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Principais Questões sobre a Diretriz para Prevenção e Manejo da Dor Neonatal

6 fev 2025

Sistematizamos as principais questões abordadas em 23/03/2023 durante Encontro com os Especialistas Maria de Fátima Junqueira-Marinho, psicóloga, pesquisadora do IFF/Fiocruz; Pércide Cunha, médica neonatologista do IFF/Fiocruz; Ana Claudia Vieira, enfermeira, professora do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (UFRG); Luciano Marques, enfermeiro, representante da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (Abenfo Nacional); e Maria Aparecida Munhoz Gaiva, enfermeira, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras (SOBEP) e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Na ocasião do Encontro ocorreu a apresentação do e-book Diretriz para Prevenção e Manejo da Dor Aguda por Procedimentos Dolorosos no Período Neonatal. Trata-se de um documento elaborado conforme as normas da Conitec para o desenvolvimento de protocolos e diretrizes clínicas, cujo produto é uma revisão das melhores evidências sobre a temática. A organização do e-book considerou uma abordagem nacional, de fácil acesso e linguagem, com orientações claras sobre diferentes aspectos do manejo da dor, entre eles os motivos pelos quais a dor precisa ser prevenida e tratada a curto, médio e longo prazos; seus impactos no desenvolvimento infantil; sua epidemiologia, que traz informações sobre os procedimentos mais utilizados e outros detalhes de relevância; aleitamento materno; posição canguru; e formas farmacológicas e não-farmacológicas de manejo da dor.

Desenvolvido por especialistas brasileiros, atuantes em pesquisa, ensino e assistência na área neonatal, o documento visa estabelecer diretrizes para avaliação, prevenção e tratamento da dor aguda por procedimentos em recém-nascidos de risco internados em unidades neonatais. Embora existam muitos estudos que discutam a dor do recém-nascido, assim como suas consequências no desenvolvimento e a necessidade de tratá-la, o Brasil ainda apresenta subnotificação e subtratamento da dor neonatal. Nesse sentido, é grande a necessidade de uma diretriz que sistematize, organize e dissemine o conhecimento, apresentando a relevância de sua implementação na prática do cuidado neonatal.

As repercussões da dor no desenvolvimento infantil são significativas e não devem ser negligenciadas pelos profissionais que trabalham à beira do leito. Bebês expostos a procedimentos dolorosos podem apresentar uma desorganização inicial, que pode persistir até os três meses e afetar o desenvolvimento subsequente, até mesmo na adolescência.

Epidemiologia da dor aguda

Destaca-se a importância de reconhecer e listar procedimentos dolorosos. Ele classifica 36 procedimentos dolorosos e relaciona esses procedimentos com medidas de alívio, ampliando para 43 procedimentos reconhecidos. É crucial que os profissionais identifiquem e classifiquem esses procedimentos não apenas de forma empírica, mas com base em evidências.

Os profissionais têm a responsabilidade de reconhecer os procedimentos dolorosos e prevenir que o bebê sofra com eles, evitando desorganizações secundárias à dor. Grupos específicos, como prematuros de menor idade gestacional, bebês de baixo peso e aqueles em suporte ventilatório, são particularmente vulneráveis. Os primeiros sete dias de vida ou internação são críticos devido ao alto número de procedimentos realizados.

Há também uma distinção entre procedimentos dolorosos e estressantes, com estudos brasileiros mostrando que 85% dos procedimentos são estressantes e não dolorosos, e que mais de 70% estão relacionados ao manuseio do bebê. A literatura aponta formas de reduzir o desconforto desses procedimentos.

Veja também: Encontro com Especialistas – Contexto da Dor Aguda na UTIN: epidemiologia e consequências

 

Avaliação da dor aguda

Reforça-se a responsabilidade dos profissionais em avaliar, prevenir e tratar a dor adequadamente. Na UTI, é essencial estabelecer claramente a responsabilidade dos profissionais em relação ao manejo da dor neonatal

É fundamental analisar a utilização de escalas de dor e considerar a dor como o quinto sinal vital, realizando avaliações diárias.

Foi constatada a necessidade de antecipar o tratamento da dor no pós-operatório, mudando práticas no serviço. Receber pacientes pós-cirúrgicos e antecipar o tratamento da dor, em vez de esperar que o efeito anestésico desapareça, tornou-se uma nova norma, especialmente após grandes cirurgias neonatais, como as abdominais.

