Sistematizamos as principais questões sobre as Novas Tendências em Neonatologia advindas do Encontro com o Especialista João Henrique de Almeida, médico neonatologista do IFF/Fiocruz, em 25/04/2019.
Neste encontro foram abordados três pontos do cuidado ao recém-nascido de risco que, com base em evidências científicas, tem sofrido alterações:
Incidência de VMI em recém-nascidos < 1500 gramas:
Incidência de sepse tardia em recém-nascidos < 1500 gramas
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
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Perguntas & Respostas
1. Pensar em novas práticas requer a interdisciplinaridade, que é um desafio ainda atual nas nossas unidades. Como vocês percebem a elaboração de protocolos multiprofissionais aplicados à prática?
Como pontuamos aqui, o trabalho em equipe, de forma integrada, coesa e harmônica, é fundamental para o sucesso nos resultados que temos em nosso serviço. A participação de todos é a base, então não é apenas o médico que define, nem a enfermeira que decide o que fazer naquele momento.
2. Interessante observar que algumas tendências atualmente preconizadas são, em sua maioria, menos complexas se comparadas às suas alternativas. Mais interessante ainda é observar que existem evidências científicas sobre a superioridade em resultados e segurança para nossos pequenos pacientes. Estamos diante de um resgate de uma medicina menos intervencionista?
Sim, estamos. Acho que a Neonatologia, assim como a maior parte das especialidades médicas, passou por uma fase, nas décadas de 80 e 90, de extrema utilização da técnica e da tecnologia, do intervencionismo como forma de tratamento dos pacientes. Agora, estamos desmistificando um pouco essa questão de que a tecnologia e os procedimentos são mais importantes do que, às vezes, as medidas básicas de tratamento.
Então, devemos utilizar o mais simples primeiro, pensar no mais comum primeiro e dar uma chance para o paciente não ser invadido. Como dispomos dessas tecnologias à mão, é importante ter segurança e tranquilidade de poder simplificar o tratamento de forma inicial e avaliar a necessidade de adotar essas tecnologias ou um equipamento sofisticado, de última geração, quando estiverem indicados. Ninguém vai privar o paciente daquilo de que ele precisa, mas a tendência, realmente, hoje em dia, é a gente utilizar mais a metodologia, a característica de sermos mais simples, menos invasivos, de esperarmos um pouco para ver a evolução do paciente antes de adotarmos condutas mais agressivas.
3. Gostaria que comentasse sobre qual seria o melhor alvo de saturação para controle do uso de oxigênio, já que observamos recomendações que são muito próximas em valores.
Atualmente, temos praticamente duas faixas de saturação de oxigenação que são aceitáveis (de 91 a 95% e de 90 a 94%). No último consenso europeu foi recomendada a faixa de 90 a 94%; os estudos americanos e canadenses preconizam 91 a 95%. Na verdade, não há muita diferença; o importante é que se, no seu serviço, você adotou de 91 a 95%, o alarme tem que tocar em 90 e em 96, e a equipe tem que estar ciente de que em 90 está baixo e é preciso ajustar o oxigênio, em 96 está alto, é preciso diminuir o oxigênio. Assim, da mesma forma, para quando você utiliza a faixa de 90 a 94%. O importante é não deixar o paciente hiperóxico (porque vai causar retinopatia, vai agravar uma retinopatia já existente se o paciente ficar muito tempo no oxigênio ou vai causar displasia broncopulmonar, que está muito relacionada à utilização crônica e excessiva do oxigênio). Da mesma forma, se você privar o paciente da utilização do oxigênio, ele pode ter hipóxia e isso causar complicações como a enterocolite necrotizante, como a hipóxia residual em outros órgãos que está relacionada, inclusive, com o aumento do número de óbitos.
4. Em relação à antibioticoterapia na possibilidade de sepse precoce de origem materna, poderia comentar sobre sua experiência e recomendações atuais da literatura?
As recomendações atuais da literatura, em relação à utilização de antibiótico, estão bem estabelecidas. No caso de corioamnionite, amniorrexe prematura relacionado à possibilidade de sepse neonatal de origem materna, isso não sofreu muita mudança. O que se tem, via de regra, é a consciência de que a gente inicia o antibiótico, quando indicado por uma causa materna, uma causa periparto, de risco infeccioso, e, nesses casos, a partir do momento em que o paciente evolui bem por meio dos exames que nos dão tranquilidade para afirmar que o paciente não tem infecção (o que é corroborado também pela hemocultura negativa), suspender o antibiótico em 48 horas, 72 horas de vida, sem a necessidade de prolongar e completar cinco, sete dias, como muitos serviços ainda fazem.
