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Principais Questões sobre Aminas vasoativas: quando e como usar?

1 jul 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas no Encontro com o Especialista Fernando Martins, médico neonatologista do IFF/Fiocruz, realizado em 21/11/2019.

A principal razão de usarmos as aminas é a instabilidade hemodinâmica. Quando o recém-nascido apresenta instabilidade hemodinâmica, duas questões fundamentais devem ser consideradas:

  • Por que acontece essa instabilidade hemodinâmica?
  • Quais são as suas consequências que devemos temer?
  • Devemos temer a hipóxia em um bebê com instabilidade hemodinâmica, pois o que define o estado de choque é o a hipóxia tecidual e celular resultante da oferta insuficiente de oxigênio, o seu consumo excessivo ou até mesmo a utilização inadequada do oxigênio nos tecidos. O uso de aminas vasoativas visa tentar reverter essas questões.
  • Uma vez hipóxia, a célula começa a produzir ácido lático gerando acidose e levando a um quadro de disfunção celular juntamente com disfunção tecidual que ocasionam a morte celular, que é o que se deve evitar. Logo, é preciso identificar e evitar essa instabilidade hemodinâmica, tomando o quanto antes as medidas para que impeçam suas consequências deletérias.
  • Para utilizar drogas hemodinâmicas ou aminas simpaticomiméticas em recém-nascidos, especialmente em prematuros, é necessário considerar suas peculiaridades:
    • O miocárdio desse paciente é diferenciado, apresentando apenas 30% das fibras efetivamente contráteis, portanto serão essas que irão responder às drogas, e os mecanismos celulares de contração estão hipodesenvolvidos.
    • O sistema adrenérgico do miocárdio possui menor quantidade de inervação simpática e os adrenoreceptores periféricos também estão reduzidos e o efeito das drogas tende a ser menor quando comparado a uma criança maior ou um adulto. Além disso, a distribuição dos adrenoceptores periféricos neste grupo de pacientes também é diferente, com mais receptores Alfa 1 do que Beta 1 favorecendo uma resposta com tendência à vasoconstrição.
  • Alguns conceitos importantes:
    • Débito cardíaco (DC): Volume ejetado a cada ciclo cardíaco (ml/kg/min) é dependente da frequência cardíaca (FC) e do volume de ejeção a cada contração.
    • DC = FC x Volume de Ejeção.
    • Volume de Ejeção (VE): Depende da quantidade de sangue que chega no coração (pré-carga), da capacidade de contratilidade do miocárdio e da resistência contra a qual o miocárdio tem que ejetar o sangue (pós-carga). Portanto, essas três características vão definir o volume de ejeção do ventrículo esquerdo.
    • Resistência Vascular Periférica: Depende do diâmetro e do comprimento dos vasos e da viscosidade sanguínea. Logo, quanto maior o hematócrito, maior a resistência vascular.
    • Pressão Arterial (PA): É a pressão nas paredes internas dos vasos sanguíneos e depende do débito cardíaco e da resistência vascular sistêmica.

PA = DC x Resistência Vascular Sistêmica.

  • O objetivo principal do ciclo cardíaco é enviar sangue oxigenado para os tecidos. A quantidade de oxigênio que chega nos tecidos depende da concentração de hemoglobina e da saturação de oxigênio, além da pressão a parcial de oxigênio. Logo, a oferta tecidual de oxigênio depende do débito cardíaco e do quanto de oxigênio está presente no sangue que está sendo bombeado. Quando o equilíbrio entre o tanto de oxigênio que o tecido necessita e o tanto de oxigênio que ele recebe está instável¸ do ponto de vista fisiológico, temos o estado de choque.

Conteúdo de O2: CaO2 = 1,36 x Hgb x SatO2 + (0,0031 x PaO2)

Oferta de O2: Do2 = DC x CaO2

Choque: Estado de hipóxia tecidual e celular

  • Recapitulando a performance miocárdica:
    • A pressão arterial é consequente à resistência vascular sistêmica e ao débito cardíaco, a resistência vascular sistêmica representa a pós carga.
    • O débito cardíaco depende da frequência cardíaca (que depende do ritmo cardíaco) e do volume de ejeção.
    • O volume de ejeção depende da quantidade de sangue que chega no coração (pré- carga) e da quantidade de sangue que resta no coração no final de cada ciclo cardíaco (volume diastólico final), condições que variam de acordo com a complacência do coração: quanto maior a complacência do coração, maior o volume de sangue que pode receber)
    • O Volume diastólico final depende da contratilidade e da pós carga.

