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Principais questões sobre Cuidados com a Nutrição Parenteral Prolongada no Recém-nascido

16 jan 2019

Sistematizamos as principais questões sobre cuidados com a nutrição parenteral prolongada em recém-nascidos, abordadas durante Encontro com a Especialista Maria Elisabeth Lopes Moreira, médica neonatologista e pesquisadora do IFF/Fiocruz, realizado em 25/10/2018.

A nutrição parenteral é uma emergência médica, assim como oferecer oxigênio para os recém-nascidos pré-termo. Iniciar a oferta de nutrição parenteral precocemente, especialmente proteína, é muito importante para que não se suspenda a oferta nutricional que o recém-nascido recebia em sua vida intrauterina.

A via ideal para a oferta de nutrientes é a via enteral, contudo em algumas situações não é possível iniciar a nutrição enteral precoce e os bebês, especialmente os que nascem com alguma malformação congênita (gastrosquise, onfalocele ou qualquer outra patologia que impeça a utilização da via enteral), serão muito beneficiados pela nutrição parenteral, principalmente os que evoluem com a síndrome do intestino curto.

Apesar de ser um conceito controverso na literatura, em geral é considerado nutrição parenteral prolongada aquela que perdura por mais de 3 semanas e, nestes casos, ela estará associada a riscos adicionais aos recém-nascidos que devem ser minimizados, tais como: insuficiência intestinal pela impossibilidade do uso da via enteral, colestase, infecção de corrente sanguínea associada ao cateter e suas consequentes complicações, dificuldade de acesso venoso por esgotamento das vias acessíveis etc.

É importante ressaltar que, mesmo que o bebê esteja recebendo nutrição parenteral, devemos lhe oferecer algum tipo de nutrição enteral mínima visando promover a atividade da vesícula biliar e reduzir a chance de colestase, assim como estimular o intestino a liberar enzimas e outros produtos que, quando for possível aumentar o volume de alimentação enteral, ajudarão na metabolização da dieta e minimizarão o impacto de outras complicações associadas à nutrição parenteral prolongada.

Logo, apesar da nutrição parenteral ser fundamental em determinadas situações do período neonatal, ela não é isenta de riscos. Neste Encontro, a especialista abordou recomendações e estratégias que devem ser utilizadas pelas equipes das unidades neonatais para minimizar estes riscos.


Gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

 

1. A partir de quanto tempo de permanência podemos considerar uma nutrição parenteral prolongada em recém-nascidos? Existe uma definição?

No geral, as sociedades de nutrição e gastroenterologia e os estudos trabalham com a perspectiva de três semanas. Então, acima de três semanas de nutrição parenteral já é considerada uma nutrição parenteral prolongada.

 

2. Quais são as especificidades ou composições de uma nutrição parenteral prolongada?

Ela não tem uma especificidade muito grande, mas você deve dar preferência por usar soluções com óleo de peixe quando você escolher a solução lipídica. Para oferecer essa nutrição parenteral prolongada ou para crianças em risco de colestase ou com colestase, deve retirar os oligoelementos (e ofertar o zinco separado dos oligoelementos), deve diminuir um pouco a quantidade de proteína e da taxa de infusão de glicose, na medida do possível, mas evite trabalhar com mais de 3g/Kg/dia de aminoácidos. Uma situação também importante é que, nesses casos, devemos tomar cuidado com a quantidade de calorias não proteicas por grama de proteína ofertada. Esta relação deve ser, no mínimo de 25 a 30 calorias não proteicas para cada grama de proteína, caso contrário o bebê usará a proteína como fonte calórica e não vai ganhar peso. Nisso já entra a questão da monitorização, esse bebê precisa ser pesado, medido (tanto o comprimento quanto o perímetro cefálico) uma vez por semana; assim como se devem trabalhar as questões dos íons (sódio, potássio, cálcio) que devem ser dosados a cada três dias; a ureia, a creatinina e os triglicerídeos, uma vez por semana.

 

3. Como monitorar laboratorialmente os bebês que necessitam de nutrição parenteral prolongada?

Você deve analisar o sódio, potássio e cálcio pelo menos duas vezes por semana; ureia, creatinina e os triglicerídeos uma vez por semana. Lembrar sempre do cuidado em averiguar se a solução de vitamina possui a vitamina K; caso possua, você pode ficar mais tranquila, mas, se não, será necessário fornecer a vitamina K intramuscular uma vez por semana.

 

4. Em quais situações devemos suspender completamente a nutrição parenteral?

Quando você tem uma insuficiência hepática já com sangramento incontrolável. Mas, às vezes, não há condições de suspender; se você suspender, a situação do bebê que está em crescimento e sem oferta proteica ficará muito complicada. Então, em geral, evite suspender totalmente. Você pode diminuir os constituintes, deixando 1 a 1,5g/kg/dia de proteína, mas evite suspender a nutrição parenteral porque temos que lembrar que estamos tratando de criança que precisa crescer.