O medo da suspensão do antibiótico gera insegurança e o tratamento é prolongado de forma desnecessária, o que causa multirresistência, possibilidade de sepse tardia, enterocolite, etc.. Então, o importante não é a questão da utilização quando há indicação, e sim a suspensão quando a gente vê que o paciente não tem infecção. Outra questão é não usar o antibiótico profilático porque fiz, por exemplo, um procedimento invasivo, porque entubei, porque passei um cateter umbilical; isso não é indicação. Se o procedimento foi feito de forma adequada, com todas as etapas que são recomendadas de assepsia, etc., não há motivo para começar com antibiótico.
5. E sobre as evidências do CPAP em selo d´água?
O CPAP nasal em selo d´água tem uma superioridade em relação ao CPAP fechado, no ventilador e em relação à utilização do CPAP com ventilador mecânico manual porque ele recruta mais os alvéolos, você dá mais pressão e isso facilita a efetividade do CPAP nasal.
Então, usar o CPAP em selo d´água, o CPAP de bolha, numa pressão de 6 a 8 cm, garante que você vai conseguir medir essa pressão de forma efetiva, garante que você tenha maior recrutamento de alvéolos, que o paciente responda melhor, que você consiga dar uma oxigenação melhor, de forma efetiva e evita, também, falhas de extubação e pode, de forma efetiva, evitar que você precise evoluir com aquele paciente para uma ventilação invasiva (uma intubação traqueal e ventilação mecânica invasiva). Isso é o que tem sido constatado nos últimos estudos, nos últimos congressos, em relação ao uso efetivo com eficiência do CPAP nasal em selo d´água, que é uma prática que tínhamos muito na década anterior, que foi abandonada porque se achava que era inseguro, que causava pneumotórax, mas hoje sabemos que ele é seguro e mais efetivo.
6. Em sua opinião, qual o maior desafio para o sucesso no controle do oxigênio alvo?
Para mim, o maior desafio é a conscientização da equipe de que existe uma faixa de saturação aceitável que deve ser cumprida por todos, deve ser respeitada; é obvio que cada paciente é um paciente diferente, pode ser que tenha paciente que precise de mais ou de menos oxigênio, uma saturação maior ou menor, isso também pode valer para paciente principalmente com cardiopatia congênita. Mas, se no nosso serviço, a gente definiu que para o prematuro extremo, ou prematuro tardio, ou paciente atermo vamos adotar a faixa de 91 a 95%, é importante que a equipe toda cumpra esse protocolo de ajustar os alarmes, de respeitar essa faixa, ajustar o oxigênio de acordo com a necessidade do paciente, com o limite máximo e mínimo aceitável. O importante é que toda a equipe adote essa prática e esse é o maior desafio. Não adianta colocarmos os alarmes e, ao tocarem, ninguém vai olhar o paciente. Como falei, o paciente está sob cuidado, então se a gente definiu o protocolo, uma faixa de saturação, vamos respeitar, vamos sensibilizar toda a equipe para que cumpramos aquele critério.
7. Como fazer para que a equipe da UTI entenda que “menos intervenção” não quer dizer pior cuidado?
É com uma mudança de paradigma, como a gente falou: menos intervenção significa que todos precisam pensar que o mais simples vem primeiro. Necessariamente não significa que entubar, cateterizar, usar antibiótico, usar tecnologia invasiva é melhor para o paciente; isso pode ser pior para ele. Então acho que, no dia a dia, nas discussões clínicas, temos que compartilhar essa experiência de que temos que ser o menos intervencionista possível, isso leva a menos infecção, menos complicação, e vai ser melhor para o paciente. Essa conscientização, às vezes, vem de cima para baixo, das pessoas mais experientes para as que estão começando. Nos nossos serviços temos residentes que queremos treinar e temos que, também, conscientizá-los de que os procedimentos vão continuar existindo, mas hoje em dia estamos cuidado do paciente de outra forma; quanto menos a gente invadir menos procedimentos realizarmos, menos complicações teremos para morbidade.
