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Principais Questões sobre Segurança do Cuidado ao Recém-nascido de Risco

28 ago 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Claudia Regadas, médica integrante do Núcleo de Segurança do Paciente do IFF/Fiocruz, realizado em 27/02/2020:

  • Visão geral sobre a segurança do paciente
  • Fatores que levam à falhas assistenciais na UTIN
  • Estratégias de melhoria da segurança com foco no sistema

As especificidades e complexidade do ambiente de terapia intensiva neonatal e a vulnerabilidade dos recém-nascidos aumentam o risco de incidentes e danos, que podem ter efeitos devastadores e permanentes.

A segurança do paciente é uma prioridade mundial e tem por objetivo prevenir incidentes que podem causar: morte, dano permanente ou temporário, perdas financeiras e dano psicológico ao paciente, sua família, e ao profissional de saúde envolvido.

Melhorar a segurança do paciente é um componente importante da qualidade do cuidado e requer o apoio de um sistema apropriado para a identificação, investigação e desenvolvimento de aprendizado com questões de qualidade.

Embora existam vários esquemas para melhoria da qualidade, o engajamento das lideranças e as estratégias utilizadas para a implementação local são críticas para alavancar os resultados para os recém-nascidos de risco.

Dados de segurança do paciente em UTI Neonatal no Brasil:

  • Taxa de ocorrência de eventos adversos: 2,5 EA/paciente (2012).
  • Tipos de incidentes mais frequentes:
    • Falhas no uso de medicamentos
    • Infecção associada aos cuidados de saúde
    • Lesão cutânea
    • Ventilação mecânica
    • Cateteres intravasculares
  • Incidentes com medicamentos (ANVISA 2007-2013): 50% dos incidentes com medicamentos acontecem em bebês de baixo peso e muito baixo peso.
  • Incidentes com artigos e equipamentos médicos: 37% no período neonatal precoce

Dados de segurança do paciente em UTI Neonatal no mundo:

  • 74 eventos /100 neonatos.
  • Erros na medicação:
    • 13 a 91% das admissões
    • 5,5% ordens de medicamentos

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Características da UTI Neonatal que afetam a segurança

  • Cuidado multidisciplinar com centralização de serviços especializados, crescimento contínuo e complexo da carga de trabalho clínico e dependência de tecnologia.
  • Grande número de medicamentos e procedimentos invasivos para diagnóstico e tratamento por um período prolongado de tempo.

Os profissionais de saúde precisam conhecer os tipos de incidentes de segurança e falar sobre eles, pois a sua análise permite desenvolver ações de melhoria e aprendizado para evitar a recidiva da falha.

Os principais tipos de incidentes são:

  • Circunstância notificável
  • Incidente que não atingiu o paciente (quase falha)
  • Incidente sem dano
  • Incidente com dano (evento adverso)

Análise do erro humano nos hospitais pela abordagem do sistema:

  • Foco na cultura de segurança, encarar o erro como consequência e não causa dos atos humanos.
  • modelo do “queijo suíço” de James Reason considera que o ambiente é complexo e possui múltiplas interações, sendo necessárias diversas barreiras para evitar que um perigo chegue até o paciente causando dano. Só que essas barreiras, por conta da organização do espaço de trabalho, do ambiente, do contexto em que o cuidado é prestado são passíveis de ter falhas, representando os furos no queijo. E se esses furos se alinharem, é possível o perigo perpassar todas as barreiras e causar um dano no paciente.
  • A identificação do paciente deve ser realizada no momento da admissão, e todos os profissionais de saúde devem conferir e acompanhar aquela identificação ao longo dos cuidados prestados.
  • Entender os fatores e condições que provocam o erro leva a um melhor gerenciamento deste e, finalmente, a melhoria da segurança do paciente.

Causas de erro na UTI Neonatal:

  • Cultura de segurança frágil
  • Comunicação/comportamento/atitude desfavorável entre os profissionais de saúde
  • Incompetência e/ou baixa performance no cuidado
  • Perda de pontos críticos na história do paciente ou curso da doença
  • Falha ou atraso no diagnóstico
  • Inexistência ou aplicação imprópria de protocolos de cuidado baseados em evidências (padronização do cuidado)
  • Não implementação de decisões clínicas
  • Falta de treinamento/ conhecimento em segurança do paciente
  • Práticas operacionais frágeis
  • Falhas na embalagem, design e uso de medicamentos e equipamentos

Erros em pacientes de UTI Neonatal são até 8 vezes mais frequentes que em adultos internados.

