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Principais Questões sobre Estratégias não farmacológicas para Controle da Dor em Recém-nascidos

1 nov 2019

Novembro Roxo

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Ruth Guinsburg, médica neonatologista da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Coordenadora do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria (PRN/SBP), realizado em 15/08/2019.

Veja também: Postagem sobre o tema

Quando pensamos nos recém-nascidos internados em unidades neonatais, antes de abordar a dor propriamente dita, estamos falando de um meio ambiente diferente, principalmente para os bebes prematuros. O recém-nascido no útero materno está em uma situação fisiológica e recebe estímulos absolutamente diferentes daquelas recebidos por aqueles internados nas nossas unidades. Desse modo, antes de pensar na dor, é absolutamente importante tornar o ambiente da UTI o mais acolhedor possível. O cuidado neonatal, atento às necessidades dos pacientes com o sistema nervoso central em formação, pode modificar o prognóstico destes pacientes.

O recém-nascido em UTI é submetido a procedimentos potencialmente dolorosos, especialmente durante as duas primeiras semanas de vida. Em termos de cuidado com a dor, sem dúvidas, a primeira medida é prevenir, e a prevenção da dor está muito ligada a esse controle ambiental. Apesar disso, nem sempre será possível evitar a dor.

Num contexto em que sabemos que a dor repetitiva, no recém-nascido criticamente doente, está associada a repercussões em longo prazo tanto na nocicepção quanto no desenvolvimento neurológico de maneira global, quando não podermos evitar, o que faremos para minimizá-la?

Dentro da escada do tratamento de dor, a base está na prevenção, passando para a analgesia não farmacológica, indo para a analgesia tópica, passando por antinflamatórios não hormonais, opioides, depois anestesias locais e profundas. O tema do nosso encontro está justamente o segundo degrau: a analgesia não farmacológica.

A analgesia não farmacológica é um recurso importante para o alívio da dor de maneira isolada ou em conjunto com a terapia farmacológica. Sua utilização deve ser considerada em toda situação potencialmente dolorosa. Dentre essas medidas, destacam-se: sucção não nutritiva, soluções adocicadas, amamentação, contato pele a pele e técnicas combinadas.

Usar os recursos disponíveis e que estão ao nosso alcance para o alívio da dor é melhorar a qualidade de vida do recém-nascido criticamente doente durante a permanência na UTI neonatal.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

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Perguntas & Respostas

 

1) O que se propõe de estratégia para o controle da dor na realização do MIST em recém-nascido que está em CPAP ou em VNI?

Para todos que não dominam essa terminologia, o MIST é uma técnica minimamente invasiva de se fazer surfactante com uma sonda na qual você não intuba o recém-nascido, mas coloca um laringoscópio, uma sonda na traqueia do bebê e injeta o surfactante. Essa é uma das perguntas mais difíceis, que todos os neonatologistas têm se deparado no mundo desenvolvido e no nosso meio, igualmente. Infelizmente, não tenho uma resposta objetiva para você. A colocação do laringoscópio na língua da criança é dolorosa e leva à apneia e as técnicas não farmacológicas não são suficientes para o alívio da dor nessa condição. Então, colocar açúcar, solução adocicada, induzir a sucção e outras estratégias combinadas não são possíveis nessa situação. Os grupos que utilizam analgesia, e há controvérsias sobre isso, utilizam opioides de rapidíssima ação. Em Minas Gerais, o grupo do Dr. Ierques e da Dra. Rosilu, por exemplo, usaram sufentanil que é um opioide de duração curta para algumas estratégias de intubação, não propriamente para isso. Mas lembrar que qualquer opioide, principalmente em prematuros, pode se depositar em tecido gorduroso e pode ter uma ação residual com depressão respiratória. Então não temos um agente excelente para isso e, por isso, muitos grupos têm feito “a seco”. Fazer “a seco” e dizer que não tem dor é uma mentira; agora em relação à estratégia analgésica melhor para fazer o MIST e diminuir a dor sem levar à depressão respiratória, ainda não temos no nosso arsenal farmacológico uma droga de ótima atuação. Assim, é uma resposta que, na realidade, eu te devo, a literatura toda te deve, e há muita pesquisa nessa área.

 

2) Qual é o método mais eficiente para contenção das cólicas no recém-nascido?

