. Esses pequenininhos, quando recebem o oxigênio na transição da vida fetal para a neonatal, recebem por ventilação mecânica, ou um CPAP com o uso de oxigênio e isso ajuda a criança a sobreviver, mas, ao mesmo tempo, machuca o pulmão. Tanto que hoje, um dos objetivos nosso é utilizar mínima assistência dentro da unidade, sendo mais gentil para ventilar, de forma que não cause tanta lesão no pulmão e altere menos a função pulmonar.

Assim, aqui no Rio de Janeiro, temos percebido o cuidado neonatal melhor, a função pulmonar muito melhor. Contudo, vemos grande diferença entre hospitais públicos que ainda possuem uma conduta mais agressiva para ventilar, para usar o oxigênio, que não têm o critério que estamos conversando aqui, e uma unidade que possui mais critério, um cuidado maior em saber que a lesão pulmonar é grande se deixarem o bebê entubado por muito tempo, ou usando o oxigênio por muito tempo, ou se deixarem as flutuações de oxigênio dentro das unidades. Então a gente percebe que função pulmonar está cada vez melhor. Tenho visto, curiosamente, alguns bebês das unidades que a gente acredita terem melhores práticas com a função pulmonar muito melhor e às vezes até normal já no início da vida, porque estamos acostumados a ver isso melhorando ao longo do tempo, mas quando está indo para a casa, às vezes, o pulmão já está muito melhor do que a gente imaginava. Então isso é algo bem interessante.

A broncodisplasia ou a lesão pulmonar que era, no passado, muito da agressão mecânica do pulmão, depois do surfactante, depois da melhoria dos cuidados neonatais, ela se tornou realmente uma doença muito da agressão do oxigênio.

4) A saturação pela oximetria de pulso é uma forma segura de monitorar o recém-nascido? É possível reduzir a oferta tendo apenas esse instrumento como parâmetro?

Isso é o melhor que nós temos hoje. Cheguei a lidar, no passado, com monitores que chamávamos de transcutâneos de oxigênio que mediam diretamente a pressão arterial de oxigênio. Vou falar quais eram as dificuldades: você está com um neném e quer saber se a oxigenação dele está boa. Se você colhe uma gasometria, inevitavelmente, ele vai chorar; não é o momento, às vezes, de puncionar o neném, pois ele vai chorar, o PO2 cairá e, imediatamente, às vezes esta PO2 que você obtém (e o melhor para a gente saber é por meio da pressão parcial de oxigênio no sangue) não é o ideal.

A vantagem da oximetria de pulso e dos monitores que ainda existem de transcutâneos de oxigênio é que a criança está deitada, não está fazendo nada, e você, através da tecnologia, consegue captar se aquela hemoglobina que está passando está saturada ou não. Agora veja bem, estamos falando de saturação de hemoglobina, não estamos falando da pressão parcial de oxigênio no sangue. A gente, indiretamente, infere que, se a saturação está boa (entre 93 e 95%), esse neném está bem oxigenado. Então, você pode e deve usá-lo, é um instrumento mais prático e provavelmente mais barato para monitorizar a oxigenação do recém-nascido.

Eu vivi a época do transcutâneo e ele queimava a pele, era preciso ficar muito atento a isso.

Nessa linha, como estávamos comentando, atualmente o objetivo do neonatologista na unidade e na sala de parto é otimizar a troca gasosa, utilizando a menor assistência possível, ser gentil ao ventilar para evitar a agressão pulmonar. Nesse sentido, o uso criterioso do oxigênio é fundamental para esse papel, é o que estávamos discutindo aqui. Assim, com essa história de saturação, de quantificar o uso adequado de oxigênio e de como ele deve ser ofertado ao paciente, acho que podemos comentar que esse oxigênio sem ser umidificado é muito ruim, ele lesa muito mais.