 

5. Existem evidências sobre os benefícios do uso de glutamina em recém-nascidos prematuros?

Não. Glutamina é considerada um aminoácido essencial e é um dos aminoácidos mais estudados em relação aos prematuros. O leite materno possui bastante e você deve fornecer, então, o mínimo de leite materno pela via enteral. Os grandes estudos que trabalhavam com a questão da glutamina não mostraram benefícios em relação a oferta de glutamina. Alguns autores também relatam a questão da glutamina quando você tem o bebê com síndrome do intestino curto e ela poderia diminuir a translocação bacteriana e esse era o pressuposto que foi feito em relação aos estudos da glutamina em recém-nascidos prematuros. Mas hoje, a controvérsia maior não é se você deve ou não ofertar a glutamina para o recém-nascido prematuro, mas sim em síndrome do intestino curto com essa perspectiva de que a glutamina pode diminuir a translocação bacteriana.

 

6. Quais seriam as recomendações para composição de nutrição parenteral quando o bebê apresenta alteração da função renal?

Você vai continuar com a mesma solução de aminoácido específica para prematuros, ou seja, aquelas que contenham taurina e os aminoácidos essenciais, embora alguns não se consiga colocar para estes prematuros por serem insolúveis em água. Então, não há indicação de você usar fórmulas para renal crônico porque elas são inadequadas para o prematuro. Você deve retirar o selênio, pois bebês com insuficiência renal não devem usar selênio. Assim, novamente, você precisara suspender os oligoelementos; de preferência você pode reduzir a quantidade de aminoácidos e controlar através do PH da criança. Essa é a recomendação mais atual.

 

7. A adição de vitaminas, assim como de outros nutrientes, também é ajustada na nutrição parenteral prolongada?

As vitaminas são muito osmolares. Então, você deve tomar cuidado com a presença delas nas nutrições somente quando estamos começando a diminuir a quantidade de nutrição parenteral e aumentando a alimentação enteral. Neste momento será preciso diminuir um pouco a quantidade de vitaminas, ou mesmo o farmacêutico que prepara a solução parenteral vai retirar ou diminuir a quantidade de vitaminas. A questão maior é que, exatamente por serem soluções muito osmolares, quem precisa mais acaba recebendo menos. Se, por exemplo, um bebê de 1 kg recebendo 100 ml/kg, a solução de nutrição parenteral só terá 100 ml de volume e, mesmo eles precisando de uma quantidade maior de vitaminas, você acabará dando um pouco menos por causa desse volume menor. Lembro, que em relação a vitaminas na nutrição parenteral prolongada, é preciso tomar cuidado com a vitamina K e observar se a solução de vitamina que você dispõe possui vitamina K em quantidade suficiente, caso contrário, será necessário administrar vitamina K por via intramuscular, uma vez por semana.

 

8. Quais são as recomendações diante de hiperglicemia persistente?

Essa questão da hiperglicemia em recém-nascidos, principalmente nos pré-termos, diminuiu muito quando começamos a aumentar a oferta de proteína a estes bebês. Então, é muito incomum, hoje, você ter hiperglicemia persistente. Nos casos em que ocorra, aumente um pouco o aminoácido porque ele vai ajudar para que a glicose entre na célula, o que diminuirá a hiperglicemia ou, então, diminuir um pouco a oferta de glicose. Se isso não der certo, será necessário fazer insulina, o que é muito complicado em recém-nascidos prematuros. A gente sabe que a insulina adere ao plástico, às vezes solta em “bolus” e a criança acaba fazendo hipoglicemia, o que pode ser muito danoso a ela. Então, hoje, a prevenção da hiperglicemia é fazer uma maior quantidade de proteína logo no início. Esses bebês que tendiam fazer muita hiperglicemia, principalmente os pré-termo de extremo baixo peso, farão muito menos hiperglicemia. Também diminuir a oferta de glicose, tendo cuidado para não diminuir menos que 3% na solução (é o mínimo que a gente deve fazer) e tentar fazer com que a glicemia se ajuste em relação a isso. Se realmente não houver jeito, você vai acabar tendo que fazer insulina, lembrando que você deve, nesse caso, colocar um pouco de albumina no frasco para impedir que a insulina faça adesão ao plástico.

 

9. Além da hepatotoxicidade, existem outras situações tóxicas decorrentes da nutrição parenteral prolongada às quais devemos ficar alertas?

Sim, a questão da contaminação principalmente, pois a sepse é mais frequente em quem faz nutrição parenteral prolongada. Temos que tomar cuidado também com a osmolaridade das soluções; tenha cuidado para não fazer soluções com mais de 900 mmol/L em veia periférica, você precisará administrar em uma veia profunda e, mesmo assim, cuidado para não fazer mais do que 20 mg/Kg/minuto de glicose para evitar a ocorrência de lesão vascular, trombos, tromboflebites e todas essas situações. Existem autores que, na nutrição parenteral administrada por via periférica, também alertam para, além da osmoralidade, ficarmos atentos na quantidade de cálcio,  que também  é muito osmolar e produz lesão vascular. Além da hepatotoxicidade, devemos estar sempre cuidando da rede venosa das crianças, observando para que a gente não seja surpreendida com uma insuficiência venosa em crianças que vão precisar de parenteral às vezes por mais de um ou dois anos.

