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Principais Questões sobre Contato Pele a Pele ao Nascer

17 out 2019

Sistematizamos as principais questões sobre Contato Pele a Pele ao Nascer abordadas durante Encontro com a Especialista Maria Esther Vilela, médica obstetra e integrante da Equipe de Coordenação do Projeto ApiceON, em 01/08/2019.

O contato pele a pele faz parte de um conjunto de ações que possui este paradigma de cuidado: olhar a mulher e o bebê como protagonistas de um evento. Nesse sentido, o contato pele a pele é consequência do conjunto de práticas de cuidado que reverte a situação da mulher enquanto um objeto submetido a normas exteriores para uma mulher vivenciando, em primeira pessoa, o seu parto e o nascimento do seu filho.

Essa é uma enorme mudança que se passa desde o pré-natal, na chegada ao hospital para o parto, no acompanhamento do trabalho de parto junto a um(a) parceiro(a) de sua confiança e todo o empoderamento que a mulher vai obtendo ao longo do trabalho de parto culmina em um parto em que as endorfinas estarão banhando a mulher e a preparando para um dos maiores encontros da sua vida, que é o encontro com o seu bebê.

A questão do contato pele a pele é muito preciosa; sabemos que uma mulher que cresceu na sua potência e competência está preparada para esse encontro. Esse encontro possui um ritmo dado pela própria mulher, que dará sinais de que quer o seu bebê junto a ela. A cadência desse primeiro encontro, considerada a hora de ouro, um momento de intensidade entre mãe e bebê, precisa ser respeitada. Para que se inicie o contato pele a pele, precisa-se observar e respeitar o momento em que a mulher dá sinais de querer o seu bebê.

A ciência vem provando que a separação do bebê da sua mãe, a exemplo de outros mamíferos, é completamente deletéria para ambos. Já o contato pele a pele beneficia, entre outros, a microbiota do bebê, que será a mesma da sua mãe, da sua comunidade. Cada vez mais, atualmente, está provado ser fundamental que a primeira pessoa que pegue e que fique em contato pele a pele com o bebê seja a sua mãe. Além disso, os estudos comportamentais mais ampliados colocam que um bebê que é separado da sua mãe pode apresentar problemas de vínculo. Também esse contato direto, no pele a pele, é um momento em que todo o padrão respiratório e circulatório do bebê é mais ajustado.

A ação mais importante para o bebê é mantê-lo junto da sua mãe imediatamente após o nascimento para que ele, ao sair do padrão de vida uterina, possa sentir na sua pele que está com sua mãe e sentir esse vínculo. Consideramos que é um direito do bebê estar com sua mãe imediatamente após o nascimento. Pensando na saúde do bebê, da mulher, da comunidade e de todos nós, não podemos, de forma alguma, por qualquer motivo, separar um bebê e uma mulher que estejam em boas condições de saúde e que queira o contato pele a pele.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

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Perguntas & Respostas

 

1. Como implementar o contato pele a pele no parto cesariana, com o ambiente frio, campos cirúrgicos, anestesia, etc., durante uma hora?