Fontes de erro em UT Neonatal:

  • Medicamento (ex. infiltrações, excesso de sedação com narcóticos, erro de dose, etc)
  • Diagnóstico (atraso, erro)/ performance em procedimento diagnóstico ou teste
  • Identificação errada do paciente
  • Infecção relacionada ao cuidado de saúde (IRAS)
  • Procedimento de alimentação ou nutrição parenteral
  • Procedimento invasivo/ infiltração de cateter
  • Cuidado respiratório/ uso de ventilador
  • Ressuscitação
  • Tratamento (erro na administração ou método usado, falha do desempenho na execução)
  • Falha de equipamento

Erros de medicação são os mais comuns

  • Causas: Hospitalização prolongada, cálculo de dose baseado no peso, imaturidade renal e hepática, procedimentos de diluição em múltiplas etapas.
  • Tipos: dose, prescrição, frequência e via de administração.
  • Agentes: Antibióticos, analgésicos/sedativos e soluções hidroeletrolíticas.
  • Falha na identificação do paciente está associada a 11-25% dos erros de medicação.

Bases para o manejo do erro:

  • Limitar a incidência de falhas
  • Criar sistemas que toleram e absorvam seus efeitos danosos (resiliência)

Declaração do padrão europeu para o cuidado com a saúde do recém-nascido (2018): “As atividades de segurança do paciente e melhoria da qualidade devem ser totalmente integradas na prática clínica”. A segurança do paciente é uma das dimensões da qualidade do cuidado.

Sistema de operacionalização da qualidade em terapia intensiva neonatal:

  • Um sistema de melhoria da qualidade precisa ser defendido no nível da diretoria hospitalar. Ele é executado pela equipe neonatal, apoiada pela equipe de melhoria de qualidade.
  • Os componentes estruturais também incluem um sistema que captura dados para monitorar os principais indicadores.
  • O sistema deve desenvolver uma cultura de segurança na qual haja transparência, relatórios sem culpa e o desenvolvimento de aprendizado com os eventos clínicos relatados.
  • Trabalho de equipe e confiança mútua entre os trabalhadores são a base do sistema.

Benefícios do sistema de qualidade:

  • Redução de erros e danos ao paciente
  • Melhor clima de segurança
  • Melhora nos relatos de incidentes
  • Abertura de informação sobre processos dos cuidados propensos a causar erros e danos ao paciente
  • Redução do tempo de permanência no hospital
  • Melhor resultado clínico para o paciente
  • Priorização de projetos de melhoria
  • Melhor trabalho em equipe
  • Melhor bem-estar da equipe da linha de frente
  • Melhor satisfação do paciente/família
  • Fornecimento de dados relevantes para o gerenciamento da qualidade.

Para fortalecer a segurança do cuidado ao recém-nascido de risco:

  • Focar nas causas dos erros e não no medo de responsabilidade jurídica
  • Encarar os erros como preveníveis, e não como um problema incurável do sistema de saúde
  • Incorporar educação em segurança do paciente na agenda de certificação de todos os profissionais de saúde
  • Engajamento da liderança, profissionais e familiares, juntamente com o trabalho em equipe e a comunicação entre os profissionais de saúde, promovem e garantem a manutenção das mudanças culturais de segurança do paciente.

 

Perguntas & Respostas

1. Dentro da equipe a quem compete a identificação do paciente?

O ato de identificar o paciente é definido em cada instituição. Considerando um ambiente de UTIN, o bebê já virá identificado do centro obstétrico. É necessário ter um protocolo para os que são admitidos na unidade, mas na maioria das vezes é uma atribuição dada a equipe de enfermagem. Uma vez identificado o paciente, todos os profissionais devem participar dessa conferência de identificação e da garantia da manutenção dela, através da pulseira de identificação. Em caso de bebês que que a pulseira precisou ser retirada ou quando ela se encontra apagada, é função de todos avisar ao supervisor da enfermagem.

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2. Um dos principais fatores contribuintes para a queda do recém-nascido, principalmente no alojamento conjunto, é a falta de orientação das mães sobre adormecer com a criança no leito. Além desta orientação, quais outras ações podem ser implementadas para evitar a queda de recém-nascidos em qualquer ambiente da unidade neonatal?