Então, dentro do capítulo da administração, há duas coisas importantes que considero. Nós comentamos um pouco sobre a lesão pulmonar pelo uso do oxigênio. Sempre falo que se você pegar um ratinho de experimentação, colocá-lo dentro de um capacete com oxigênio puro, em três dias ele deve morrer. Veja como o oxigênio é lesivo, simplesmente por ele estar ali, ele é lesivo. Por outro lado, o oxigênio possui outro malefício grande, principalmente para prematuros pequenos, que é lesar a retina. A história, ao longo dos anos, foi contada de uma maneira complicada. Quando se descobriu o uso do oxigênio, começou-se a usá-lo demais, obviamente salvando muitas vidas nas UTIs neonatais, nos berçários, mas houve uma epidemia de cegueira e as pessoas não entendiam muito bem o que estava acontecendo. Por meio de pesquisas, de estudos, observaram que se usasse oxigênio demais causava cegueira, se usasse de menos causava a morte e, curiosamente, cinquenta anos depois a medicina veio testar essa hipótese novamente com estudos mais modernos, mais sofisticados. Mas a verdade ainda é muito parecida com essa, se usar oxigênio de mais, a chance de lesar a retina é muito grande; se usar oxigênio de menos, a gente caminha para o lado de prejudicar a sobrevida dessas crianças. A outra grande consequência, o grande prejuízo de não usar o oxigênio corretamente é você ter a lesão chamada retinopatia da prematuridade, que não é só cegueira, mas também miopia, perda de visão, uma série de problemas que pode acontecer na lesão da retina do recém-nascido. Então, fundamental mais uma vez estar controlando a quantidade de oxigênio que a gente administra para o neném. E como foi falado, o oxigênio tem que ser bem titulado, umidificado e aquecido. Hoje não é uma tecnologia cara, é bem razoável e você vai passar o oxigênio dentro do umidificador que aquece e umidifica o ar para ser oferecido à criança. Quando fazemos isso, é mínima a lesão da via aera. A criança estará recebendo o oxigênio praticamente como o que ela estaria respirando normalmente, porque quando a gente respira, ao longo da nossa via respiratória, vai umidificando e aquecendo o oxigênio que chega bem preparado ao pulmão. No recém-nascido pequeno, é muito difícil isso acontecer; então temos que preparar o oxigênio para usá-lo.

Estava pensando aqui sobre a importância de umidificar o oxigênio, a importância desse procedimento. Sabemos que esse portal é do Brasil, e a gente participa de algumas reuniões, vai a alguns lugares e vê muitas situações díspares dentro do nosso país. Por mais que seja difícil algum lugar para umidificar e aquecer, a gente precisa brigar por isso; é uma briga que vale à pena porque isso que se leva ao gestor pode mudar a qualidade de assistência do neném e a sua sobrevida em função disso.

Quero contar uma história que ilustra essa situação do nosso grande país. No Instituto Fernandes Figueira, há muitos anos, fazia-se muito a ventilação mecânica e com a primeira criança que coloquei no respirador precisei usar balas de ar comprimido, porque o hospital não possuía uma fonte produtora de ar comprimido, e tenho certeza que há muitos lugares no Brasil que ainda usam balas de ar comprimido. Essa criança ficou no ventilador por trinta dias e a direção do hospital me comunicou que não entendiam o procedimento que eu estava fazendo, gastando uma fortuna com gás. Por isso, sempre digo que se instalem um compressor para obterem o ar comprimido de uma maneira mais barata. Muitos lugares devem ter dificuldade com isso, o gás é muito caro e é muito mais barato ter um sistema canalizado, com compressor para esse fornecimento. Digo isso porque você precisa misturar o ar comprimido com oxigênio para atingir uma concentração adequada. O oxigênio puro é lesivo; quando você mistura oxigênio e ar comprimido, vai mudando as concentrações do oxigênio puro até, praticamente, ao ar ambiente. Então, é fundamental ter essa noção de que é importante equipar a sua unidade, estar com ela aparelhada para atingir esse objetivo.

5) Dentro do que já comentamos, quais os valores máximos e mínimos de saturação de oxigênio seriam o limite de segurança para evitar dano ao recém-nascido?

