Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Claudia Regadas, médica integrante do Núcleo de Segurança do Paciente do IFF/Fiocruz, realizado em 27/02/2020:
As especificidades e complexidade do ambiente de terapia intensiva neonatal e a vulnerabilidade dos recém-nascidos aumentam o risco de incidentes e danos, que podem ter efeitos devastadores e permanentes.
A segurança do paciente é uma prioridade mundial e tem por objetivo prevenir incidentes que podem causar: morte, dano permanente ou temporário, perdas financeiras e dano psicológico ao paciente, sua família, e ao profissional de saúde envolvido.
Melhorar a segurança do paciente é um componente importante da qualidade do cuidado e requer o apoio de um sistema apropriado para a identificação, investigação e desenvolvimento de aprendizado com questões de qualidade.
Embora existam vários esquemas para melhoria da qualidade, o engajamento das lideranças e as estratégias utilizadas para a implementação local são críticas para alavancar os resultados para os recém-nascidos de risco.
Dados de segurança do paciente em UTI Neonatal no Brasil:
Dados de segurança do paciente em UTI Neonatal no mundo:
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Características da UTI Neonatal que afetam a segurança
Os profissionais de saúde precisam conhecer os tipos de incidentes de segurança e falar sobre eles, pois a sua análise permite desenvolver ações de melhoria e aprendizado para evitar a recidiva da falha.
Os principais tipos de incidentes são:
Análise do erro humano nos hospitais pela abordagem do sistema:
Causas de erro na UTI Neonatal:
Erros em pacientes de UTI Neonatal são até 8 vezes mais frequentes que em adultos internados.
Fontes de erro em UT Neonatal:
Erros de medicação são os mais comuns
Bases para o manejo do erro:
Declaração do padrão europeu para o cuidado com a saúde do recém-nascido (2018): “As atividades de segurança do paciente e melhoria da qualidade devem ser totalmente integradas na prática clínica”. A segurança do paciente é uma das dimensões da qualidade do cuidado.
Sistema de operacionalização da qualidade em terapia intensiva neonatal:
Benefícios do sistema de qualidade:
Para fortalecer a segurança do cuidado ao recém-nascido de risco:
Perguntas & Respostas
1. Dentro da equipe a quem compete a identificação do paciente?
O ato de identificar o paciente é definido em cada instituição. Considerando um ambiente de UTIN, o bebê já virá identificado do centro obstétrico. É necessário ter um protocolo para os que são admitidos na unidade, mas na maioria das vezes é uma atribuição dada a equipe de enfermagem. Uma vez identificado o paciente, todos os profissionais devem participar dessa conferência de identificação e da garantia da manutenção dela, através da pulseira de identificação. Em caso de bebês que que a pulseira precisou ser retirada ou quando ela se encontra apagada, é função de todos avisar ao supervisor da enfermagem.
2. Um dos principais fatores contribuintes para a queda do recém-nascido, principalmente no alojamento conjunto, é a falta de orientação das mães sobre adormecer com a criança no leito. Além desta orientação, quais outras ações podem ser implementadas para evitar a queda de recém-nascidos em qualquer ambiente da unidade neonatal?
Deve-se garantir que o bebê esteja numa incubadora adequada com as portinholas travadas sempre, inclusive a posterior, de acordo com o tamanho do bebê. No ambiente de alojamento conjunto, o bebê deve sempre ser mantido no seu berço em decúbito dorsal que é mais seguro para a ventilação e sem o uso de acessórios, como travesseiros, que pode levar ao sufocamento do bebê. Deve-se atentar ao uso das cadeiras de amamentação, pois por vezes a mãe cansada adormece com o bebê no colo. A equipe e os acompanhantes devem estar vigilantes, formando uma parceria com a mãe.
3. Reconhecer as falhas é fundamental para prevenir a sua reincidência, é importante que os profissionais tenham consciência das suas próprias falhas e que aprendam com os próprios erros e dos outros. Como aumentar a conscientização das equipes?