Deve-se garantir que o bebê esteja numa incubadora adequada com as portinholas travadas sempre, inclusive a posterior, de acordo com o tamanho do bebê. No ambiente de alojamento conjunto, o bebê deve sempre ser mantido no seu berço em decúbito dorsal que é mais seguro para a ventilação e sem o uso de acessórios, como travesseiros, que pode levar ao sufocamento do bebê. Deve-se atentar ao uso das cadeiras de amamentação, pois por vezes a mãe cansada adormece com o bebê no colo. A equipe e os acompanhantes devem estar vigilantes, formando uma parceria com a mãe.

 

3. Reconhecer as falhas é fundamental para prevenir a sua reincidência, é importante que os profissionais tenham consciência das suas próprias falhas e que aprendam com os próprios erros e dos outros. Como aumentar a conscientização das equipes?

A conscientização da equipe vem com o aprendizado e treinamentos em segurança do paciente para que todos aprendam onde focar e aplicar os esforços para a melhoria. A OMS considerou os 7 itens que estão mais associados a dano ao paciente e esses devem ser priorizados: a identificação segura do paciente, a melhoria da comunicação dentro da equipe, a segurança de medicamentos (principal causa de falha no cuidado neonatal), a cirurgia segura, a prevenção de infecção relacionada aos cuidados de saúde, especialmente através da higienização das mãos, a redução do risco de queda e a prevenção de lesões por pressão. A equipe precisa conhecer os problemas e ter a sensação de trabalho em equipe, apoio mútuo e confiança. Os projetos de melhoria fazem parte do aprendizado. Em nossa unidade utilizamos o modelo do Institute for Healthcare Improvement (IHI) que trabalha o diagnóstico do problema, aonde nós queremos chegar, como vamos medir se estamos evoluindo através de indicadores, e usando ciclos de PDSA, ferramenta da qualidade, sendo ela: Planejar, Fazer, Estudar aquilo que fizemos e Ajustar para gerar novas ações.

 

4. Percebo que ainda falhamos quanto a capacidade de envolver as equipes em rotinas e protocolos desenhados com foco na segurança do paciente. Como engajar as equipes nos projetos de melhoria?

No modelo do queijo suíço, o estabelecimento de rotinas e protocolos está presente com uma das barreiras para evitar o dano. É necessário que as instituições realizem  treinamentos, monitoramento e divulgação dessas ações.

 

5. Temos grande dificuldade de manter os recém-nascidos menores com as pulseiras de identificação, como melhorar essa prática?

Pela fragilidade cutânea, em bebês abaixo de 1.000g é um pouco mais difícil manter a pulseira de identificação mas não é impossível! É necessário garantir minimamente a identificação desse paciente com todos os identificadores padronizados. O Ministério da Saúde propõe que se tenha pelo menos 2 identificadores, como o nome da mãe e data de nascimento. É recomendado que o responsável realize o registro da criança o mais rápido possível, levando a cópia do registro a unidade para que seja alterado a identificação de “filho de “ para o nome do bebê no sistema e na identificação do paciente.

 

6. O que tem sido proposto para reduzir a ocorrência de eventos adversos relacionados à medicação em neonatologia?

Pode-se adotar uma lista de medicamentos padronizados dentro da instituição, incluindo também os dispositivos utilizados para o preparo e administração destes. Como por exemplo: evitar o uso de seringas para administrar medicamentos por via oral, é uma chance de ocorrer erro.

Realizar treinamentos, em parceria com a educação permanente, a respeito da prescrição, preparo, rotulagem e administração, fazendo uso dos certos da administração para garantir minimamente que é o paciente certo, medicamento certo, via certa, dose certa e a hora certa.

Trabalhar na equipe o treinamento nos cálculos matemáticos de conversão das diluições e das velocidades de infusão. Existem calculadores de dose padronizada, pode-se ter no excel uma calculadora padronizada do medicamento, dose, diluição padrão que automaticamente é calculado pelo peso do paciente.

Em locais em que há um sistema de prontuário e prescrição eletrônico, pode-se ter sistemas de alerta que sinaliza um medicamento impróprio para a faixa etária ou dose inadequada para aquele peso. Lembrar que na UTI neonatal não temos como contar com a colaboração do paciente, que é uma das maiores recomendações para evitar o erro de medicamentos.

Veja: Uso Seguro de Medicamentos em Neonatologia  |  Prescrição  |  Preparo e Administração

 

7. Já vivi uma situação de drenagem de pneumotórax do lado errado, uma das situações difíceis que mais observei é a implementar a lateralidade na UTIN. Como vencer essa má prática?

