Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas Adriana Gomes Luz, docente do Departamento de Tocoginecologia da FCM/Unicamp e integrante da Coordenação de COVID-19 do CAISM/Unicamp; Brenno Belazi Nery de Souza Campos, Médico Intensivista Coordenador Técnico da UTI Adulto do CAISM/Unicamp, Professor Doutor da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, Membro da Comissão de Mortalidade Materna da Febrasgo e, Rodolfo Pacagnella, docente do departamento de tocoginecologia da FCM/Unicamp, presidente do Comitê de Morte Materna da Febrasgo. Encontro realizado em 22/04/2020.
Perguntas & Respostas
1. Com o aparecimento da COVID-19, quais são os fatores de risco mais observados, e que contribuem para a mortalidade materna?
As comorbidades são os fatores de risco principais: gestantes com hipertensão arterial, diabetes gestacional ou prévia à gestação, obesidade, doenças hematológicas, câncer, entre outros. Todos esses fatores agravam a condição da gestante diante de uma infecção. O que agrava o risco é um quadro de descompensação da doença de base. Portanto é essencial, principalmente durante o período de pandemia, não negligenciar a assistência ao pré-natal. As mulheres precisam receber todo o cuidado de rotina, por exemplo, se é diabética e está descompensada, precisa usar insulina, se é hipertensa e está descompensada, precisa ajustar as doses da medicação e as demais recomendações.
2. Quais são as ações primordiais que devem ser feitas durante a pandemia para garantir o melhor cuidado obstétrico e para evitar a morte materna por COVID-19 ou pelas principais causas já descritas na literatura?
A COVID-19 deve ser encarada como algo a ser acrescentado ao cenário da mortalidade materna no Brasil.
De uma maneira geral, o que leva a morte materna são as demoras: a mulher demorar para reconhecer sua condição de saúde, em chegar à unidade de saúde ou em receber um diagnóstico e tratamento oportuno. No caso da assistência à gestante com COVID-19, estas demoras também podem ocorrer.
Deve-se organizar os serviços de saúde para garantir e facilitar o acesso das gestantes sempre que precisarem, para que tenham diagnóstico rápido e oportuno e tratamentos adequados. Reconhecer rapidamente mulheres que estão com sepse ou síndrome respiratória aguda grave, por exemplo, é fundamental para reduzir a morte materna, seja durante a pandemia de COVID-19, ou não.
3. As consultas de pré-natal estão sendo adiadas e mulheres com comorbidades tem deixado de ser assistidas. Que estratégias podem ser utilizadas para não expor as mulheres e ao mesmo tempo garantir o cuidado e acompanhamento de quem mais precisa, mesmo durante a pandemia?
É importante manter o atendimento ao pré-natal de rotina, principalmente das gestantes com comorbidades.
Pode-se fazer contato via telefone com as gestantes para avaliar se apresentam algum sintoma gripal ou respiratório antes da consulta. No caso de suspeita ou confirmação de COVID-19 deve-se adiar a consulta para 14 dias após o início dos sintomas. Ainda assim, preconiza-se que as gestantes sem sintomas respiratórios, devem permanecer nas consultas de rotina.
Vale lembrar que o contato com a gestante deve ser mantido sempre, inclusive para acompanhar possíveis sintomas que necessitem de intervenção, como por exemplo, iniciar tratamento para influenza, caso essa seja uma suspeita. Com isso não se perde oportunidade de tratar as mulheres que precisam.
4. Quais os critérios para internação de gestantes com sintomas de COVID-19? E quais sinais e sintomas determinam que ela deve ir para a UTI?
Deve-se lembrar que os sinais de piora na gestante são diferentes da população não gestante.
De um modo geral as indicações de internação em UTI baseiam-se em sinais de agravamento de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), como dispneia ou dessaturação. A frequência respiratória acima de 22-24 rpm, por exemplo, é um sinal de piora muito importante. Na população geral considera-se sinal de risco saturação periférica de 88% a 90%, mas na gestante pode-se considerar sinal de alerta a saturação de 93%, sem melhora, mesmo com a oferta de oxigênio. Além destes, hipotensão postural, alteração do tempo do enchimento capilar ou oligúria, são casos que necessitam de maior cuidado e exigem internação hospitalar. O agravamento desses sintomas indica a necessidade da UTI.
Além disso, os casos clássicos de gravidade que devem ser internados na UTI, como choque, diabetes descompensada ou qualquer outro quadro de descompensação, relacionado à síndrome gripal ou não. Vale lembrar que as gestantes evoluem muito rapidamente e por isso devem ser cuidadosamente monitoradas.
5. Quais são os sinais e sintomas de piora clínica da COVID-19 que as puérperas precisam saber para procurar atendimento?