 

10. Na nutrição parenteral cíclica, qual o intervalo preconizado? Na etapa da nutrição parenteral, devemos colocar a quantidade de lipídeos e proteína programada para o dia?

Sim. Quando você começar a fazer nutrição parenteral cíclica, o ideal é que inicie interrompendo a infusão de nutrição parenteral por 2 horas, no dia seguinte aumente o intervalo para 4 horas e, no outro dia, interrompa por 6 horas. Então, você passará a administrar nutrição parenteral por 18 horas e o descanso será de 6 horas, fazendo a mesma quantidade de proteína e lipídeo diária nessas 18 horas. Tenha cuidado com a questão da glicose, como eu já disse. Nesse período de 6 horas em que o bebê está sem a nutrição parenteral, a oferta de glicose deve ser a mesma daquela feita durante o período da nutrição parenteral.

 

11. Qual é a sua experiência com cateter semi-implantável para neonatos com malformações digestivas em uso de nutrição parenteral prolongada?

Dificilmente precisamos utilizar cateter semi-implantável no período neonatal. Isso vai acontecer em bebês um pouco maiores, com pouco mais de 6 meses. É preciso tomar conta das veias, dos PICCs, com a manipulação das veias, tomando todas as precauções para manuseá-la, de preferência tentando manter uma veia apenas para a nutrição parenteral e outro acesso para as demais infusões. Sabemos que, às vezes, é difícil manter dois acessos nos bebês muito prematuros, mas isso seria o ideal. Entretanto, se você tomar cuidado com esses PICCs, os manuseando de forma correta e evitando infecções, você conseguirá manter esses bebês com apenas um acesso venoso por, pelo menos 4 a 6 meses, e só precisará utilizar os cateteres semi-implantáveis um pouco mais tarde. Então, minha experiência com cateteres semi-implantáveis em recém-nascidos é baixa.

 

12. A colestase é causada pelo uso da nutrição parenteral prolongada?

Vamos dizer que a nutrição parenteral prolongada predispõe a colestase. Mas não necessariamente todo bebê que está fazendo nutrição parenteral por três semanas desenvolverá colestase. Se você tomar os cuidados, como eu já disse, começando logo no início, naqueles bebês de risco, de fazer o lipídio apropriado, evitar a quantidade excessiva de glicose, obedecer a quantidade de calorias não proteicas por grama de proteína e manter a via enteral permeável com quantidades pequenas, principalmente, de leite materno (ele tem fator de crescimento de mucosa intestinal e ajuda muito nessas questões), evita-se a colestase. E também evitar a sepse! Nem toda nutrição parenteral prolongada vai levar à colestase, mas sim, esta é uma complicação muito associada a nutrição parenteral prolongada.

 

13. Nutrição parenteral usando óleo de peixe com maior quantidade de Ômega 3, tem mais benefícios para o neonato?

Nesses bebês que precisarão de nutrição parenteral prolongada, sem dúvida! Se for possível fornecer um óleo de peixe que tem mais Ômega 3 e tem uma melhor relação Ômega 3/Ômega 6, sem dúvidas alguma dessas soluções serão favoráveis a esses bebês. Se você puder escolher o óleo de peixe, a mistura SMOF (que tem vários lipídeos na mesma fórmula para esses bebês:  soybean oil, medium chain triglycerides MCT, olive oil and fish oil), isso traz benefício sim. Então, há benefícios do SMOF em relação aos outros lipídeos. Infelizmente, ele ainda não é utilizado nos EUA, ele é um óleo ainda não aprovado pelo FDA, com estudos relativamente pequenos se você considera que, hoje, o grande patrocinador de estudos clínicos é os EUA. De qualquer forma, já existe bastante evidência mostrando que eles são benéficos aos recém-nascidos, especialmente os pré-termos.

 

14. É necessário deixar uma via de acesso venoso exclusivo para infusão de nutrição parenteral?

Isso seria o ideal dos ideais. Se você conseguir deixar uma veia só para a nutrição parenteral, vai diminuir a incidência de sepse porque vai manusear muito pouco essa via. Temos que lembrar que a nutrição parenteral é um meio de cultura, um excelente meio de cultura, então se houver essa possibilidade de acesso venoso somente para a nutrição parenteral, sem dúvidas você vai diminuir os episódios de sepse.

Quando for usar a nutrição parenteral prolongada, sempre tente deixar uma enteral associada, mesmo que seja em pequenas quantidades, e essa enteral preferencialmente deve ser o leite da própria mãe; esse é o leite ideal para o amadurecimento de mucosa, especialmente naqueles bebês com síndrome do intestino curto, além de ser um imunoterápico. Outra questão é que ficamos pensando muito na nutrição parenteral e no fígado, mas é preciso pensar nas veias; veia é necessária nesses bebês, todo cuidado é pouco no manuseio das veias profundas do bebê de forma que possamos mantê-lo por vias venosas suficientes pelo tempo em que ele precisar da nutrição parenteral.

 

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