Essa questão está relacionada com a organização do sistema e à consciência situacional, elevando o risco de falhas. Deve-se observar o risco e realizar a lista de verificações para um procedimento invasivo. Além disso, a marcação da lateralidade deve fazer parte do procedimento, mas que depende de uma organização de equipe.

 

8. O que é a cultura de segurança e a segurança do paciente?

A cultura de segurança é aquilo que está embutido no “DNA” da instituição, é o esperado, apoiado e aceito em relação a segurança do paciente. Representa a consciência coletiva da instituição.

A Segurança do paciente é a redução dos atos inseguros do cuidado de saúde com base nas melhores práticas descritas. Estas práticas mudam ao longo do tempo, sendo necessária a atualização constante dos profissionais.

 

9. Como podemos envolver a família na segurança do cuidado?

A parceria dos pais é muito importante para que eles entendam sobre a segurança do paciente, a importância da identificação do bebê, conhecer os medicamentos que o bebê utiliza e os cuidados. É importante compartilhar o plano de cuidados com os familiares para entenderem a complexidade do ambiente hospitalar e a vulnerabilidade do recém-nascido.  Deve-se formar uma parceria nessas conferências ao longo do cuidado e relatar as falhas e compartilhá-las com a equipe.

 

10. Como os profissionais de saúde e as lideranças podem colaborar na segurança do paciente?

Os profissionais devem realizar as boas práticas, conhecer as rotinas das unidades, participar dos treinamentos e monitoramentos, relatar todos os incidentes e ter alta consciência situacional. Uma ação recomendada são as reuniões rápidas de segurança no início dos plantões para conferir o plano do dia e como ele pode ser reajustado. Deve-se reunir toda a equipe de saúde, administrativo e limpeza para avaliar o número de leitos, altas programadas, internações programadas, procedimento invasivo planejado, transferência para exames, eventos adversos que ocorreram, entre outros.

A liderança precisa promover e implementar uma diretriz de segurança do paciente e de melhoria da qualidade na unidade. Precisa ser o grande facilitador promovendo a cultura de segurança, um ambiente de cultura justa e não punitiva em que as pessoas saibam que os problemas vão ser tratados com foco no sistema, e não com foco no indivíduo.

 

11. Como prevenir infecção na UTIN? O caminho é a lavagem das mãos?

A higienização das mãos é a estratégia que tem o maior impacto, ela deve ser promovida no dia-a-dia com lembretes, campanhas visuais ao lados das pias e álcool em gel, mostrando os 5 momentos de realizá-la. Pode-se fazer atividades com músicas e paródias que envolvam esse contexto da higienização das mãos, sendo um momento lúdico com a equipe.  Além disso, um profissional pode ficar responsável por fazer o lembrete em diversos momentos do plantão para que a equipe participe desse momento lúdico e realizarem juntos a higienização, podendo contar com a participação dos pais dos bebês nesse cuidado, tornando o ambiente mais leve. Essa pessoa responsável pode, ao reunir todos, garantir que estes estejam sem adornos fazendo com que todos mostrem suas mãos. Outro ponto de grande impacto, é a redução no uso de dispositivos invasivos.

 

12. Como avaliar o risco de lesão por pressão?

A lesão por pressão não é um risco tão frequente na UTI neonatal, ela ocorre mais nos bebês que possuem edema ou que estão em anasarca. Todos os neonatos são considerados sob risco, de acordo com a Escala de Observação do Risco de Lesão da Pele em Neonatos  que consideram os mesmo critérios de Braden. Deve ser sempre aplicado para todo o recém-nascido o manejo de prevenção de lesão por pressão, que é o manejo da umidade, higiene e hidratação da pele, garantia da nutrição, evitando a fricção e cisalhamento, uso de superfície de redistribuição de pressão, a otimização de mobilização e a atenção a mudança de decúbito.

 

13. Qual é a rotina de checagem de dose correta de medicamento?

A checagem deve ocorrer na prescrição, devendo ter manuais com dose de medicamentos pediátricos na UTI neonatal, lembrando da possibilidade do uso das calculadoras de doses. Tendo isso padronizado na instituição, a farmácia checa antes da distribuição, quem recebe o medicamento deve checar se a dose bate com a prescrição e se é compatível com o peso. Antes da administração deve ser checado novamente. Em caso de opióides é necessário a realização de uma dupla checagem.

 

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