Muitas vezes a gestante ou puérpera tem uma piora clínica em casa. É importante que ela saiba quais são os sinais e sintomas de gravidade: falta de ar, dificuldade para respirar, tosse, febre (embora não muito alta). Além disso, deve-se lembrar que mudanças de comportamento podem indicar sinais de hipóxia.
6. O Tamiflu (Oseltamivir) deve ser utilizado logo no início da internação?
No início, quando a paciente está com insuficiência respiratória, não é possível saber se é COVID-19 sem a realização de exames. Além disso, os testes diagnósticos nem sempre são fidedignos e deve-se considerar ainda a janela imunológica.
Deve-se considerar que essa paciente esteja com influenza, até que os exames possam ser conduzidos e esclarecidos. Por isso nos casos de SRAG deve-se tratá-la com oseltamivir, além de amox clavulanato e azitromicina (para pneumonia bacteriana), até resultado do exame COVID-19.
7. Que rotinas devem ser instituídas para um diagnóstico diferencial para o H1N1?
Deve-se avaliar a paciente com síndromes respiratórias como uma possível influenza ou COVID-19. Como é necessário realizar os testes diagnósticos para confirmar cada caso, recomenda-se instituir a terapêutica como se fosse um acometimento por influenza ou pneumonia bacteriana, iniciando o antiviral e antibiótico, a depender do protocolo de cada instituição,até resultado do exame.
Vale lembrar que outras doenças reumatológicas, hipertensivas e demais doenças crônicas podem levar a sintomas respiratórios e, por isso, não podem ser esquecidas.
Também, toda gestante deve ser vacinada contra influenza, principalmente nos períodos de sazonalidade.
8. Quando considerar a ventilação mecânica em gestantes com suspeita ou caso confirmado de COVID-19? Deve-se usar os mesmos critérios de adultos ou há especificidades?
Os critérios para ventilação mecânica são iguais. No entanto as gestantes têm uma particularidade quando a gestação está mais avançada, no segundo ou terceiro trimestre, quando é considerada como via aérea difícil.
Vale lembrar que as alterações fisiológicas das gestantes fazem com que a descompensação respiratória nelas seja muito aguda. Por isso, a ideia não é fazer uma intubação precoce como tem-se dito, mas sim, não perder tempo na intubação quando ela é necessária.
9. ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea) pode ser usado em gestantes? Há alguma contraindicação?
Apesar de não ser uma realidade muito comum no Brasil, não há contraindicações do uso de oxigenação extracorpórea em gestantes. Ainda assim, há que se considerar os riscos de sangramento materno fetal.
10. O uso de corticoides é recomendado? Em quais situações? No caso da gestante e no caso do feto.
Indica-se o uso de corticoides para maturação pulmonar fetal, desde que não haja contraindicação materna.
Os relatos apontam quase 50% de prematuridade em gestantes com COVID-19. Não se sabe ainda se é prematuridade espontânea ou induzida. No entanto, quando houver piora do quadro da saúde materna, há a necessidade do uso de corticoide para a maturação pulmonar fetal. A ACOG (American College of Obstetricians and Gynaecologists) recomenda uso de corticoide abaixo de 30 semanas de gestação, entre 32 e 34 semanas recomenda considerar seu uso individualmente e acima de 34 semanas de gestação o uso de corticoterapia está contraindicado até o momento.
O uso de corticoides para maturação dos pneumócitos nas gestantes, é indicado. Ainda assim, deve-se discutir as doses administradas. Gestantes com COVID-19, em geral, são mais graves. Nos relatos de casos, ainda não se sabe se utilizou o corticoide por que ela estava grave ou se o corticoide pode ter agravado a doença. Sabe-se que o corticóide utilizado de forma inadvertida, para controlar uma inflamação desenfreada, pode acabar causando viremia e uma lesão maior no pulmão. Portanto sua utilização deve ser em doses mais baixas de betametasona ou dexametasona, e por menor tempo.
11. Maternidades que não contam com leitos de terapia intensiva para adultos e gestantes e emergências estão com todos os leitos ocupados. Como podem se organizar?
A disponibilidade de leitos de terapia intensiva tem sido um dos desafios da pandemia. As instituições devem avaliar a possibilidade de remanejar leitos de Unidades de Terapia Intensiva, mesmo que temporariamente, até que se consiga transferir estes pacientes. Tudo deve ser feito com responsabilidade e cautela. Os serviços devem buscar se adequar às possíveis demandas que podem surgir neste momento.
Também é importante buscar cooperação entre os serviços da Rede, a fim de facilitar a transferência entre as Unidades, garantindo acesso para quem realmente precisa.