Veja bem, essa é uma pergunta que os pesquisadores têm tentado responder nos últimos dez anos. Como disse, a gente teve a experiência de 50 ou 60 anos atrás de que muito oxigênio causava cegueira e pouco oxigênio morria muito. Mas, obviamente, a neonatologia, hoje, é muito mais fina do que isso; a gente tem mais condições de medir adequadamente essas complicações. Vários estudos feitos nos últimos anos tentaram responder qual é a saturação ideal para a gente manter o recém-nascido prematuro, principalmente o pré-termo com menos de 1,5Kg e de 32 semanas (que tem maior risco de desenvolver a retinopatia e de falecer). Então, nos últimos anos, eu diria que a gente tem dias para manter os recém-nascidos nas faixas mais baixas de saturação; quando digo 85 a 90 é uma faixa baixa, 90 a 95 é uma faixa alta. Então, fizeram alguns estudos tentando comparar quem era mantido nessa faixa baixa e com quem era mantido na faixa alta. De início, o que se viu foi mais ou menos a reprodução daquele passado; a criança que era mantida numa faixa mais baixa de oxigenação, ela tinha menos lesão na retina. Então houve menos cegueira, menos retinopatia. Entretanto, esse estudo que saiu simplesmente para mostrar se mais ou menos oxigênio era bom para a retina acabou mostrando que quem ficava nessas faixas baixas de oxigênio morria mais. Isso foi um problema muito sério, inclusive suscitou questões legais nos EUA, fizeram um estudo que acabou levando algumas crianças e terem uma mortalidade maior. Então esse foi um dos primeiros estudos, mas depois desse houve outros na Austrália, no Canadá, nos EUA, na Inglaterra; até hoje devemos ter tido mais de dez mil crianças em estudo e as pessoas ainda estão duelando nessa saturação ideal. Eu diria que o consenso mundial maior hoje é manter a saturação entre 90 e 95%.
Um aspecto para o qual quero chamar atenção foi quando falei da dificuldade de manter uma criança numa determinada faixa. O ideal é você mantê-la entre 90 e 95%, mas para mantê-la numa faixa bem curtinha, é preciso estar olhando para ela quase o tempo todo. Imagina se você mantém a criança numa faixa um pouco maior, entre 87 a 96%? O que acontece? Vai oscilar a saturação da criança sem você precisar mexer muito nela.

Vou contar a minha experiência pessoal com isso. Depois que saiu esse primeiro estudo nos EUA, voltei para a minha unidade vindo de um congresso e indiquei que ajustássemos os alarmes numa faixa mais curta e comecei a tomar mais conta da saturação com uma faixa mais curta de alarme (de 90 a 95%). Entretanto, a gente precisava mexer tanto no oxigênio para manter a criança naquele lugar que aquilo acabou dando um efeito contrário. Nos dois anos subsequentes, eu vi a minha incidência de retinopatia aumentar, e não diminuir. Porque, como falei, a enfermeira ajustava o alarme para a criança não ficar em hipóxia. Ela ia para 93, 94, dali a pouco para 95, 96 e ficava um bom tempo em 100%, mas a gente nunca tem a enfermeira 100% do tempo ao lado da criança. Se ela não está 100% ao lado da criança, ela não consegue fazer esse ajuste fino. O que eu fiz? Voltei, dois anos depois, com a controvérsia que existia na literatura e mexi nos alarmes novamente entre 88 a 95%, dando um pouco mais de espaço para o oxigênio flutuar e isso levou a reduzir a incidência de retinopatia, sem ter impacto na mortalidade. Essa monitorização do oxigênio é algo muito crítico, feita no dia a dia da unidade neonatal e é muito importante que a sua equipe esteja ao lado do doente e preste bastante atenção.