Definição de Hipotensão em Neonatologia

Usamos o conceito de hipotensão para definir se o bebê está estável ou não hemodinamicamente, porém os conceitos de hipotensão em neonatologia apresentam pouca correlação com a fisiologia e eventualmente um número que você considera inadequado não é exatamente o número anormal. O conceito mais tradicional de hipotensão no se baseia em:

  • Idade Gestacional: pressão arterial média < Idade Gestacional. Se for menor que a idade gestacional, esse neonato é considerado hipotenso. Contudo, não deve ser considerado isoladamente.
  • Pressão Arterial Média: PAM < 30 mmHg. Quando menor que 30 mmHg estaria associada a aumento da mortalidade. Contudo, não deve ser usado pois não há uma justificativa fisiologia.
  • Normograma por idade gestacional e tempo: Considera cada componente da pressão arterial – pressão arterial sistólica, diastólica e PAM. Hipotensão definida se o valor de um destes componentes estiver abaixo do 3º percentil.

A pressão arterial, invasiva ou não invasiva, é o principal componente a ser seguido por ser de fácil aferição, especialmente a forma não invasiva. Esta nem sempre expressa a realidade e requer questões técnicas como tamanho do manguito e tamanho do bebê. Se houver disponível, a pressão invasiva é melhor. De qualquer forma, se pressão invasiva ou não invasiva, este parâmetro deve ser comparado com o estado clínico do bebê.

Como relatado anteriormente a pressão arterial é decorrente do débito cardíaco e da resistência vascular, mas devemos destacar outros dois importantes conceitos a serem avaliados, que são os componentes sistólico e diastólico da pressão arterial e seus significados. Esses componentes devem ser sempre seguidos na avaliação de um recém-nascido com um quadro de instabilidade hemodinâmica, não apenas a PAM, e serem utilizadas a partir dessa interpretação fisiológicas:

  • Pressão Sistólica: É a expressão da força contrátil do ventrículo esquerdo, do débito cardíaco, que por sua vez está associado à pré-carga, à contratilidade e à pós-carga.
  • Pressão Diastólica: É decorrente do tônus vascular, consequentemente da resistência vascular periférica, e do volume intravascular.

Logo, se o bebê está em choque por hipovolemia ou por vasodilatação, ele tende a ter uma pressão sistólica normal e a pressão diastólica muito baixa Ainda assim, eventualmente, a PAM estará adequada, fazendo com que nem sempre a hipotensão seja percebida com clareza. Devido a isso, é importante analisar esses componentes da pressão arterial e fazer um raciocínio fisiológico para, a partir daí, ser cabível a tomada de decisão com relação às drogas a serem utilizadas.

Ao avaliar os componentes da pressão e se deparar, por exemplo, com um bebe com a pressão sistólica menor que o percentil 3 significa que o volume de ejeção ventricular esquerdo se encontra baixo e no caso da pressão arterial sistólica e diastólica menor que o percentil 3 ocorre uma disfunção cardíaca sistólica, dependendo da hipótese fisiológica da causa tem-se diferentes estratégias terapêuticas.

O diagnóstico fisiológico deve ser realizado antes de se pensar em fazer uma abordagem terapêutica, a fim de se evitar respostas automáticas com a ausência de um raciocínio fisiológico por trás. É esse diagnóstico que irá definir a melhor abordagem terapêutica.

Mensagem final

  1. Índice alto de suspeita clínica / população de risco.
  2. Avalie sempre os componentes da pressão arterial.
  3. Faça um diagnóstico fisiológico presuntivo.
  4. Ecocardiograma funcional / NIRS.
  5. Determine a conduta terapêutica compatível.
  6. Seja rápido em estabelecer o tratamento.
  7. Reavalie a conduta em intervalos pequenos.
  8. Estabeleça metas clínicas e o tempo para alcança-las.

 

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. Qual amina de escolha no recém-nascido em choque e hipertensão pulmonar, noradrenalina ou adrenalina?