Posso dizer que o maior desafio que temos é o desconhecimento da importância do contato pele a pele, porque a partir do momento em que os profissionais de saúde entendem a importância dessa ação, surgem várias formas de se manter o contato pele a pele, ou seja, todos prezam para que a mãe e o bebê não sejam separados. Vamos pensar na cesariana, primeiramente sabemos que a sala é mais fria, e muitas vezes isso é exagerado. Não precisamos deixar uma sala tão gelada, podemos solicitar aos profissionais aumentarem um pouco a temperatura; se estiver muito calor e não for possível aumentar a temperatura da sala, muitos serviços têm produzido toucas e mantas, colocando o bebê junto a sua mãe, desde que ela esteja em boas condições, cobrindo a criança e colocando a touca. Assim, você vai ver que a temperatura do bebê será melhor mantida do que se estivesse num berço aquecido; então não tem problema o ar condicionado frio se você mantiver o bebê junto com sua mãe, com uma coberta e uma touca. É claro que há exageros que precisamos, inclusive, discutir com a equipe quando estiver muito frio, que é ruim até para a própria mulher e para os profissionais que estiverem lá. O que precisa é ficar até o término da cirurgia; ao terminar, mãe e bebê sairão juntos. Quando saírem, como o bebê fica debruçado com a barriga em contato com a mãe, a secreção no bebê da cesariana já vai sendo eliminada. Caso haja algum desconforto e a necessidade de aspiração, depois de algum tempo e se for necessário, faça a aspiração nasogástrica no bebê. Existem hospitais que colocam uma faixa de malha, com o bebê dentro, para saírem juntos, em posição canguru. Como isso é uma novidade e toda novidade incomoda um pouco os profissionais e vista como um esforço a mais, no primeiro momento em que a mulher sente algum desconforto, os profissionais já retiram o bebê dela. Alguns pediatras não entram na sala de cesariana, ficando na janela esperando o bebê para realizar exames e rotinas em outro ambiente. Isso deve ser evitado. Se entendemos a importância do contato pele a pele, não podemos, de forma alguma, passar o bebê para outro ambiente em detrimento do contato pele a pele na cesariana, que é tão importante; é até mais importante do que no parto normal, porque são bebês que não tiveram todo o processo do nascimento. Muitas vezes, uma cesárea, inclusive, acontece sem trabalho de parto, o que dá ao bebê a sensação de não saber se nasceu ou se não nasceu, ele não foi massageado pelas contrações uterinas, não passou no canal vaginal. Como temos a lei de acompanhante no trabalho de parto e essa lei também vale para cesariana, podemos arrumar um jeito do (a) parceiro(a) dessa mulher fique junto à cabeceira, com a mão por cima do bebê, ajudando a vigiar a mulher e o bebê. O calor humano, o ninho que se forma com o bebê, no momento do nascimento, é fundamental.

 

2. Existe evidência estabelecida na prática de passar uma gaze no recém-nascido com secreção vaginal materna em cesárea para estimular microbiota?

Sabemos de várias técnicas que alguns profissionais estão fazendo em bebês que nascem por cesárea, com compressa, com gaze, para passar no bebê para justamente existir o contato com bactérias vaginais tão importantes para a formação da microbiota do bebê. Desconheço evidências científicas robustas que provem que isso tenha o mesmo valor ou importância; porém há evidência tão grande de que o contato com a microbiota vaginal da mulher é fundamental para a saúde do bebê, para estimular a imunidade, que vários profissionais estão fazendo esse tipo de prática. Até onde eu sei, não conheço estudos que comprovem essa prática, essa é inclusive uma fonte de estudos que precisamos rapidamente desenvolver para também trazer para os bebês de cesariana, com bolsa íntegra, principalmente, para que possam se beneficiar dessa prática.

 

3. Como tecnicamente realizar o contato pele a pele na transcesária? Vimos a estratégia de túnel, porém parece controversa uma vez que há relatos que rompe as barreiras de assepsia cirúrgica. Logo, gostaria de saber a melhor forma para realizarmos o contato pele a pele na cesariana.

A melhor forma é que o contato pele a pele seja imediato, dentro do tempo da mulher. A mulher quando quer o seu bebê, o profissional pode pegar um campo, dar para outro profissional que vai levá-lo e acomodá-lo na mãe. Já vi a técnica de passar o bebê por esse campo que separa o campo cirúrgico do tórax da mulher, precisa-se apenas ter cuidado. Não conheço evidências de que isso aumente as infecções, se há o contato com partes contaminadas, precisa-se trocar a luva, mas não tenho conhecimento de estudos que provem que isso crie mais infecção. Portanto, a orientação é que se faça da maneira em que o bebê chegue até a mulher (não precisa ser necessariamente pelo túnel, se você não tem segurança disso, se acha que vai contaminar, não faça). Procure, inclusive, quem faz e pergunte se há mais infecção na cirurgia, quais os problemas que podem acontecer e, se você não tiver segurança, o cirurgião pode entregar o bebê num campo esterilizado, realize uma leve secagem do bebê (principalmente pelo ambiente mais frio) e coloque no peito da mulher para manter o calor, fazer o contato pele a pele, com a manta e a touca. A manta e a touca são importantes para não ocorrer a perda de calor. Existem várias metodologias, faça a que você se sente mais segura; apenas uma coisa não pode acontecer: deixar de fazer.