Há dois meses, entrei em uma de nossas unidades na Barra da Tijuca e olhei uma criança que estava saturando 100%. Chamei a técnica de enfermagem, mostrei que ia ajustar o oxigênio da criança e permaneci ali por uns dez minutos. Trouxe a criança de 35 para 30% e continuei olhando. Estava na faixa que eu queria, mas permaneci ao lado da criança uns vinte minutos. Quando saí, falei para a técnica que havia ajustado o oxigênio de 35 para 30 e pedi para que ela prestasse atenção para saber se o quadro de manteria dessa maneira. Ao andar pela unidade para ver outras crianças e retornar, encontrei a criança novamente em 100. Quando vi, a concentração de oxigênio, que eu havia deixado perto de 30, estava em 45%. Perguntei o que havia acontecido e responderam que quando foram aspirar a criança, ela dessaturou e tiveram que aumentar o oxigênio. Concordei que foi preciso aumentar, mas questionei se depois não voltaram para ajustar novamente e me disseram que não. Ou seja, controlar a quantidade de oxigênio que você está dando para a criança e manter a faixa de saturação é uma missão muito importante dentro da UTI. Você precisa se dedicar a isso e ter a sua equipe afinada com isso. As pessoas que trabalham com você precisam ter consciência que aquilo pode lesar a retina da criança, que pode lesar o pulmão da criança e ela tem que querer controlar isso.

6) No caso dos bebês com hipertensão pulmonar, quais os cuidados com oxigenação e qual a saturação ideal a gente deve manter?

A hipertensão pulmonar é um caso particular. Eu diria que o melhor remédio para a hipertensão pulmonar é o oxigênio, há nada melhor. Se você pudesse pegar a criança com hipertensão pulmonar e mandar passar no pulmão dela somente um PO2 alto, tenho certeza de que ela estaria tratada. Mas não é tão simples e aí acho que o outro ponto que temos que colocar é o seguinte: manter a oxigenação de uma criança não é só dar oxigênio. Você precisa assegurar que ela tenha um débito cardíaco adequado, que ela tenha a quantidade de hemoglobina suficiente para transportar oxigênio e tudo isso é fundamental para que o oxigênio chegue ao tecido. A criança com hipertensão pulmonar, frequentemente, não está conseguindo passar pelo pulmão a quantidade de sangue que deveria passar. A pressão da artéria pulmonar fica muito elevada e, se os canais fetais ainda estão patentes, ela vai fazer um shunt do coração direito para o coração esquerdo, misturando um sangue não oxigenado do coração direito com um sangue oxigenado do coração esquerdo. Isso dessatura a criança, causando-lhe mal. Por princípio, o tratamento para hipertensão pulmonar é aumentar a oxigenação da criança. Nessa hora, é preciso avaliar qual é a faixa que quero conseguir porque a gente frequentemente não consegue colocar essa criança saturando bem. Então, na hipertensão pulmonar de uma maneira aguda, o desafio é colocar a saturação no lugar. Eu manteria o mais alto que eu pudesse, dentro dessa faixa de 90 a 95. São crianças que vão se beneficiar de bastante oxigênio e frequentemente, são crianças com menor risco de retinopatia, porque a hipertensão pulmonar é uma doença muito mais da criança grande do que da pequena.

Existe outro capítulo importante que é o seguinte: a criança doente pulmonar crônica. Esse neném requer uma oxigenação adequada, porque uma vez que começa a sua vida, sem hipertensão pulmonar, ele fica no respirador por semanas, vai crescendo, não conseguem extubá-lo e aos poucos pode desenvolver hipertensão pulmonar. Se ela não tiver uma oferta de oxigênio adequada, na faixa mais para o alto do que mais para o baixo, ela frequentemente acaba desenvolvendo uma hipertensão pulmonar secundária, cor pulmonale e isso é um desastre. Então, na criança com doença pulmonar crônica a gente precisa manter uma oferta de oxigênio boa, generosa, na faixa mais alta da saturação, certamente mais de 90.

7) Existe alguma indicação de rotina de coleta de gasometria arterial com a finalidade de avaliar a PO2 dos recém-nascidos durante o período que permanecem com suporte ventilatório?

