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Principais Questões sobre Chikungunya Congênita

28 out 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Maria Dolores Salgado Quintans, médica neonatologista e professora do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), realizado em 16/01/2019 e denominado “Atualidades sobre Chikungunya Congênita”.

Conceito histórico

  • O vírus Chikungunya é alfa-vírus, arbovirus que tem como vetor os mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus.
  • Em 2006 foi reconhecida a transmissão materno-fetal, após a epidemia que aconteceu nas Ilhas Reunião no oceano Índico em uma população grande. Portanto, a Chicungunya Congênita é um quadro recente.

Dois genótipos em território brasileiro

  • No Brasil, temos a apresentação de dois genótipos: o Genótipo Asiático com entrada pelo Amapá, com maior distribuição maior na região norte e nordeste, e o Genótipo Africano com entrada pela Bahia e maior distribuição nas regiões nordeste e sudeste.
  • Distribuição dos casos: atualmente todos os estados brasileiros já registraram casos autóctones da doença e continuamos tendo um número elevado de novos casos no país.
  • A região sudeste dispara com a maior taxa de incidência e o Rio de Janeiro tem uma proporção que merece destaque: 100 casos a cada 100 mil habitantes. O nordeste vem em segundo lugar, com o Rio Grande do Norte apresentando 50-55 casos para cada 100 mil habitantes.

Manifestações clínicas gerais da Febre Chikungunya

  • As manifestações clínicas mais comuns em adultos são: dor de cabeça moderada, manchas vermelhas, febre alta, coceira leve, inchaço nas articulações, possível conjuntivite, dor muscular intensa etc.
  • Sabermos as manifestações clínicas em adultos oportuniza um melhor reconhecimento das mesmas nas gestantes, que são nosso público alvo. As manifestações mais significativas são o edema e dor articular, mais intensos que nas demais arboviroses.

 

A Chikungunya e a transmissão materno fetal

  • A Chikungunya Congênita ocorre por transmissão materno-fetal. Um estudo de Ramful et al (2007) realizou uma análise retrospectiva de casos de recém-nascidos com sintomas da doença na primeira semana de vida e apontou que as mulheres que apresentaram a sintomatologia compatível com a febre chikungunya durante o período periparto levaram essa transmissão para o bebê.
  • A infecção no periparto ocorre entre 7 dias antes do parto até 2 dias depois do parto e quando a mulher faz a viremia nesse período temos um grande risco para a transmissão materno-fetal com manifestações clínicas. O período de maior transmissão é o intraparto, período que se estende de 2 dias antes até 2 dias depois do nascimento. A infecção pelo chikungunya na gestação não está relacionada com efeito teratogênico como no caso do Zika vírus, mas temos relato de abortamento espontâneo associado a esse quadro.
  • Quando a infecção materna ocorre no intraparto a taxa de transmissão pode chegar a 50% e 90% desses bebês podem evoluir com formas graves da doença.

 

Manifestações no recém-nascido

  • O bebê no nascimento é assintomático e, geralmente, identificamos as manifestações clínicas da doença entre o 3º-7º dia de vida do bebê, justamente pela infecção ter ocorrido muito próximo ao nascimento. Isso é relevante porque a maior parte dos bebês a termo, recebe alta a partir de 48 horas após o nascimento se estiver tudo bem. A criança que foi exposta ao vírus no período intraparto irá manifestar as alterações clínicas em casa, retardando o diagnóstico e ações efetivas para melhorar o prognóstico a fim de não progredir para o óbito.
  • As manifestações clínicas no recém-nascido são: dor aguda, febre, irritabilidade, dor difusa (síndrome de hiperalgesia difusa), edema nos membros e extremidades, erupções cutâneas, meningoencefalite, síndromes hemorrágicas, diarréia e desordens hemodinâmicas. No estudo de Ramful foi observado repercussões significativas a nível cardiológico como pericardite, dilatação das artérias coronárias e afins. Além do risco de óbito na fase virêmica no bebê, a criança pode ter um atraso de desenvolvimento sendo imprescindível o acompanhamento adequado na consulta de puericultura.
  • Para evitar complicações, todos os recém-nascidos de mães com infecção perinatal pelo vírus chicungunya devem ser internados em unidades de cuidados neonatais. Devendo aguardar 5-7 dias antes de dar alta, caso não tenha manifestações clínicas ou laboratoriais da doença.

Materiais de apoio e diagnóstico

  • Os cadernos Guidelines on Clinical Management of Chikungunya Fever (OMS), “Chikungunya: manejo clínico” (2017) e o caderno “Preparação e Resposta à introdução do Vírus Chikungunya no Brasil” (2014) não abordam diretamente a Chikungunya Congênita ou a viremia na gestação, mas destacam que o ciclo gravídico representa fator de risco para complicações e sequelas tardias da doença. Esses documentos falam sobre realizar PCR (amostras de sangue) sabendo que ele é mais positivo nos primeiros 5 dias da manifestação clínica (vale para adultos e crianças) e outra possibilidade de confirmação é o diagnóstico através de sorologia positiva para IgM.
  • Importante frisar que uma sorologia inicialmente negativa não afasta o diagnóstico da doença no recém-nascido pois pode haver uma demora entre o início da manifestação clínica e o estabelecimento de anticorpos. Mas se o recém-nascido tem sintomas, se existe uma história epidemiológica com um diagnóstico fechado para mãe no período periparto, O ideal é repetir o teste sorológico na criança entre 3-4 semanas após o nascimento

Recomendações ao recém-nascido

  • A recomendação atual é que todos os recém-nascidos, cuja mãe teve infecção no periparto, sejam internados em unidades de cuidado neonatal para monitorização da evolução clínica e laboratorial. O Ministério da Saúde recomenda que quando uma mãe fez viremia próximo ao parto esse bebê deve permanecer hospitalizado de 5-7 dias para acompanhamento.