 

4. Sei dos benefícios do contato pele a pele para o binômio, mas, diante de um plantão em que podemos nos deparar com falta de leitos, déficit de profissionais e superlotação, como poderemos realizá-lo diante dessa realidade?

O que precisa ser feito, precisa ser feito. É uma ação tão importante que nada, nem a superlotação, deve impedir que o bebê fique junto à mãe. Vamos imaginar que 90% das mulheres tenham acompanhantes; tanto no parto normal quanto na cesariana esse acompanhante que pode ajudar a sustentar o bebê caso a mulher fraqueje. O pai pode fazer isso porque ele irá fazer no futuro mesmo, em seis horas, um dia, ele irá fazê-lo! Então por que não experimentar essa competência de estar também sustentando o seu filho desde o nascimento? Então, é importante contar com o acompanhante, ele ajuda a melhorar as questões da qualidade da assistência e, no contato pele a pele, ele é um ator importante. Não há relação entre falta de leitos e a impossibilidade em realizar o contato pele a pele. Quando você está assistindo a uma mulher em seu parto, ao invés de colocar o bebê em um berço aquecido você irá deixa-lo junto à mãe. Se você já acabou a assistência ao parto e precisa fazer outra coisa e se estiverem num quarto PPP ou num leito, a paciente permanecerá no mesmo local. Não existe justificativa para você separar a mãe do seu bebê, inclusive deixar um bebê sozinho no berço aquecido é mais trabalhoso porque alguém precisa ficar observando esse bebê; não existe observação melhor do que a do próprio acompanhante e a da mulher em boas condições. Entendo que, muitas vezes o desconhecimento da importância do contato pele a pele, faça com que, com qualquer aperto na rotina, a gente queira retornar àquela rotina já conhecida. Tudo o que a gente começa a fazer dá mais trabalho, como se tivéssemos que gastar mais energia, mas depois, com o tempo, o contato pele a pele vai ficar transparente nas ações do hospital, como se fosse integrado já dentro da rotina hospitalar, e posso dizer que dá menos trabalho do que separar os bebês de suas mães e deixá-los em incubadoras.

 

5. Percebo, no dia a dia, que a maioria das mães gostam de receber seus filhos logo após o parto para o contato pele a pele, mas, nas unidades em que trabalho, nem sempre o médico oferece essa possibilidade. O que posso fazer para sensibilizar?