A conscientização da equipe vem com o aprendizado e treinamentos em segurança do paciente para que todos aprendam onde focar e aplicar os esforços para a melhoria. A OMS considerou os 7 itens que estão mais associados a dano ao paciente e esses devem ser priorizados: a identificação segura do paciente, a melhoria da comunicação dentro da equipe, a segurança de medicamentos (principal causa de falha no cuidado neonatal), a cirurgia segura, a prevenção de infecção relacionada aos cuidados de saúde, especialmente através da higienização das mãos, a redução do risco de queda e a prevenção de lesões por pressão. A equipe precisa conhecer os problemas e ter a sensação de trabalho em equipe, apoio mútuo e confiança. Os projetos de melhoria fazem parte do aprendizado. Em nossa unidade utilizamos o modelo do Institute for Healthcare Improvement (IHI) que trabalha o diagnóstico do problema, aonde nós queremos chegar, como vamos medir se estamos evoluindo através de indicadores, e usando ciclos de PDSA, ferramenta da qualidade, sendo ela: Planejar, Fazer, Estudar aquilo que fizemos e Ajustar para gerar novas ações.
4. Percebo que ainda falhamos quanto a capacidade de envolver as equipes em rotinas e protocolos desenhados com foco na segurança do paciente. Como engajar as equipes nos projetos de melhoria?
No modelo do queijo suíço, o estabelecimento de rotinas e protocolos está presente com uma das barreiras para evitar o dano. É necessário que as instituições realizem treinamentos, monitoramento e divulgação dessas ações.
5. Temos grande dificuldade de manter os recém-nascidos menores com as pulseiras de identificação, como melhorar essa prática?
Pela fragilidade cutânea, em bebês abaixo de 1.000g é um pouco mais difícil manter a pulseira de identificação mas não é impossível! É necessário garantir minimamente a identificação desse paciente com todos os identificadores padronizados. O Ministério da Saúde propõe que se tenha pelo menos 2 identificadores, como o nome da mãe e data de nascimento. É recomendado que o responsável realize o registro da criança o mais rápido possível, levando a cópia do registro a unidade para que seja alterado a identificação de “filho de “ para o nome do bebê no sistema e na identificação do paciente.
6. O que tem sido proposto para reduzir a ocorrência de eventos adversos relacionados à medicação em neonatologia?
Pode-se adotar uma lista de medicamentos padronizados dentro da instituição, incluindo também os dispositivos utilizados para o preparo e administração destes. Como por exemplo: evitar o uso de seringas para administrar medicamentos por via oral, é uma chance de ocorrer erro.
Realizar treinamentos, em parceria com a educação permanente, a respeito da prescrição, preparo, rotulagem e administração, fazendo uso dos certos da administração para garantir minimamente que é o paciente certo, medicamento certo, via certa, dose certa e a hora certa.
Trabalhar na equipe o treinamento nos cálculos matemáticos de conversão das diluições e das velocidades de infusão. Existem calculadores de dose padronizada, pode-se ter no excel uma calculadora padronizada do medicamento, dose, diluição padrão que automaticamente é calculado pelo peso do paciente.
Em locais em que há um sistema de prontuário e prescrição eletrônico, pode-se ter sistemas de alerta que sinaliza um medicamento impróprio para a faixa etária ou dose inadequada para aquele peso. Lembrar que na UTI neonatal não temos como contar com a colaboração do paciente, que é uma das maiores recomendações para evitar o erro de medicamentos.
Veja: Uso Seguro de Medicamentos em Neonatologia | Prescrição | Preparo e Administração
7. Já vivi uma situação de drenagem de pneumotórax do lado errado, uma das situações difíceis que mais observei é a implementar a lateralidade na UTIN. Como vencer essa má prática?
Essa questão está relacionada com a organização do sistema e à consciência situacional, elevando o risco de falhas. Deve-se observar o risco e realizar a lista de verificações para um procedimento invasivo. Além disso, a marcação da lateralidade deve fazer parte do procedimento, mas que depende de uma organização de equipe.
