Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com o Especialista Edson Borges, médico obstetra do Hospital Sofia Feldman, realizado em 26/11/2020.
A falha de progresso do trabalho de parto e o estado fetal não tranquilizador compõem duas das mais frequentes indicações de cesariana e, em geral, podem ser prevenidas e o parto normal obtido.
Considerando que entre 80 e 90% das mulheres atendidas nas maternidades se concentram entre os grupos 1-5 da Classificação de Robson, essa discussão irá focar nos grupos de 1-4, que correspondem a mulheres em trabalho de parto espontâneo ou induzido, com fetos a termo, cefálicos e em gestação única.
Em relação à classificação de risco, os grupos de 1 a 3 incluem as gestações de risco habitual (sem patologia maternas ou fetais); gestações com algum fator de risco materno, mas sem apresentar comprometimento materno/fetal relevante ao chegar ao termo (condições mais comuns são as doenças hipertensivas e o diabetes mellitus gestacional – DMG) e gestações de risco habitual ou com fatores de risco menores, mas que eventualmente tem algum problema que não foi identificado antes do trabalho de parto (como a restrição de crescimento intra uterino – CIUR – não diagnosticado).
Falha de progresso
“Falha de progresso” é uma das nomenclaturas adotadas na Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal (CONITEC), para se referir a parto difícil. Neste material, optou-se por utilizar o termo “distócia” incluindo, além da falha de progresso, outras situações como: desproporção céfalo-pélvica (DCP), trabalho de parto obstruído, trabalho de parto disfuncional, parada de descida ou parada de dilatação, “falha de motor”, dentre outros. Todos esses termos podem caracterizar trabalho de parto difícil ou anômalo, que foge à normalidade e eventualmente necessita do uso de intervenção para correção.
O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG) estabelece com clareza os critérios de anormalidade no primeiro e no segundo períodos do parto. Tais critérios são baseados em evidências de qualidade moderada, mas devido ao seu impacto na aplicação, acabam sendo transformados em recomendações fortes (1B, qualidade de evidência moderada). Importa destacar as seguintes recomendações:
No caso do padrão de contrações inadequado após 6 cm e 4 horas sem evolução, há que se avaliar a possibilidade de correção com amniotomia (no caso de membranas íntegras) e considerar o uso de ocitocina sintética, sem desconsiderar outras intervenções no ambiente em que a mulher está sendo assistida, como a atitude da equipe, a atitude da parturiente em relação a seu trabalho de parto, além de outros fatores, como a descida da apresentação, afinamento do colo, rotação, variedade de posição e paridade.
Após a intervenção (ocitocina e/ou amniotomia) deve-se aguardar o tempo de até 4 horas para avaliar a resposta. Se não houver resposta, há indicação da necessidade de cesariana.
Uso de Ocitocina
A dose máxima de ocitocina em caso de distócias (32 ml/min) é atingida após 4 horas e meia do início do protocolo. Isso significa que não se pode diagnosticar que não houve resposta à droga antes deste tempo. Se o diagnóstico é feito e a intervenção não é implementada, a resposta não ocorrerá e isso se dará pela não adoção da solução de maneira efetiva.
Intervalos entre avaliação por toques vaginais
A frequência com que são realizados os toques vaginais durante o trabalho de parto impacta diretamente no diagnóstico das distócias. Na prática, é comum a realização deste exame com intervalos entre 1 e 2 horas. No entanto, toques com menos de 4 horas de intervalo não são úteis para se definir o diagnóstico ou considerar como falha de resposta ao tratamento, gerando apenas desconforto, tensão, iatrogenia e dor. O intervalo de 4 horas entre os toques vaginais é considerado um padrão de tempo bastante seguro e efetivo.
Antes de realizar o toque vaginal, é necessário explicar para a parturiente a necessidade do procedimento e apenas realizá-lo após consentido.
Falha no progresso no segundo período
Não foi estabelecida duração máxima para o segundo período (período expulsivo) antes de se indicar a cesariana. Os critérios de tempo adotados pela ACOG (2014) e pela Diretriz Brasileira de Assistência ao Parto Normal (CONITEC) são os seguintes:
Para que o diagnóstico e o manejo da falha de progresso no segundo período sejam adequadamente compreendidos, alguns requisitos são fundamentais. A condução do período expulsivo prolongado exige dos profissionais alguns critérios de segurança e alguns conceitos importantes:
O suporte contínuo no parto e liberdade de posição no primeiro período são as intervenções mais efetivas, quando se fala em redução do índice de cesariana.
Estado fetal não tranquilizador
É uma das principais indicações de cesariana em mulheres nas categorias de 1 a 4 de Robson, tanto mulheres em trabalho de parto espontâneo, quanto mulheres com trabalho de parto induzido. É importante reforçar uma questão conceitual sobre o uso dos termos “sofrimento fetal” e “asfixia ao nascimento”: desde 2005 a ACOG estabeleceu que o termo sofrimento fetal não deveria ser usado, pois é uma terminologia imprecisa, não específica, que não contribui com a comunicação dos profissionais cuidadores. Sugere-se que se abandone o termo e se use “estado fetal não tranquilizador”, sendo necessário caracterizar seu significado. O termo asfixia no parto também é um diagnóstico não específico que não deveria ser utilizado. Historicamente, são termos que trazem a conotação de falha da assistência e judicialização da medicina.
A vigilância fetal durante o trabalho de parto é um tema difícil, pois presume a realização de exame no momento oportuno, de sua interpretação apropriada, do reconhecimento do padrão de anormalidade e da adoção de uma ação clínica efetiva. Ainda que existam situações e desfechos adversos neonatais que não possam ser evitados, com o monitoramento adequado é possível mitigar e prevenir a maioria dos eventos adversos relacionados com a acidemia fetal e metabólica, resultante da interrupção do fluxo do oxigênio.
O estado fetal não tranquilizador constitui uma das indicações para primeira cesariana em primigestas mais comuns e potencialmente modificáveis. Algumas estratégias de prevenção importantes e necessárias são:
O treinamento sistemático das equipes é efetivo para mitigação e prevenção de desfechos desfavoráveis e de cesarianas.
O principal exame para diagnosticar o bem estar fetal é a cardiotocografia basal intraparto (CTB). Este exame se baseia em 3 princípios fundamentais:
Falar em humanização do parto e humanização da obstetrícia não quer dizer abrir mão da tecnologia, mas reafirmar a necessidade de seu uso adequado, incluindo as tecnologias leves. Menos toques vaginais, menos ocitocina desnecessária, mais cuidado, mais espera: são esses os grandes desafios do aprendizado da obstetrícia moderna.
Abaixo, gravação do Encontro na íntegra.
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Referências
Como citar
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Falha de Progressão e Estado Fetal Não Tranquilizador. Rio de Janeiro, 16 dez. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-falha-progressao-estado-fetal-nao-tranquilizador/>.