Primeiramente, precisamos ter as evidências científicas em mãos. Nós vamos postar mais bibliografias a respeito, mas a publicação intitulada “Além da Sobrevivência: práticas integradas de atenção ao parto” já nos oferece justificativas suficientes para dizer que o contato pele a pele é uma ação de saúde, é um remédio para o bebê e para a mulher, é uma medicação ampliada, é uma intervenção positiva na saúde do binômio mãe e filho. Se os profissionais não sabem disso ainda, é porque existe uma ignorância, uma falta de conhecimento. A primeira ação que eu recomendo é a realização de uma reunião clínica para se falar da importância do contato pele a pele, com evidências científicas, com os direitos das mulheres e bebês. Se for um hospital Amigo da Criança então, ele está falhando no Passo 4, que é o contato pele a pele imediato e durante, no mínimo, uma hora. Obviamente se aconteceu algo que justifique a separação, você separa; depois de uma hora você verá que mãe e bebê adormecem juntos, então não existe justificativa nem para poder retirar esse bebê depois de uma hora. É preciso ter uma justificativa muito importante para retirar um bebê que adormeceu no pele a pele, junto à sua mãe. Mas eu preciso fazer o Kanakion®, faça ali; mas preciso pesar e medir o bebê, isso pode esperar porque é menos importante do que a permanência do bebê junto à sua mãe, no pele a pele, no imediato do pós-parto. Então, é começar a pensar com outros olhos o que é mais importante para a mulher e o bebê nesse momento. Assim, faça uma reunião em que você possa conversar sobre isso, trazer as evidências científicas, trazer mais profissionais de outras áreas para discutirem como fazer. A importância do pele a pele  não se discute mais internacionalmente, o que se pode discutir é o motivo pelo qual o hospital não está fazendo, tendo em vista tantas evidências dos benefícios do contato pele a pele, e o que podemos fazer para superar essa falha na assistência. São nesses termos que temos que conversar internamente no hospital. Se aprendi de outra forma, se foi sempre assim e assim que vou continuar a fazer? Isso não se justifica mais; condutas pessoais de profissionais que não se baseiam em evidências científicas não se justificam mais na assistência à saúde. Sugiro que você chame outras pessoas mais sensíveis a essa questão, inclusive médicos mais sensíveis que possam falar com os mais resistentes, porque eles escutam mais quando são colegas que falam.

 

6. Por que o contato pele a pele precisa ser feito por pelo menos uma hora? Se eu puder organizar a minha equipe para meia hora já vale?

Existe um problema que é no momento de transferir uma mulher do local onde ela teve o bebê para o alojamento conjunto. Nesse momento, geralmente, consideramos que o tempo já é bom, não completou uma hora, mas que já está bom o tempo do pele a pele. Eu costumo dizer que o tempo do pele a pele é o tempo todo, mas o que podemos fazer? Mudar a rotina de transferir a mulher separada do bebê para transferir os dois juntos. Não existe motivo para tirar o bebê que está aconchegado no peito da mãe e considerar que meia hora é o suficiente. Se não conseguiu por uma hora, tudo bem que você conseguiu por meia hora, mas não quer dizer que tenha que parar por aí. É preciso saber que o seu objetivo é aumentar para, no mínimo, uma hora. “Mas preciso pesar, preciso fazer a rotina, etc.!” Organize o serviço para que isso seja feito depois de uma hora. Eu era diretora de uma maternidade e era complicado, porque, no momento do parto, a mulher ficava em seu quarto PPP, mas, como tínhamos uma cadeira de cócoras muito boa, às vezes ela ia para uma sala ao lado para poder parir de cócoras. Ali, naquela sala, havia a balança, o Credê, o Kanakion® etc. e não tinha jeito; a mulher estava com o seu bebê recostada (que é uma posição melhor, que tem mais postura), mas, quando o bebê ou a mulher faziam qualquer barulho, já vinha o pessoal para retirar o bebê, considerando que a mãe pudesse estar cansada, em vez de ajudar a acomodá-los melhor. Então, o que fizemos? Transferimos a balança, os medicamentos e o que se utilizava na rotina com o recém-nascido para outro lugar. A rotina com o recém-nascido ficou no alojamento conjunto; então apenas quando a mulher e o bebê iam para o alojamento conjunto é que ali, depois daquele primeiro sono reconfortador, depois daquele momento de estresse positivo e necessário para fortalecer a vida do bebê e a mulher que está entrando na maternidade, é que se faziam as rotinas. Isso tem que ser conversado e muito trabalhado com a equipe para que possa, realmente, virar uma nova prática na maternidade. Com certeza, é uma prática muito mais amorosa, que considera muito mais a mulher e o bebê como seres humanos que estão ali vivenciando esse momento e que será muito mais gratificante, inclusive, para os profissionais de saúde.

 

7. Estamos tentando organizar o pele a pele para todos os partos, mas ainda sinto que não sei defender a importância de um profissional para orientar a pega, principalmente nas cesáreas.