Inicialmente, avaliar se a hipertensão pulmonar (HP) é secundária a uma mal-formação, por exemplo uma hérnia diafragmática ou uma doença adenomatóide cística onde o leito vascular pulmonar se encontrará reduzido ou hiperrreativo, ou se a HP é secundária a um quadro de sepse, pneumonia ou aspiração de mecônio. Em linhas gerais, no bebê com HP e choque o raciocínio fisiológico é: o ventrículo direito tem uma pós-carga aumentada, portanto a quantidade de sangue que segue para o pulmão é reduzida e consequentemente a quantidade de sangue que retorna ao coração pelo átrio esquerdo também é reduzido. Então, a pré-carga atrial esquerda e a pré-carga ventricular esquerda serão reduzidas. Nesse caso, teríamos uma hipotensão associada à diminuição do débito cardíaco esquerdo. Em geral, nestes casos, a contratilidade não está comprometida e não há hipovolemia, exceto quando o recém-nascido estiver em choque, quando teremos um componente misto. Seguindo esse raciocínio, a melhor droga seria, naturalmente, um vasodilatador pulmonar como o oxigênio e o óxido nítrico. Essa combinação resolveria a fisiologia do choque associado à HP e, teoricamente, nenhuma das duas drogas, adrenalina ou noradrenalina, seriam as mais adequadas para esse paciente. Entretanto, considerando o raciocínio fisiológico, se o débito cardíaco esquerdo está associado à quantidade de sangue que está no coração ao fim da diástole, ao aumentar a pós-carga com o uso de noradrenalina e adrenalina será possível melhorar o débito cardíaco. Além disso, a noradrenalina (efeito alfa periférico) em dose baixa (0,02 a 0,06 microgramas/quilo por minuto) possui um efeito vasodilatador pulmonar que seria uma estratégia interessante.

 

2. Quanto tempo devo esperar para surgir os efeitos de melhora das drogas vasoativas?

Um dos pontos principais na resposta terapêutica de qualquer estratégia utilizada para tratar um bebê com choque é a rapidez em que se tenta reverter esse choque. O bebê em choque encontra-se hipoxêmico e com disfunção celular progressiva sendo necessário reverter esse quadro o quantos antes evitando o choque descompensado ou irreversível. Uma vez identificada uma instabilidade hemodinâmica, realizado o raciocínio fisiológico, identificado a causa e iniciado o uso das aminas a resposta tende a ser rápida. Ao avaliar a resposta deve-se levar em consideração se o raciocínio fisiológico foi adequado e se a dose é a ideal para o bebê, quando iniciado o tratamento a primeira medida é prescrever o mais rapidamente possível. Em 15, 20 minutos é possível identificar uma resposta, sendo necessárias aferições frequentes daquele parâmetro utilizado para definir o quadro.

 

3. A associação de duas ou mais drogas poderia prover um melhor resultado?

Há drogas com efeitos mais inotrópico que terão mais efeitos na contratilidade e outras com efeito vasoconstritor e, portanto, tem um efeito mais vasopressor propriamente dito. O objetivo do tratamento de um bebê com aminas simpaticomiméticas não é melhorar o número da pressão, é melhorar a perfusão tecidual, o lactato, a diurese e o PH, lembrando que os normogramas devem ser utilizados como referência inicial. A associação das drogas deve ocorrer quando considerado a existência de dois mecanismos que estão contribuindo para que a instabilidade hemodinâmica. Por exemplo, o bebê em um choque séptico apresentando um efeito de vasodilatação periférica e perda de líquidos para o terceiro espaço provavelmente terá um componente de disfunção miocárdica associada à liberação de toxinas. Considerando os três aspectos fisiológicos ao estabelecer o início da terapia, a medicação será uma droga inotrópica (dobutamina ou adrenalina), um vasoconstritor (a própria adrenalina em dose mais alta, dopamina em dose alta ou noradrenalina – drogas de efeito alfa – e volume – este sempre deve ser a “primeira droga”, 10 a 20 ml/kg em 15-30min). Além disso, muitas vezes é preciso associar drogas que possuem o mesmo efeito como no caso de uma disfunção do miocárdio severa usa-se adrenalina e dobutamina, lembrando que teoricamente a droga que irá fazer o efeito de aumento da contratilidade é a adrenalina. A dobutamina irá liberar a adrenalina nas terminações nervosas. Sendo assim, a usar apenas a adrenalina faz mais sentidos, especialmente nos recém-nascidos muitos prematuros, que não tem muito adrenalina endógena.

 

4. Como prevenir o efeito hipotensor da milrinona?

Quanto a administração desse medicamento não se deve realizar dose de ataque, particularmente reservo a milrinona para casos com hipertensão pulmonar não aguda e a dose varia entre 0,3 a 1 micrograma/Kg/min. No caso da criança que não estava hipotensa e faz hipotensão com milrinona, além de tatear a dose, a outra opção seria contrabalancear o efeito de vasodilatação secundária através da administração de volume. Entretanto, se não houver uma resposta eficaz o melhor a se fazer é suspender o uso da milrinona e pensar em outra droga para ser utilizada nesse caso.