Com neném que já está crônico, com insuficiência respiratória já arrastada, você não precisa ficar colhendo gasometria a toda hora, somente uma vez ao dia ou, às vezes, até uma vez a cada dois dias. Hoje, temos a questão do mínimo manuseio, sabemos que manusear pouco o bebê é importante para não ocorrer dessaturação, não haver piora clínica. Então a gente tenta otimizar o máximo possível de pouca ação encima do bebê. Agora, aquele neném que você está mexendo muito no respirador, está começando a fase aguda da doença, acaba que será preciso colher a gasometria com mais frequência. Eu não sei se é uma rotina muito certa, mas a questão muda conforme cada tipo de bebê.

Na criança aguda, brigo muito com o meu pessoal porque acho que eles colhem pouca gasometria. Nesta criança, o saturímetro te dá a noção da oxigenação, mas você não sabe qual é o PH e o PCO2 da criança. Então, para ajustar a ventilação mecânica, ajustar a quantidade de pressão que você está dando à criança, ajustar a fisiologia da criança, acho fundamental colher uma gasometria, olhar para onde que é você está e analisar o que está acontecendo. Obviamente, se a criança estiver bem estável, isso pode espaço entre três, quatro vezes por dia. Mas, quanto mais instável estiver a criança, mais amiúde gente deve colher. Às vezes a pessoa confia muito na saturação, mas e o restante? Em última análise, a gente quer saber se o metabolismo está satisfeito e se o PH está no lugar, porque a criança pode até estar oxigenando bem, e não estar com o seu metabolismo bem atendido. Então, na criança aguda acho devemos colher um pouco mais de gasometria.

Na criança crônica, acho que tem que invadir o mínimo possível e a fisiologia não muda tanto. A criança que está lá deitada por duas semanas no respirador, relativamente estável, mas você não consegue extubar, não vai mudar muito a sua fisiologia, a menos que pegue alguma pneumonia, faça pneumotórax, etc. Então, ajustou a ventilação e a necessidade de oxigênio e de pressão, pode fazer a gasometria uma vez por dia, no máximo duas vezes por dia e invadir a criança bem menos.

Na monitorização eu acho a gasometria fundamental para você ter os outros parâmetros na questão da criança mais aguda.

8) O uso de oxigênio direto na incubadora, em capacete, é muito usado no país. Gostaria de que falassem a respeito da indicação do uso do cateter nasal em vez de colocar o oxigênio na incubadora ou no hood.

Já passamos por todas essas fases de usar o oxigênio na incubadora e foi ruim. Você não tem controle do que está fazendo; mesmo que você esteja num lugar, colocando o oxigênio direto na incubadora, provavelmente não haverá um saturímetro e você não vai controlar o que está acontecendo. Infelizmente, é a pior maneira. Acho que só se não houver outro meio é que se faria e, se fizer, tenho que fazer todo o esforço para estar monitorizando a saturação da criança. Por que criaram um capacete para dar oxigênio? Você está com uma criança na incubadora, abre a porta e acabou o oxigênio. Então o uso do capacete veio servir para você concentrar o oxigênio próximo ao recém-nascido. Já usamos capacete aberto, para não dar muita concentração de oxigênio; o capacete fechado completamente, adaptando perto de 100% de oxigênio. Então, repito, se quiser usar o capacete de oxigênio, é preciso saber quanto de oxigênio você está administrando. Como falei antes, não é difícil misturar o oxigênio com ar comprimido e calcular, com tabelas próprias, a concentração que você está administrando para a criança. Qual é o problema do cateter nasal? Já usamos demais o cateter nasal, mesmo já tendo o oxímetro e o saturímetro para saber qual é a taxa de saturação. Num trabalho que realizei, há alguns anos, quando abandonei o cateter, fizemos três mil determinações de saturação e de concentração de oxigênio em recém-nascido durante dois meses. O desvio mais frequente da normalidade é para hiperóxia, com 17% de crianças fazendo hiperóxia, e 5 ou 6 % fazendo hipóxia. A maior parte das crianças fazendo hiperóxia era com cateter, porque ele vai direto ao nariz, o oxigênio puro direto no nariz e isso a criança respira cinco vezes, mistura um pouco; respira quatro vezes, mistura menos. Então a concentração de oxigênio que estamos dando para a criança oscila enormemente. Assim, o problema de usar um cateter nasal é que você não tem, novamente, nenhum controle da concentração de oxigênio que está dando para a criança e pode, facilmente, sair da hiperóxia para a hipóxia; basta a criança chorar, entrar ar e misturar todo aquele oxigênio. No passado, quando analisamos esse trabalho, vimos que a grande maioria das crianças que estavam fazendo hiperóxia fazia por meio de um cateter nasal (na forma de oxigênio puro, grudado num cateter e dentro do nariz do neném). Isso, hoje, não deveria ser feito. Se você quiser fazer, misture o oxigênio lá na ponta com um blender, ou com dois cateteres, direciona aquela quantidade de gás com uma concentração conhecida para o bebê respirar.