Não sei se vocês passaram pelo processo de avaliação das maternidades da Rede Cegonha, quando avaliamos 606 maternidades que assistem mulheres pelo SUS. Nós vimos que a prática de apoio ao aleitamento materno no alojamento conjunto está muito mais consolidada, mas que o contato pele a pele ainda é um desafio no Brasil como um todo. É impressionante como, quando perguntamos às mulheres (foi uma avaliação que ouviu em torno de 10 mil mulheres), elas falam que o bebê não pode ficar com elas. Se você olhar os estudos científicos sobre o contato pele a pele, nos grupos onde houve o contato pele a pele, os bebês ficaram mais aptos a terem uma boa pega e a instalarem a amamentação de uma forma mais correta. Então, a primeira questão é fortalecer um bom contato pele a pele dentro disso que falei (com mulheres fortalecidas, que não foram violentadas em seus partos), porque o pele a pele é construído por uma atenção humanizada ao parto e ao nascimento com mulheres e bebês competentes e potentes para isso. Existe um vídeo que mostra que, se você deixa o bebê com liberdade sobre o ventre materno, ele vai caminhando para o peito da mulher, vai fazer os movimentos de abocanhar o peito e vai fazer isso por ele mesmo, sozinho. Se, além disso, a gente precisar orientar a pega, primeiro quero te dizer que a melhor posição para isso é uma posição mais verticalizada (não só para facilitar o parto, mas também para aumentar o aconchego do bebê no peito). Nessa posição a pega já é muito mais facilitada, e, se precisar de um profissional para orientar a pega, será o profissional que estiver junto à mulher. Uma mulher que acabou de ter o bebê não pode ficar sozinha, ela precisa de um profissional ajudando, observando; é importante que esse profissional ajude a pega. A pega na cesárea pode ser muito difícil; não podemos ter a pretensão de que para uma mulher que está operada, com o bebê em seu peito e, dependendo do formato do seu peito, seja fácil amamentar. Então, precisamos ter pessoas jeitosas capazes e competentes para poder, a partir do momento em que o bebê mostra sinais de que quer sugar, ajudar. Se estiver impossível, se estiver difícil, não vamos ficar ali, na cesárea, sacrificando a posição para poder ter a primeira sucção, podemos esperar para isso. Se houver condições, que seja feito pelo profissional que esteja circulando na cesárea no momento mais tranquilo. Esse profissional precisa estar capacitado para a amamentação, o Hospital Amigo da Criança diz que todos profissionais do hospital precisam ser capacitados para isso. Existe o curso de aleitamento materno do Hospital Amigo da Criança e acho que todos os hospitais que trabalham com maternidade, todas as maternidades, deveriam fazer com que todos os profissionais passassem por essas capacitações de amamentação para que não seja necessário ficar o tempo todo defendendo a sua importância. É claro que os profissionais rodam muito, entram novos profissionais e todos precisam passar por esse curso. Esse curso você encontra online; a iniciativa do Hospital Amigo da Criança disponibiliza capacitações para que profissionais aprendam a importância de orientar a pega ou de ajudar. O primeiro momento ali, na cesárea, não é de orientar a mulher, pois ela está numa situação muito especial naquele momento, mas é de ajudar o bebê a se aconchegar e, dando sinais, de iniciar a sucção. Orientar a pega é depois, é quando ela sair do centro cirúrgico e estiver no alojamento conjunto ou até na recuperação pós-anestésica.