12. Como evitar, no pronto atendimento, contaminação de pacientes sem sintomas?
Tudo depende da organização dos serviços durante a pandemia. Deve-se organizar os serviços para a realização de uma pré-triagem, avaliando-se os sintomas antes da entrada efetiva no serviço. Isso possibilita direcionar as pessoas que tem quadros respiratórios para atendimento em fluxos separados dos pacientes assintomáticos. Os sintomáticos devem ser isolados o mais rapidamente, reduzindo o risco de contágio para outras usuárias e equipe.
Importante ressaltar a necessidade do uso adequado de EPI (equipamento de proteção individual) por todos os profissionais do hospital. Também deve-se disponibilizar quadros informativos para que os usuários possam ser direcionados aos fluxos corretamente.
13. Uma gestante com COVID-19, vai entrar em near miss materno?
A COVID-19 pode levar uma gestante ao near miss, mas ter COVID-19 não necessariamente vai classificar a paciente como near miss.
O near miss materno são situações onde há condições de gravidade em que levam a quase morte como na perda da função orgânica, com falência de múltiplos órgãos, ou seja, a paciente apresenta falência do sistema de coagulação, ou da função respiratória ou cardiovascular. São condições clínicas de falência de órgãos. Se a paciente com COVID-19 apresentar insuficiência respiratória aguda grave, que necessite intubação, pode ser considerado near miss. Caso contrário, só pela presença da COVID-19 não.
14. Qual a importância dos serviços de planejamento reprodutivo na redução da mortalidade materna durante a pandemia da COVID-19? Estes serviços devem continuar ou serem suspensos? Qual o papel do uso dos LARC nas maternidades para redução da mortalidade materna?
As ações de planejamento reprodutivo devem ser mantidas durante a pandemia.
Os LARC (Long-acting Reversible Contraceptive – contraceptivos reversíveis de longa duração), como o DIU pós-parto, podem ser oferecidos para as mulheres já na maternidade. Assim, elas não precisam se preocupar com um retorno muito precoce aos serviços de saúde para contracepção após a alta. Essa estratégia é muito eficaz, principalmente durante a vigência da pandemia.
A proposta do uso dos LARC é que a mulher não engravide de forma indesejada, principalmente no contexto de um sistema de saúde sobrecarregado pela pandemia. Vale lembrar que as evidências apontam os benefícios do uso dos LARC tanto para prevenir gestações indesejadas como seu impacto na redução da mortalidade materna.
Deve-se ter clareza que o puerpério traz riscos no contexto da COVID-19. Mas com certeza traz riscos também no sentido comportamental e social, já que as mulheres passam a ter menor acesso aos serviços de saúde no pós-parto. Neste sentido, é fundamental oferecer contracepção e, muito mais que isso, oferecer cuidado, que é o que elas mais precisam.
15. Quais pontos críticos e fatores contribuem para influenciar os três atrasos, de uma forma geral e durante a pandemia de COVID-19?
Dentre os pontos críticos o maior problema identificado é a falta de protocolos, principalmente de manejo, das condições de maior gravidade que levam a morte materna, como: pré eclampsia grave e eclampsia, hemorragia pós-parto e sepse. Essas condições devem ter protocolos de ação muito claros, como fazer o diagnóstico, como fazer o manejo inicial e o fluxo de encaminhamento dessas mulheres.
A instituição de check-lists e estratégias como MEOWS (Modified Early Obstetric Warning Score) devem ser implementadas para identificação precoce dos casos de maior gravidade. Isso vale para o período da pandemia ou não. Deve-se envolver todos os profissionais no treinamento e implementação destas normas.
16. Parece que a COVID-19 é trombogênica, e a combinação dos fatores tromboembólicos gestacionais e puerperais podem ser preditor de um pior desfecho?
A própria gestação por si só já aumenta os riscos tromboembólicos. Cerca de ⅔ das tromboses venosas profundas ocorrem durante a gestação e ⅓ ocorre durante o puerpério. Já o tromboembolismo no puerpério chega a 50%.
Há possibilidade de pior desfecho para gestantes sim, mas ainda não há evidências concretas sobre isso e novos estudos precisam ser conduzidos.
17. Em relação à conduta para a H1N1, esse tratamento é iniciado mesmo considerando que esta gestante já foi submetida a imunização?
As cepas sofrem mutações todos os anos e, por isso, as vacinas mudam todos os anos. Mesmo que a gestante já seja imunizada, caso ela se encontre em uma situação de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), deve-se iniciar o tratamento com Oseltamivir, pois pode tratar-se de uma cepa diferente da que ela recebeu na vacina.
18. Pelo fato das gestantes serem consideradas de risco para gravidade da doença, com ou sem comorbidades, haveria indicação de internações mais precoces, antes de ter sintomas mais intensos?