 

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se cadastrar no Portal, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista.

 

 

Perguntas & Respostas

1. O momento da infecção na gestação impacta diferentes quadros clínicos no feto e no recém-nascido?

É extremamente importante a gente falar sobre o momento que ela se infecta. Se essa mulher se infecta até a 20ª semana de gestação o maior impacto é a morte fetal. Apesar de raros, existem relatos de abortamento espontâneo em gestantes infectadas antes de 20 semanas. Após 20 semanas aumenta o risco de nascimento prematuro (3-9%). Quando a infecção é no período periparto e intraparto podemos observar as principais repercussões clínicas no bebê.

 

2. Durante o período de internação do bebê para observação devemos fazer algum exame?

Se temos uma mãe que apresentou viremia no período periparto e intraparto, seu  bebê deve, obrigatoriamente, ficar internado por 5-7 dias em uma unidade neonatal para acompanhamento das manifestações clínicas e também acompanhamento da evolução laboratorial. A indicação desses exames vem dos estudos clínicos que citamos aqui e a sugestão dada é a monitorização de alterações hematológicas durante esse período em que ele permanece assintomático (entre 3-7 dias de vida): dosagem de plaquetas, contagem de leucócitos e avaliação de linfócitos. Um hemograma seria suficiente para avaliar esses bebês sobre risco de chikungunya congênita.

 

3. Existe contraindicação para o aleitamento materno quando a mãe tem infecção?

Não há correlações entre o aleitamento materno e a transmissão. Não há evidências da presença do vírus Chikungunya no leite materno e não existe qualquer contraindicação ao aleitamento materno.

 

4. Você falou que recém-nascidos sintomáticos podem apresentar maior risco de complicações, devo acompanhar esse recém-nascido após a alta hospitalar?

Sim, quando temos uma criança sintomática no período neonatal a recomendação é manter o acompanhamento após a alta hospitalar. Estudos apontam que cerca de 50% dos bebês sintomáticos no período neonatal irão apresentar manifestações tardias e sequelas dos sintomas apresentados no período neonatal, especialmente as crianças que desenvolveram meningoencefalite. Nestes casos, um marcador forte é a presença de convulsão no período neonatal e nestes casos é necessário avaliar o líquor pois frequentemente crianças com diagnóstico de meningoencefalite positivam o PCR para chikungunya na avaliação do líquor na fase aguda da doença. Outro exame recomendado no período neonatal e após a alta, no seguimento do recém-nascido, é a ressonância nuclear magnética cerebral,que  pode ser feita na fase aguda (até 14 dias após início do quadro ), na fase sub-aguda (15 e 45 dias de vida) e após 3 meses, quando já se podem observar as lesões residuais do processo inflamatório perivascular. O seguimento desses bebês deve observar se essa criança adquiriu algum déficit neurológico, cognitivo. Avaliar o desenvolvimento motor, o início da fala, o comportamento adaptativo e o perímetro encefálico. Crianças que tiveram meningoencefalite nasceram assintomáticas, com perímetro encefálico normal e podem evoluir com diminuição na velocidade de crescimento cerebral e evoluir para microcefalia. Apesar de raro, temos eventos de grande impacto, com com relato de paralisia cerebral a partir de um caso inicial de meningoencefalite.

 

5. Se a criança não apresentou sintomas no período neonatal, ela pode desenvolver complicações tardias da doença?

Não, essas complicações tardias estão associadas com a manifestação congênita dessa doença no período neonatal.

 

6. Qual deve ser a conduta frente um recém-nascido assintomático cuja a mãe teve chikungunya confirmada?

Não há uma resposta protocolar. A gente sabe que a infecção na gestante pode repercutir no bebê, mas essa repercussão está ligada mais ao período periparto/intraparto. Se esse bebê não teve manifestações clínicas nesses primeiros 7 dias de vida, devemos continuar acompanhando, especialmente  o desenvolvimento motor e cognitivo, possível comprometimento auditivo com repercussões na fala mesmo que não haja manifestação no período neonatal.

 

7. Quais os órgãos mais acometidos na chikungunya neonatal?

A doença pode comprometer vários órgãos, sem destaques. Temos a pele, coração, o sistema nervoso central, os rins, o fígado, e na parte hematológica está comprometida (coagulação intravascular disseminada). As crianças que evoluíram em formas graves da doença internadas em unidade de terapia intensiva nesses surtos, muitas delas precisaram de ventilação mecânica, corticoterapia, reposição de plaqueta, algumas precisaram de suporte hemodinâmico com amina vasoativa, alimentação por sonda por intolerância gastrointestinal. A doença atinge vários órgãos, mas o que leva a mais lesões a longo prazo é o acometimento do sistema nervoso central.

 

8. Quando confirmar casos de chikungunya congênita?

Através de PCR para vírus chicungunya até o 5-8 dia de vida e depois desse período fazer sorologia com dosagem de IgG e IgM específicas.

 

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