 

8. Nem sempre a equipe está com tempo para respeitar essa fisiologia. Como podemos mudar isso?

Isso é nossa obrigação, respeitar a fisiologia é o caminho a ser seguido! Não temos outra saída para a assistência ao parto e ao nascimento que não seja respeitar a fisiologia. Sabemos que o profissional médico está numa situação diferente dos profissionais da enfermagem, por exemplo. A enfermeira obstétrica é formada para respeitar a fisiologia, para fortalecer a fisiologia de uma mulher. Para o profissional médico, isso não faz parte da sua formação, pois ele é formado para intervir quando existe algum problema; essa é a nossa formação. Por isso é que nós, no MS, na Rede Cegonha, fazemos toda uma política para a integração das equipes de assistência ao parto, as enfermeiras obstétricas. Um parto de baixo risco, que se mantém na fisiologia, que não tem intercorrências, de uma mulher que, se estivesse em casa poderia parir lá, ou parir em trânsito, ou seja, um parto é um ato da mulher, não é um ato médico ou de nenhum profissional, não precisa de uma assistência direta do médico e pode ter uma assistência qualificada com os mesmos resultados por uma enfermeira obstétrica. Essa enfermeira é formada para respeitar a fisiologia e, assim, vamos acrescentar qualidade ao serviço que essa maternidade presta. Muitas vezes, inclusive os profissionais médicos, hoje, estão aprendendo a fisiologia do parto, aprendendo a assistir um parto de baixo risco com as enfermeiras obstétricas. Em muitos hospitais, hoje, universitários, os residentes R1 de ginecologia e obstetrícia assistem partos acompanhados de enfermeiras obstétricas, que são as responsáveis por aqueles partos, e ali tem um aprendizado. Precisamos mudar o modelo de assistência ao parto e incluir enfermeiras obstétricas na equipe multiprofissional de assistência ao parto.

 

9. Gostei muito da sua abordagem sobre “colocar mecanicamente o bebê no colo da mãe”. Acho muito importante que as equipes das maternidades compreendam a diferença entre essa conduta e a promoção do contato pele a pele. Como conseguir isso?

Que bom que isso te tocou porque é algo que me incomoda demais, pois vejo muito o contato pele a pele sendo feito de forma mecânica, violentado as mulheres e os bebês. O pele a pele é um contato amoroso, um encontro amoroso e precisamos saber disso! É um encontro muito emocionante. Somos profissionais de saúde, mas estamos lidando com um evento que é um encontro amoroso: sabemos que existe uma cadência e se um parceiro não respeita a cadência do outro e que a mulher não pode se sentir invadida. Muitas vezes a mulher se fecha e todos os hormônios que estão sendo produzidos para o encontro se retraem. Logo, precisamos apoiar os dois, porque ali estamos intermediando esse encontro amoroso; precisamos ficar bem atentos para a mulher e para o momento em que o bebê possa chegar até ela. Assim, com certeza, a mulher vai banhar esse bebê e a todos nós com uma efusão de hormônios, de alegria e de potência desse momento. Quando avaliei, certa vez, um Hospital Amigo da Criança, eu já tinha visto nove partos e todos colocavam mecanicamente o bebê sobre a mulher; as pessoas não olhavam para a mulher e para o bebê. No último parto, apesar da orientação de não interferirmos, eu não aguentei; na hora que colocaram o bebê sobre a mãe (ela estava deitada, na posição ginecológica, e o bebê mais para baixo, ela estava querendo muito olhar o bebê, tentava levantar a cabeça, o bebê estava desconfortável) questionei se a mesa levantava um pouco cabeceira e questionei ao médico que estava suturando, focado na ação, se permitia levantar a cadeira um pouco. Quando fizemos isso, a mulher olhou para a gente, olhou para o bebê, pegou e trouxe ao peito com muita satisfação. Mas aí existia outra questão, o bebê abria e fechava os olhos com força, e ninguém observava isso. Apontei para as pessoas o que estava acontecendo e questionaram o motivo: será que era a luz forte? Perguntei ao médico se permitia apagar a luz de cima e também permitiu. Quando a gente apagou a luz, o bebê abriu o olho e parecia que observava tudo e todos. Parecia que era a primeira vez que aquelas pessoas viam um bebê e uma mulher imediatamente no pós-parto. Estou relatando isso para dizer que esse momento precisa ser fomentado por nós, senão ele não aparece; precisamos enxergar o valor emocional e afetivo desse momento até para nós mesmos. No final, uma enfermeira e uma médica disseram que eu havia conseguido deixar o ambiente gostoso e eu acho que a gente precisa fazer com que esse momento seja gostoso para todos.

