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Principais Questões sobre Falha de Progressão e Estado Fetal Não Tranquilizador

16 dez 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com o Especialista Edson Borges, médico obstetra do Hospital Sofia Feldman, realizado em 26/11/2020.

A falha de progresso do trabalho de parto e o estado fetal não tranquilizador compõem duas das mais frequentes indicações de cesariana e, em geral, podem ser prevenidas e o parto normal obtido.

Considerando que entre 80 e 90% das mulheres atendidas nas maternidades se concentram entre os grupos 1-5 da Classificação de Robson, essa discussão irá focar nos grupos de 1-4, que correspondem a mulheres em trabalho de parto espontâneo ou induzido, com fetos a termo, cefálicos e em gestação única.  

Em relação à classificação de risco, os grupos de 1 a 3 incluem as gestações de risco habitual (sem patologia maternas ou fetais); gestações com algum fator de risco materno, mas sem apresentar comprometimento materno/fetal relevante ao chegar ao termo (condições mais comuns são as doenças hipertensivas e o diabetes mellitus gestacional – DMG) e gestações de risco habitual ou com fatores de risco menores, mas que eventualmente tem algum problema que não foi identificado antes do trabalho de parto (como a restrição de crescimento intra uterino – CIUR – não diagnosticado).  

 

Falha de progresso

“Falha de progresso” é uma das nomenclaturas adotadas na Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal (CONITEC), para se referir a parto difícil. Neste material, optou-se por utilizar o termo “distócia” incluindo, além da falha de progresso, outras situações como: desproporção céfalo-pélvica (DCP), trabalho de parto obstruído, trabalho de parto disfuncional, parada de descida ou parada de dilatação, “falha de motor”, dentre outros. Todos esses termos podem caracterizar trabalho de parto difícil ou anômalo, que foge à normalidade e eventualmente necessita do uso de intervenção para correção.

O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG) estabelece com clareza os critérios de anormalidade no primeiro e no segundo períodos do parto.  Tais critérios são baseados em evidências de qualidade moderada, mas devido ao seu impacto na aplicação, acabam sendo transformados em recomendações fortes (1B, qualidade de evidência moderada). Importa destacar as seguintes recomendações:

  • A fase latente prolongada (>20h em nulíparas e > 14h em multíparas) não deve ser considerada indicação de cesariana;
  • Trabalho de parto lento, mas progressivo no primeiro período, não deve ser indicação de cesariana; 
  • Dilatação de 6 cm deve ser utilizada como critério para a fase ativa. Assim, antes de 6 cm os critérios de progressão lenta não se aplicam. É certo que esse ponto de corte de 6cm não deve ser visto de forma absoluta, mas é uma referência importante, para que não se apliquem os critérios vistos para a distócia antes de iniciada a fase ativa;
  • A cesariana por parada de progressão na fase ativa deve ser reservada para mulheres com mais de 6 cm, com bolsa rota, com dilatação que não progride em 4 horas, com um bom padrão de contração ou pelo menos 6 horas (e uso de ocitocina) se a atividade uterina não estiver adequada, sem modificação do colo uterino.

No caso do padrão de contrações inadequado após 6 cm e 4 horas sem evolução, há que se avaliar a possibilidade de correção com amniotomia (no caso de membranas íntegras) e considerar o uso de ocitocina sintética, sem desconsiderar outras intervenções no ambiente em que a mulher está sendo assistida, como a atitude da equipe, a atitude da parturiente em relação a seu trabalho de parto, além de outros fatores, como a descida da apresentação, afinamento do colo, rotação, variedade de posição e paridade.

Após a intervenção (ocitocina e/ou amniotomia) deve-se aguardar o tempo de até 4 horas para avaliar a resposta. Se não houver resposta, há indicação da necessidade de cesariana.

 

Uso de Ocitocina

A dose máxima de ocitocina em caso de distócias (32 ml/min) é atingida após 4 horas e meia do início do protocolo. Isso significa que não se pode diagnosticar que não houve resposta à droga antes deste tempo. Se o diagnóstico é feito e a intervenção não é implementada, a resposta não ocorrerá e isso se dará pela não adoção da solução de maneira efetiva.

 

Intervalos entre avaliação por toques vaginais

A frequência com que são realizados os toques vaginais durante o trabalho de parto impacta diretamente no diagnóstico das distócias. Na prática, é comum a realização deste exame com intervalos entre 1 e 2 horas. No entanto, toques com menos de 4 horas de intervalo não são úteis para se definir o diagnóstico ou considerar como falha de resposta ao tratamento, gerando apenas desconforto, tensão, iatrogenia e dor. O intervalo de 4 horas entre os toques vaginais é considerado um padrão de tempo bastante seguro e efetivo.

Antes de realizar o toque vaginal, é necessário explicar para a parturiente a necessidade do procedimento e apenas realizá-lo após consentido.

 

Falha no progresso no segundo período

Não foi estabelecida duração máxima para o segundo período (período expulsivo) antes de se indicar a cesariana. Os critérios de tempo adotados pela ACOG (2014) e pela Diretriz Brasileira de Assistência ao Parto Normal (CONITEC) são os seguintes:

  • Multíparas: pelo menos 2 horas de dilatação total e puxo efetivo;
  • Nulíparas: pelo menos 3 horas de dilatação total e puxo efetivo;
  • Para multíparas e nulíparas que receberam analgesia peridural, ou com feto em apresentação anômala, pode-se acrescentar mais uma hora a esses tempos.