9) Existe alguma forma de saber quanto tempo uma criança fica em hipóxia e hiperóxia?

Acho que em termo de instrumental, existem alguns saturímetros que gravam a quantidade de saturação baixa e alta e daí você pode talvez dizer se ele ficou mais em hipóxia, ou hiperóxia, ou não. Os saturímetros comercialmente disponíveis e os monitores multiparamétricos te deixam olhar o parâmetro que você consegue saber quanto tempo aquela criança ficou em hipóxia ou hiperóxia. Há muitos anos, quando filiamos a nossa unidade na Rede Vermont Oxford (Rede de Unidades Neonatais integrada por serviços de vários países), a gente passou a mandar os dados para a rede e, no final do ano, pegamos todas aquelas crianças e comparamos todos os seus indicadores com as melhores UTIs neonatais do mundo. Inclusive, a Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais viabilizou a entrada da Rede Vermont de uma maneira bastante interessante e quem quiser se informar sobre isso, depois pode entrar em cotato comigo. O benefício dessa rede foi que, quando recebemos o primeiro dado dessa rede, vimos que alguns aspectos estavam um pouco fora do lugar em termos de comparação, ou seja, tínhamos mais retinopatia do que a maioria dos lugares do mundo, a mortalidade também era um pouco mais alta. Naquela época já a nossa quantidade de broncodisplasia era um pouco menor. Mas fiquei preocupado com a retinopatia e criei uma sistemática de, pelo menos, hora em hora, anotar a concentração de oxigênio que a criança está recebendo e qual é a saturação que ela tem. Depois de registrar isso por 24 horas, notei um indicador dentro da unidade que chamo de índice de oxigenação. Então, tenho dez crianças em oxigênio, registro de hora em hora cada uma dessas crianças, assim quando passo a visita e vejo que, dessas crianças, oito ficaram dentro do padrão que eu queria, nessas vinte e quatro determinações. Criei um indicador que me obrigou a controlar a saturação do neném e a quantidade de oxigênio ofertada. No dia seguinte, passava a visita e analisava a criança dentro das vinte de quatro determinações; se ficou no padrão ou fora do padrão, precisando de mais atenção. Outra coisa que fiz foi algo que simplesmente qualquer um pode fazer, que é anotar de forma regular e horária a saturação e o nível de oxigenação da criança. Esse controle é fundamental, com isso vi a quantidade de Retinopatia da Prematuridade diminuir naquela época.

10) Seria interessante a utilização de equipamento que ajustasse automática e constantemente a FiO2 ofertada de acordo com a saturação do O2.

Pelo que entendo, se não me engano, Dr Bancalari está tentando fazer isso, as flutuações de oxigenação e a saturação vão modulando de acordo com a criança. Ele fez esse trabalho e outros dois ou três núcleos no mundo reproduziram os dados dele, ou seja, quando você usa o controle automático em que a saturação é ajustada automaticamente no nível em que você deseja, melhora-se o controle da criança. Isso não é muito melhor do que uma enfermeira boa ao lado do neném, mas melhora o controle. Hoje está disponível num determinado tipo de respirador; não está aprovado ainda nos EUA, mas está aprovado no Canadá. Inclusive me deixaram para teste e eu aprovei o respirador que já traz esse tipo de benefício, faz o controle automático da saturação. Mas hoje isso só está disponível para crianças em ventilação mecânica.

 

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