 

10. A senhora acha que a realização do contato pele a pele deveria ser registrado nos prontuários? Onde trabalho, isso não acontece e acaba que a gente não sabe se estamos mesmo promovendo isso.

Isso é fundamental; os hospitais ApiceON são hospitais que tem o contato pele a pele como um indicador, e a coisa mais difícil é o registro do contato pele a pele, por quanto de tempo ocorreu e o que aconteceu nesse contato. Então, o que alguns hospitais estão fazendo? Estão colocando no prontuário se teve episiotomia, se fez amniotomia, se usou ocitocina e todas as práticas, em que posição a mulher pariu, se o clampeamento do cordão se foi em menos de um minuto ou mais de um minuto e a questão do contato pele a pele (se teve e por quanto tempo). Se você não tiver isso, nunca será uma questão considerada como uma prática de saúde. Então o que você fala é fundamental: colocar no prontuário esse espaço para anotação. Existem lugares onde o prontuário já está impresso, mas criaram um carimbo e acrescentaram, naquelas folhas já impressas, um campo para o clampeamento oportuno, o contato pele a pele e outros indicadores necessários ao cuidado. Para isso, os profissionais precisam entender a importância do contato pele a pele e o primeiro passo é sensibilizar toda a equipe profissional para a importância desse momento. Isso talvez seja uma das coisas mais importantes que a gente faça, muito mais do que o Credê, do que o Kanakion®, do que pesar e medir imediatamente.

 

11. Por que o contato pele a pele é importante para a saúde do bebê? O tempo mínimo de contato pele a pele para que depois o RN seja pesado, medido, etc., é 1 hora?

A importância para a microbiota, pois o bebê quando nasce não tem bactérias e as primeiras com que ele entra em contato são as da vagina da sua mãe e, depois, são as da pele da sua mãe. Hoje, cada vez mais os estudos científicos têm provado que é muito importante que o bebê tenha contato com as bactérias da sua mãe, e não contato com as bactérias hospitalares de um berço aquecido, de um profissional de saúde, etc. Então é importante que seja da sua mãe que faz parte da comunidade, do clã dele. Sabemos que as bactérias são importantes para tudo, inclusive para o seu estado de humor. A segunda grande importância é que o contato pele a pele promove segurança do bebê, ele respira melhor, deglute melhor e promove o vínculo entre mãe e filho por minimamente uma hora. Depois de uma hora, o bebê está lá mamando, adormecido no peito, e você precisa fazer as rotinas hospitalares. Eu te pergunto: você não pode esperar o bebê acordar? Precisa que a gente interrompa o primeiro sono do bebê no colo da mãe para fazer isso? Com certeza não. É preciso fazer o Kanakion®? Faça no colo da mãe. É preciso fazer o Credê? Faça no colo da mãe. Não retire o bebê daquele aconchego, você pode esperar mais de uma hora, e, se o bebê estiver dormindo, realizar os procedimentos. O mais importante é respeitar o primeiro contato pele a pele por uma hora ou mais de uma hora. Se o bebê estiver acordado, mexendo, já completou uma hora, você pode pegá-lo rapidamente, fazer as rotinas e trazê-lo novamente para o colo da mãe. Vamos lembrar que bebês não são mais aspirados, basicamente usamos o Credê, o Kanakion®, a pesagem e a medição.

 

12. Quando a mãe após o parto imediato necessitou de algum procedimento de urgência e estará ausente. É possível realizar o contato pele a pele com o pai? Existem evidências?