Além disso, a dor aguda deve ser prevenida e reduzida em todos os momentos. Utilizar uma escala de dor após um procedimento sem medidas de alívio não é justificável. Deve-se tratar o procedimento como doloroso, tomar medidas preventivas e reavaliar durante sua execução, ajustando as intervenções conforme necessário.

Monitorar a resposta dos recém-nascidos à intervenção analgésica também é crucial. A reavaliação pode indicar a necessidade de ajustar a dose analgésica. As escalas de dor ajudam a categorizar as observações dos profissionais, unificando o tratamento na UTI e tornando as avaliações mais objetivas e consistentes.

“Para a definição da escala de dor a ser utilizada, é importante considerar a população atendida e a condição a ser avaliada. Portanto, o tratamento sempre deve ser precedido de avaliação e aplicado de acordo com a presença e intensidade da dor. (Grau de Recomendação: A; Nível de Evidência: 1A). As unidades neonatais devem ter protocolos para avaliação da dor, bem como programas de capacitação das equipes na utilização destes. (Grau de Recomendação: B; Nível de Evidência: 2A)” (p.32).

 

Amamentação

A amamentação é uma medida de prevenção e tratamento da dor neonatal, destacam-se nesse sentido sua simplicidade e eficácia. A amamentação pode ser utilizada para aliviar o desconforto de procedimentos como glicemia capilar, sendo uma estratégia natural e multifatorial, recomendada para bebês a termo. É essencial comunicar os benefícios à mãe e à família, esclarecendo que não há repercussões negativas para a amamentação.

“A amamentação deve ser considerada como intervenção não farmacológica para o alívio da dor durante procedimentos dolorosos”(p. 37).

 

Contato pele a pele

O contato pele a pele é parte fundamental do Método Canguru, amplamente adotado no país, Política de Atenção Humanizada ao Recém-nascido. Esta prática pode aliviar a dor de procedimentos rotineiros, como coletas de sangue em bebês estáveis. A comunicação com a mãe sobre os benefícios do contato pele-a-pele é crucial para a implementação eficaz dessa medida.

 

Contenção Facilitada

A contenção facilitada constitui envolver o recém-nascido com as mãos ou tecido, promovendo conforto e regulação térmica. Este método é eficaz por estimular os sistemas tátil e proprioceptivo, diminuindo o metabolismo basal e ajudando o bebê a enfrentar procedimentos dolorosos.

O controle da dor é menos efetivo quando a contenção facilitada é utilizada de maneira isolada e, portanto, deve ser utilizada preferencialmente em associação a outros métodos não farmacológicos tais como sucção não-nutritiva, contato pele-a-pele, soluções adocicadas e amamentação. (Grau de Recomendação: A; Nível de Evidência: 1A)”(p. 47).

Veja também: Organização postural do recém-nascido pré-termo na unidade neonatal: o uso do ninho

 

Sucção não-nutritiva

A sucção não-nutritiva envolve a estimulação oral do bebê com um dedo ou a própria mão, liberando serotonina e modulando a percepção da dor. Indicada para bebês a partir de 28 semanas, esta técnica pode ser combinada com outras medidas para melhorar a analgesia.

 

Soluções adocicadas

Soluções adocicadas, como sacarose e glicose, são frequentemente utilizadas para analgesia neonatal nas últimas duas décadas. Embora o mecanismo de ação completo não seja totalmente compreendido, acredita-se que a estimulação das papilas gustativas promove a liberação de opióides endógenos. Estas soluções são indicadas para bebês a termo e pré-termo até o primeiro ano de vida e podem ser combinadas com outras técnicas para melhorar a eficácia. A administração deve ser limitada a antes de procedimentos dolorosos, com um máximo de 10 vezes em 24 horas.

Importante lembrar que:

  • Elas devem ser utilizadas apenas antes de procedimentos dolorosos e não a qualquer momento;
  • Há um limite máximo de 10 vezes em 24 horas;
  • Não é indicado deixar uma solução adocicada aberta próxima ao leito do paciente. Após o uso para um procedimento específico, a solução deve ser descartada. Cada solução é individualizada e não deve ser reutilizada para outros pacientes.