8. Na minha unidade, o suporte nutricional precoce nem sempre é garantido, principalmente quando há indicação de NPT. Como posso convencer os colegas e direção sobre esse ponto?
A única maneira de você convencer a direção do hospital é por meio das evidências científicas. Os últimos consensos, os últimos trabalhos mostram que tanto a nutrição parenteral agressiva, no início (quando o paciente tem indicação), quanto a nutrição enteral precoce são fundamentais para a recuperação daquele paciente. Isso é fundamental não só em relação à questão da nutrição, mas também à questão da imunidade, da defesa, da proteção contra as infecções (principalmente as infecções tardias). Então, privar o paciente de nutrição parenteral, quando ele tem indicação, é a mesma coisa de privar o paciente de antibiótico quando ele está com uma infecção constatada; temos responsabilidade técnica, médica e ética sobre isso. A direção não pode se omitir da necessidade de viabilizar a nutrição parenteral quando há indicação, e nós, que somos os técnicos especialistas da área, que vamos indicar isso e conscientizar a gestão de que a nutrição parenteral é fundamental numa UTI neonatal, não há como abrir mão disso. Da mesma forma, a nutrição enteral precoce também tem que ser viabilizada.
9. Quais indicadores considera fundamentais no monitoramento da assistência neonatal?
Se você está começando agora a definir indicadores para avaliar a qualidade da assistência do seu serviço, acho que tem que começar por indicadores mais simples. Então, acho que, principalmente, você precisa caracterizar sua população, quantos prematuros existem pela faixa de peso, qual é a taxa de ocupação da sua UTI, se é uma UTI que está muito cheia sempre, se isso vai ter impacto no cuidado, na qualidade da assistência.
Alguns indicadores que considero importantes, principalmente, de infecção, de sepse tardia, tempo de ventilação mecânica (isso pode ajudar a definir metas de redução de ventilação mecânica, principalmente usando CPAP nasal), mortalidade (saber quem está morrendo, por qual motivo está morrendo, para a gente avaliar e definir o planejamento para melhorar isso).
Então, se você está começando agora, se ainda não teve a possibilidade de medir algum indicador, comece com esses básicos de ocupação, caracterização da sua população, faixa de peso, idade gestacional e os critérios que fundamentais (incidência de sepse, tempo de ventilação mecânica, broncodisplasia, retinopatia). Esses são alguns indicadores que usamos na rede brasileira para poder comparar o nosso serviço com outros, para ajudar a planejar melhorias, a realizar um plano de ação para abaixar esses índices. O tempo de internação também considero importante; você saber quanto tempo o seu paciente está ficando dentro da UTI, e se isso estiver muito longo, avaliar quais são as complicações que estão causando esse tempo de internação prolongado.
10. Quais estratégias de feedback considera efetivas no sentido de mobilizar as equipes e aumentar a adesão às boas práticas?
Fundamentalmente, é a equipe participar de todas essas etapas do nosso cuidado, desde o planejamento, desde a discussão diária à beira do leito (em relação ao pacientes, às condutas, os protocolos adotados, as melhorias que podemos fazer) e, também, mostrar os dados do nosso serviço; é importante que todos saibam isso.
Qualquer membro da equipe multidisciplinar precisa saber como o serviço se comporta em relação a todos esses indicadores de que falamos (quantos pacientes, qual a taxa de ocupação, número de internações, número de mortalidade, incidência de sepse), e mostrar, conscientizando a equipe de que é possível melhorar. Então se você vai estabelecer metas, como, por exemplo, neste ano diminuir 10% o tempo de ventilação mecânica na UTI, todo mundo tem que participar, e não ficar na cabeça apenas do médico, do plantonista, mas todos (enfermeiro, fisioterapeuta, técnico de enfermagem) tem que participar do planejamento para poder alcançar a meta, senão não se chega lá. Então, dar esse feedback para a equipe sobre o que está acontecendo no nosso serviço, quais são os dados, o que está ruim, o que precisa melhorar, elogiar e fomentar o que está bom, discutir o que está dando certo, parabenizar a equipe; essas discussões precisam ser diárias, baseadas na realidade do serviço, e se o que estamos fazendo no dia a dia está realmente sendo efetivo.
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