 

5. Em relação aos prematuros extremos, o efeito dessas medicações pode demorar mais devido à imaturidade?

Em consideração ao efeito esperado, não. A resposta irá ocorrer se de fato a criança possuir capacidade de resposta àquela droga, se a droga utilizada é correta e se o raciocínio fisiológico estiver correto. Devemos sempre questionar a nossa estratégia terapêutica escolhida, se ela é a ideal para atacar as causas que levam à instabilidade hemodinâmica, a fim de evitar a troca constante de medicamentos e doses, podendo chegar a doses elevadas sem qualquer resposta. Em caso de bebês com muita instabilidade hemodinâmica o correto é realizar o acompanhamento observando as drogas e percebendo a resposta com a rapidez em que se deseja, quando a resposta não é a esperada reavalie o quadro, prescreva outro medicamento e complemente o raciocínio fisiológico com exames como a radiografia, ecocardiograma. Além disso, a reavaliação periódica da estratégia terapêutica é de grande importância desde o momento em que a criança está instável até conseguir a estabilidade quanto na estratégia de desmame. Então, é preciso rapidez na introdução das medicações e rapidez em alcançar o objetivo de estabilidade hemodinâmica, e uma vez atingida essa estabilidade tentar paulatinamente reduzir as medicações.

 

6. Qual o papel da adrenalina e noradrenalina no tratamento de choque séptico em recém-nascido, especialmente em um prematuro? Deve-se usar a dopamina como primeira opção? A dobutamina possui algum papel nessa situação? Vocês costumam usar Milrinona em recém-nascidos para tratamento da hipertensão pulmonar?

No choque séptico o componente é um componente fisiológico de vasoplegia, perda de líquido para terceiro espaço e disfunção, então devemos usar as drogas que atuam nessas três áreas da fisiologia deste tipo de choque. Sendo que volume sempre em primeiro lugar sendo importante para tentar reestabelecer o volume vascular mantendo a diurese. No caso do componente de disfunção miocárdica a adrenalina é uma droga importantíssima e a dobutamina também. No caso da vasoplegia, a dopamina em dose alta e a noradrenalina também é uma droga que deve ser lembrada. É fundamental procurar na literatura ou estabelecer um protocolo do serviço e passar a fazer a terapia de resposta ao choque baseada nesse protocolo. Com relação a milrinona na hipertensão pulmonar, reservo o uso para casos em que o bebê apresenta um quadro de doença vascular pulmonar isolada, então o oxigênio é o melhor vasodilatador depois óxido nítrico. A milrinona é um coadjuvante especialmente quando você tem disfunção ventricular direita ou esquerda, mas geralmente a hipertensão pulmonar é associada  à disfunção ventricular direita.

 

7. Gostaria de saber qual seria o critério inicial para o uso da vasopressina?

Deve-se analisar a questão da fisiologia, se temos um bebê hipotenso porque tem o componente de vasoplegia significativo, três drogas podem ser utilizadas nesse caso: a dopamina, noradrenalina e a vasopressina. A vasopressina é uma droga que possui efeito vasopressor significativo, mas aumenta muito a pós-carga e apresenta efeito de hiponatremia. A principal questão a ser lembrada quando se utiliza uma droga de efeito vasoconstritor periférico é que ao aumentar a pós-carga ventricular esquerda é preciso garantir que o ventrículo tenha um suporte inotrópico adequado para suportar o efeito, com isso, para toda droga que possui um efeito vasoconstritor potente se inicia uma terapia adjuvante com o uso de uma droga inotrópica como a dobutamina ou adrenalina e, eventualmente, a milrinona.

 

8. Em relação a dopamina e outros vasoconstritores na sepse, existe algum estudo comparativo?

Existem estudos comparando a dopamina com a dobutamina e que foram realizados por um grupo da Austrália. Os pesquisadores se preocuparam não com o valor da pressão, mas com o débito cardíaco ou com o fluxo sanguíneo cerebral medido através do fluxo da veia cava superior. Então, quando se fala de choque se fala de perfusão tecidual e dependendo da causa do choque o efeito da droga deve ser melhorar essa perfusão e existem poucos estudos comparando noradrenalina com adrenalina, mas basicamente não há uma droga que seja a única ou a melhor à ser utilizada para todos os casos. Logo, é necessário que se tenha um raciocínio fisiológico e para aquela fisiologia uma determinada combinação de drogas deva ser a melhor e não necessariamente aquela escolha será sempre a melhor.

 

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