Para que o diagnóstico e o manejo da falha de progresso no segundo período sejam adequadamente compreendidos, alguns requisitos são fundamentais. A condução do período expulsivo prolongado exige dos profissionais alguns critérios de segurança e alguns conceitos importantes:

  • Distinguir a fase passiva da fase ativa do 2° período: os tempos estabelecidos dizem respeito à fase ativa do período expulsivo, quando a mulher apresenta puxo e o bebê desceu para o assoalho pélvico;
  • É preciso adotar boas práticas no cuidado ao segundo período: apoio emocional, presença do acompanhante, liberdade de posição, evitar o puxo dirigido, não realizar manobra de Kristeller e vigilância ao bem-estar materno e fetal a cada 5 minutos;  
  • Estar apto para realizar parto vaginal operatório em caso de necessidade.

O suporte contínuo no parto e liberdade de posição no primeiro período são as intervenções mais efetivas, quando se fala em redução do índice de cesariana.

 

Estado fetal não tranquilizador

É uma das principais indicações de cesariana em mulheres nas categorias de 1 a 4 de Robson, tanto mulheres em trabalho de parto espontâneo, quanto mulheres com trabalho de parto induzido. É importante reforçar uma questão conceitual sobre o uso dos termos “sofrimento fetal” e “asfixia ao nascimento”: desde 2005 a ACOG estabeleceu que o termo sofrimento fetal não deveria ser usado, pois é uma terminologia imprecisa, não específica, que não contribui com a comunicação dos profissionais cuidadores. Sugere-se que se abandone o termo e se use “estado fetal não tranquilizador”, sendo necessário caracterizar seu significado. O termo asfixia no parto também é um diagnóstico não específico que não deveria ser utilizado. Historicamente, são termos que trazem a conotação de falha da assistência e judicialização da medicina.

A vigilância fetal durante o trabalho de parto é um tema difícil, pois presume a realização de exame no momento oportuno, de sua interpretação apropriada, do reconhecimento do padrão de anormalidade e da adoção de uma ação clínica efetiva. Ainda que existam situações e desfechos adversos neonatais que não possam ser evitados, com o monitoramento adequado é possível mitigar e prevenir a maioria dos eventos adversos relacionados com a acidemia fetal e metabólica, resultante da interrupção do fluxo do oxigênio.  

O estado fetal não tranquilizador constitui uma das indicações para primeira cesariana em primigestas mais comuns e potencialmente modificáveis.  Algumas estratégias de prevenção importantes e necessárias são:

  • treinamento da equipe na interpretação e manejo padronizado dos achados ou intercorrências – através de cursos de interpretação e manejo, 
  • exames confirmatórios, quando possível, e 
  • conhecer as medidas de ressuscitação intrauterina, para que se melhore a condição fetal nos casos necessários. 

O treinamento sistemático das equipes é efetivo para mitigação e prevenção de desfechos desfavoráveis e de cesarianas.

O principal exame para diagnosticar o bem estar fetal é a cardiotocografia basal intraparto (CTB). Este exame se baseia em 3 princípios fundamentais:

  1. As desacelerações variáveis, tardias ou prolongadas correspondem a uma interrupção da via de oxigênio fetal em um ou mais pontos (pulmões, coração, vasculatura, útero, placenta, cordão umbilical) e, portanto, há hipóxia fetal;
  2. A injúria neurológica não acontece apenas com hipóxia, ela requer acidemia metabólica, que ocorre em uma fase mais avançada da hipóxia, ou de hipóxias de repetição. Dessa maneira, ainda que uma desaceleração tenha significado de hipóxia, isso não necessariamente significa dano ou injúria cerebral, tampouco que os bebês que apresentam esse traçado característico vão necessariamente evoluir para um dano cerebral, caso não nasça imediatamente;
  3. Por mais acentuadas que sejam as desacelerações, sabe-se que quando há variabilidade preservada, praticamente se exclui a acidemia metabólica naquele momento. Este é um dos conceitos fundamentais da cardiotocografia.

Falar em humanização do parto e humanização da obstetrícia não quer dizer abrir mão da tecnologia, mas reafirmar a necessidade de seu uso adequado, incluindo as tecnologias leves. Menos toques vaginais, menos ocitocina desnecessária, mais cuidado, mais espera: são esses os grandes desafios do aprendizado da obstetrícia moderna.

Abaixo, gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

 

Referências

  • Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, 2017.
  • American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Safe prevention of the Primary Cesarean Delivery. Obstetric Care Consensus n.1. ACOG, 2014.
  • American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Committee on Obstetric Practice. Inappropriate use of the terms fetal distress and birth asphyxia. ACOG Commitee Opinion n. 326. Obstet Gynecol 2005; 106(6):1469-1470.
  • Journal of Obstetric Gynecology Canada (JOGC). Fetal Health Surveillance: Antepartum and intrapartum consensus guideline. SOGC Clinical practice guideline 2007; 29(9). Supply 4 – S3-S4.
  • Spongy CY et al. Preventing the first cesarean delivery. Summary of a joint Eunice Kennedy Shriver NICHD, SMFM and ACOG Workshop. Obstet Gynecol, 2012; 120(5):1181-1193.
  • Miller DA. Intrapartum fetal heart rate definitions and interpretations: evolving consensus. Clin Obstet Gynecol, 2011; 51(1):16-21.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Falha de Progressão e Estado Fetal Não Tranquilizador. Rio de Janeiro, 16 dez. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/principais-questoes-sobre-falha-progressao-estado-fetal-nao-tranquilizador/>.

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