A gestação por si só não está associada à maior risco de contrair COVID-19. Todas as internações de gestantes, com ou sem comorbidades, devem ter indicações claras. Essas indicações não mudam com as comorbidades, mas sim são apoiadas em critérios clínicos e laboratorias.
19. Episódios de doença mental durante a gravidez são comuns em um isolamento social e na atual situação nacional é indiscutível o nível estressante dessa situação, e provavelmente tem resultado em mais episódios desse tipo. No sentido dessa contextualização existe uma abordagem diferenciada para esse preocupante?
A saúde mental durante a gestação deve ser cuidadosamente acompanhada, já durante o pré-natal. Transtornos mentais comuns na gestação são aqueles com condições de menor gravidade, como transtornos depressivos, ansiosos.
Em situações de catástrofe, como na vigência de uma pandemia, isso tende a aumentar. Os profissionais devem estar próximos no sentido de ampliar a comunicação e cuidado com as gestantes e puérperas.
20. Em caso de resolução obstétrica por indicação fetal, pode-se associar sulfato de magnésio para neuroproteção fetal em paciente com quadro de COVID-19?
Os protocolos assistenciais não devem ser alterados pela COVID-19.
Em casos onde há necessidade de resolver uma gestação, prematuramente, devido à sofrimento fetal, à restrição de crescimento intrauterino ou por alguma outra necessidade fetal, preconiza-se a utilização do sulfato de magnésio e a tocólise, para gestações entre 24 e 32 semanas.
Lembrando que o sulfato de magnésio está indicado quando houver tempo hábil disponível para aguardar sua realização em 4 horas. Ele também não está contraindicado para uso na pré-eclâmpsia, mesmo em situações de COVID-19.
21. Como lidar com o uso da tomografia computadorizada nas gestantes, em especial no 1º trimestre com suspeita de COVID?
Quando se fala em exames de imagem na gestação, deve-se sempre lembrar do risco-benefício de sua realização, para a mulher e o bebê. Se a equipe entende que é fundamental realizar tomografia na gestante, para manutenção ou mudança de conduta, independentemente da idade gestacional, não se deve deixar de realizá-la. Lembrando que a dose de radiação de uma tomografia computadorizada é muito inferior à dose de radiação teratogênica.
22. Como está sendo feito o acesso e atendimento das gestantes em pronto atendimentos obstétricos, centro obstétricos e alojamento conjunto, no momento do trabalho de parto, parto e puerpério?
Recomenda-se organizar os serviços dividindo pacientes sintomáticas das pacientes assintomáticas. Por exemplo, organizar um fluxo de pronto atendimento para gestantes sem sintomas e outro para gestantes com sintomas respiratórios, suspeitas de COVID-19. O ideal é que as entradas sejam separadas, as equipes sejam diferentes, o espaço físico e o material sejam totalmente separados. Uma vez confirmada COVID-19, a gestante deve ser encaminhada para uma enfermaria destinada à esses casos específicos.
Dentro do centro obstétrico deve-se também definir salas ou leitos individualizados para as fases iniciais do trabalho de parto, bem como salas especiais a fase ativa do trabalho de parto e cesáreas. Esses ambientes têm maior risco para realização de procedimentos com geração de aerossóis, por isso deve estar instituído o uso adequado de EPI.
Em algumas maternidades essa separação física de ambientes e profissionais não é possível. Ainda assim, deve-se separar os espaços ao máximo, considerando a realidade de cada instituição, além de reforçar os cuidados com a higienização de mãos e uso de EPI para que os profissionais não sejam vetores da doença.
23. Tendo em vista o cenário, as cesáreas eletivas podem continuar sendo realizadas?
A recomendação para cesáreas eletivas é que ocorram após 39 semanas de gestação. Caso a gestante apresente sintomas respiratórios neste momento, pode-se avaliar com ela a possibilidade de aguardar alguns dias para a realização da cesárea.
A cesárea eletiva é difere-se de outras cirurgias eletivas, pois há um limite de tempo seguro que se pode adiá-la.
24. Como atuar frente à questão da lei do acompanhante, tendo em vista o quanto ele é importante para gestante durante o parto. Quais estratégias podem ser adotadas durante a pandemia, quando deve-se limitar ao máximo o trânsito de pessoas nas unidades?
Cada serviço vai se organizar a partir de sua realidade.
Sempre que possível, deve-se garantir a presença do acompanhante, minimamente durante o parto. É importante fazer uma triagem para avaliar se o acompanhante não apresenta sintomas respiratórios, além de garantir o uso de máscaras e higienização das mãos durante o período em que estiver na maternidade.
Conteúdo Relacionado