8. O que é a cultura de segurança e a segurança do paciente?
A cultura de segurança é aquilo que está embutido no “DNA” da instituição, é o esperado, apoiado e aceito em relação a segurança do paciente. Representa a consciência coletiva da instituição.
A Segurança do paciente é a redução dos atos inseguros do cuidado de saúde com base nas melhores práticas descritas. Estas práticas mudam ao longo do tempo, sendo necessária a atualização constante dos profissionais.
9. Como podemos envolver a família na segurança do cuidado?
A parceria dos pais é muito importante para que eles entendam sobre a segurança do paciente, a importância da identificação do bebê, conhecer os medicamentos que o bebê utiliza e os cuidados. É importante compartilhar o plano de cuidados com os familiares para entenderem a complexidade do ambiente hospitalar e a vulnerabilidade do recém-nascido. Deve-se formar uma parceria nessas conferências ao longo do cuidado e relatar as falhas e compartilhá-las com a equipe.
10. Como os profissionais de saúde e as lideranças podem colaborar na segurança do paciente?
Os profissionais devem realizar as boas práticas, conhecer as rotinas das unidades, participar dos treinamentos e monitoramentos, relatar todos os incidentes e ter alta consciência situacional. Uma ação recomendada são as reuniões rápidas de segurança no início dos plantões para conferir o plano do dia e como ele pode ser reajustado. Deve-se reunir toda a equipe de saúde, administrativo e limpeza para avaliar o número de leitos, altas programadas, internações programadas, procedimento invasivo planejado, transferência para exames, eventos adversos que ocorreram, entre outros.
A liderança precisa promover e implementar uma diretriz de segurança do paciente e de melhoria da qualidade na unidade. Precisa ser o grande facilitador promovendo a cultura de segurança, um ambiente de cultura justa e não punitiva em que as pessoas saibam que os problemas vão ser tratados com foco no sistema, e não com foco no indivíduo.
11. Como prevenir infecção na UTIN? O caminho é a lavagem das mãos?
A higienização das mãos é a estratégia que tem o maior impacto, ela deve ser promovida no dia-a-dia com lembretes, campanhas visuais ao lados das pias e álcool em gel, mostrando os 5 momentos de realizá-la. Pode-se fazer atividades com músicas e paródias que envolvam esse contexto da higienização das mãos, sendo um momento lúdico com a equipe. Além disso, um profissional pode ficar responsável por fazer o lembrete em diversos momentos do plantão para que a equipe participe desse momento lúdico e realizarem juntos a higienização, podendo contar com a participação dos pais dos bebês nesse cuidado, tornando o ambiente mais leve. Essa pessoa responsável pode, ao reunir todos, garantir que estes estejam sem adornos fazendo com que todos mostrem suas mãos. Outro ponto de grande impacto, é a redução no uso de dispositivos invasivos.
12. Como avaliar o risco de lesão por pressão?
A lesão por pressão não é um risco tão frequente na UTI neonatal, ela ocorre mais nos bebês que possuem edema ou que estão em anasarca. Todos os neonatos são considerados sob risco, de acordo com a Escala de Observação do Risco de Lesão da Pele em Neonatos que consideram os mesmo critérios de Braden. Deve ser sempre aplicado para todo o recém-nascido o manejo de prevenção de lesão por pressão, que é o manejo da umidade, higiene e hidratação da pele, garantia da nutrição, evitando a fricção e cisalhamento, uso de superfície de redistribuição de pressão, a otimização de mobilização e a atenção a mudança de decúbito.
13. Qual é a rotina de checagem de dose correta de medicamento?
A checagem deve ocorrer na prescrição, devendo ter manuais com dose de medicamentos pediátricos na UTI neonatal, lembrando da possibilidade do uso das calculadoras de doses. Tendo isso padronizado na instituição, a farmácia checa antes da distribuição, quem recebe o medicamento deve checar se a dose bate com a prescrição e se é compatível com o peso. Antes da administração deve ser checado novamente. Em caso de opióides é necessário a realização de uma dupla checagem.
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