 

Por fim, destaca-se a responsabilidade dos profissionais de saúde nas unidades neonatais, uma vez que é vital que avaliem, previnam e tratem o desconforto da dor neonatal.

Os recém-nascidos não conseguem se expressar verbalmente, comunicando-se apenas por gestos e expressões faciais. A avaliação da dor é fundamental e cada unidade deve encontrar métodos eficazes para isso.

Abordar os procedimentos de maneira sensível também melhora a comunicação com as famílias. Informar os pais sobre os procedimentos e as medidas para minimizar o desconforto do bebê pode reduzir parte do estresse familiar. Embora não seja possível eliminar completamente o choro ou o desconforto, esses esforços demonstram que a dor do bebê é uma preocupação central.

É essencial considerar os efeitos cumulativos da dor no desenvolvimento do bebê. Medidas de alívio devem ser implementadas desde o início da internação. Respeitar o bebê implica em distribuir as tentativas de procedimentos dolorosos ao longo do tempo, evitando sobrecarregá-lo.

A criação de estratégias colaborativas e constantes para minimizar o sofrimento dos recém-nascidos promove um ambiente de cuidado contínuo e respeitoso.

 

Perguntas & Respostas

Existem novas recomendações sobre o uso de solução glicosada como medida de alívio da dor durante procedimento na UTIN?

Na verdade, as recomendações sobre o uso de solução glicosada para alívio da dor existem há bastante tempo. Meta-análises publicadas desde 2002 já destacaram a eficácia dessas soluções. O importante agora é compreender o mecanismo dessas soluções, considerando a idade gestacional dos bebês e os riscos potenciais, que são mínimos. Os estudos apoiam fortemente o uso dessas soluções, e existem recursos como vídeos didáticos para orientar sua aplicação. Além disso, é crucial envolver os pais nesse manejo da dor, uma prática cada vez mais valorizada. Essas recomendações clássicas podem ser aplicadas não apenas em unidades neonatais, mas também em outras situações, como no alojamento conjunto e durante a vacinação. O importante é que essas recomendações sejam colocadas em prática de maneira consistente.

 

Qual é a recomendação de medida de alívio da dor durante a realização da punção lombar?

Destacamos a importância de adotar abordagens combinadas para minimizar o desconforto durante a punção lombar, um procedimento que pode ser estressante tanto para quem o realiza quanto para quem o observa. Em uma revisão sistemática, a punção lombar foi identificada como um dos procedimentos mais intensamente estressantes, o que ressalta a necessidade de atenção especial durante sua realização. Recomendamos a combinação de métodos para garantir o conforto do bebê, como a contenção facilitada, a oferta de sucção não nutritiva e soluções adocicadas. Além disso, é essencial garantir um ambiente calmo e tranquilizador para o bebê antes do procedimento. Em situações em que a punção lombar se mostra particularmente desafiadora, pode ser necessário envolver mais de uma pessoa para executá-la de forma eficaz. É fundamental revisar constantemente a posição do bebê e avaliar se todas as medidas adotadas estão proporcionando o alívio adequado da dor. Essa abordagem combinada e cuidadosa visa garantir o bem-estar do bebê durante a realização desse procedimento.

As diretrizes proporcionam uma ferramenta valiosa para traduzir a pesquisa em ações concretas que beneficiem nossos pacientes, tanto no ambiente hospitalar quanto na atenção primária. É fundamental investir na formação da nova geração de profissionais de saúde e educá-los sobre o manejo adequado da dor neonatal.

Reitera-se a importância de reconhecer o direito das crianças a não sentir dor, conforme estabelecido no artigo 7º dos direitos da criança e adolescente hospitalizado. Devemos olhar para os bebês como seres humanos iguais a nós, merecedores de cuidado e respeito. Que os serviços de saúde possam adotar as práticas recomendadas nas diretrizes e promover um ambiente de trabalho colaborativo, visando sempre o bem-estar das famílias e de seus bebês.

Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

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Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre a Diretriz para Prevenção e Manejo da Dor Neonatal. Rio de Janeiro, 6 fev. 2025. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-recem-nascido/principais-questoes-sobre-a-diretriz-para-prevencao-e-manejo-da-dor-neonatal/>.

Tags: Novembro Roxo Prematuridade