Com certeza. Se a mulher não estiver em condições de ficar com o bebê, ele deve ir para o colo do pai e nunca para um berço aquecido. Se temos um pai, uma avó, uma tia, será o melhor lugar para esse bebê ir. Primeiramente, vamos optar pelo pele a pele com o pai. Mesmo se o pai estiver chegando da rua, o bebê após a alta também vai para a rua. Se a roupa do pai estiver com alguma poeira, etc. coloque uma bata e deixe o bebê ficar em seu colo, em contato com a mão, com a respiração, com a alma do pai; é muito importante então que seja o pai, mesmo que não seja no pele a pele naquele momento. Evidências eu não conheço, mas se as evidências são de que as bactérias comunitárias de onde o bebê vai viver são mais benéficas do que as hospitalares, inclusive das que estão no berço aquecido, é importante que ele fique com o pai. Existem evidências do vínculo, com certeza um pai que pega o seu filho e o acalenta no momento do nascimento vai se vincular mais ao filho, à sua companheira e haverá menos violência doméstica com esse filho e essa companheira. Então precisamos promover a paternidade amorosa e responsável.

 

13. Existe algum tipo de infecção, doença, ou qualquer outra condição que seja uma contraindicação para o contato pele a pele?

Não existem contraindicações para o pele a pele, existe para a amamentação. Para uma mulher HIV positivo, a amamentação é contraindicada, mas não o pele a pele. Uma mulher HIV positivo pode colocar seu filho no pele a pele imediatamente após o parto. Talvez nos casos de algumas doenças virais infecto-contagiosas (herpes e varicela, por exemplo), você pode perguntar se há contraindicação ou não. Precisaria analisar caso a caso, mas, na grande maioria das vezes, os bebês vão ficar em contato pele a pele com suas mães e elas vão amamentar seus bebês. A chance de ficar nesse contato pele a pele imediatamente após o parto é a chance da hora de ouro em que toda a vinculação amorosa entre mãe e bebê está se consolidando e se fortalecendo. Se essa mulher não tem contraindicação de ficar com o seu bebê depois, ela não tem contraindicação de ficar imediatamente após o nascimento.

 

14. Como consigo fazer esse curso de amamentação do Hospital Amigo da Criança se não trabalho em Hospital Amigo da Criança?

Se você não trabalha em um Hospital Amigo da Criança, não tem problema; essa iniciativa quer que todos os hospitais sejam amigos da criança e, agora, com o eixo Cuidado Amigo da Mulher. Finalmente o Hospital Amigo da Criança considerou que não dá para ser amigo da criança e ser inimigo da mulher, ele considerou também ser amigo da mulher que vai dar o peito à criança; então precisa que essa mulher, no trabalho de parto e no parto, seja cuidada de forma respeitosa, com boas práticas, sem violência e de forma que esteja, no nascimento do seu filho, em condições de pegá-lo nos braços, trazê-lo para si, acalentá-lo e amamentá-lo. Para isso, precisamos cuidar dessa mulher, precisamos que o parto seja uma experiência positiva para ela, que seja um parto humanizado, sem violência, sem más práticas, com acompanhante, com apoio, sem intervenções hoje consideradas desnecessárias, com privacidade, com penumbra para que ela possa acionar as suas competências naturais.

 

15. Uma mulher que pariu na ambulância do SAMU ou em casa, e não foi perguntado se ela fez o teste de HIV, ou caso ela não tenha feito, é contraindicado colocar para mamar?

Hoje é contraindicado amamentar em caso de HIV. Se a gente não sabe a carga viral que a mulher tem, ela pode ficar no pele a pele, mas amamentar não. Hoje orientamos o teste rápido de HIV. Se ela já fez o teste, e tem uma caderneta anotada, você pode liberar a amamentação. Se ela tem a caderneta sem orientação sobre HIV, você pode fazer um teste rápido. Enquanto isso, coloque no pele a pele. Não é porque há dúvidas se pode amamentar ou não que você não vai deixar a mulher no pele a pele. Mas ele vai querer mamar? Coloque-o de lado mais acima do peito, aconchegado. Se o teste rápido der negativo, você pode liberar a amamentação.

 

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