Isso está um pouco fora dessa área específica que estamos tratando, há uma questão em relação à cólica e à síndrome do choro continuado nesse recém-nascido, e, até que ponto, isso é dor ou existem outras questões envolvidas na irritabilidade dele? De qualquer maneira, as técnicas não farmacológicas devem ser otimizadas nesse contexto, especialmente com o uso de estratégias pele a pele e de soluções adocicadas. Eventualmente, quando o choro não para, podemos usar um analgésico não farmacológico, em dose única, eventual, sem que isso seja repetido, como o acetaminofeno.

 

3) Que tipo de analgesia está indicada para a coleta de líquor, coleta de exame, coleta para gasometria? E na intubação é possível fazer somente analgesia não farmacológica ou está indicada analgesia com fentanil?

Com relação à intubação, a Dra. Rita Balda teve uma interação aqui no Portal da Fiocruz com vocês, e analgesia não farmacológica não é suficiente para o alívio da dor durante a intubação e é preciso, pelo menos, o fentanil e, às vezes, estratégias farmacológicas combinadas têm sido usadas para o alívio da dor durante a intubação. Com relação à coleta de líquor, os vários trabalhos mostram que a analgesia tópica é melhor do que a não analgesia para essas crianças. Nós fizemos um trabalho de metanálise mostrando que o EMLA® (que não seria invasivo) não é efetivo para analgesia no líquor. Então, o que resta para o líquor é analgesia com botão de lindocaína, e muitos de vocês pensam “mas vou picar duas vezes, uma para fazer o botão e outra para o líquor?”. Mas os trabalhos mostram que a analgesia com botão de lindocaína diminui efetivamente a dor da punção do líquor. Com relação aos outros procedimentos, é possível utilizar essa gama de estratégias não farmacológicas, em especial o uso das soluções adocicadas se possível em sinergismo com a sucção não nutritiva.

 

4) Existe alguma evidência sobre utilização da música para o controle da dor?

Existem várias evidências de que o uso da música, especialmente músicas mais calmas e com sonoridade mais equilibrada, como as músicas clássicas, diminuem os sinais de estresse do recém-nascido. A música alivia o que está em torno e pode melhorar o ambiente para aquele recém-nascido. A ação analgésica, de fato, em termos de nocicepção e de alívio da dor propriamente dita, não é bem comprovada. Mas, ao diminuir o estresse, provavelmente o bebê se organiza melhor, e os efeitos da nocicepção são atenuados. Então, há necessidade de mais estudos, mas há evidências do uso da música para o alívio do estresse no recém-nascido.

 

5) Apesar da maior atenção dada à avaliação sistemática e controle da dor que vivenciamos nos últimos anos, considero que é ainda um desafio o desenvolvimento de políticas institucionais sobre dor para melhorar a prática profissional interdisciplinar e garantir um cuidado qualificado e humanizado ao recém-nascido. Na sua experiência, quais as melhores estratégias para a sensibilização de gestores e equipes para maior adesão aos protocolos de dor?

Uma grande dificuldade que todos nós temos que enfrentar é diminuir a lacuna entre o discurso e a prática. Todos nós falamos muito de dor, falamos muito que o nosso bebê é ser humano pleno, que precisamos aliviar o seu sofrimento, e fazemos muito menos do que dizemos para o alívio da dor e do estresse nas unidades neonatais. Nesse sentido, ninguém tem uma resposta de ouro sobre o que fazer, mas o que tem dado mais certo em termos de prática? Primeiro, colocar a enfermagem como advogada da criança; se a equipe de enfermagem não advoga pelas crianças, que é a equipe que está ao lado da criança o tempo inteiro, não há protocolo de dor que se sustente. Essa equipe tem que ser uma advogada ferrenha da implantação adequada dos protocolos. Uma experiência que tem dado resultado é de criar métricas, metas e cobrar o resultado. Isso significa medir e avaliar, na nossa UTI, todas as intubações e checar que todas tenham sido feitas com analgesia (as intubações eletivas, obviamente). Vamos avaliar isso mensalmente, criar um indicador que será discutido com toda a equipe, e, a cada falha, será feito uma reflexão sobre o que falhou e o que não foi feito. Então, uma boa estratégia é criar indicadores que sejam mensurados de maneira regular, cujos resultados sejam apresentados à equipe multiprofissional, que se discuta o que não deu certo e o que fazer para melhorar. Nós temos implementado esse tipo de controle de qualidade na nossa unidade e temos visto melhoras; existem falhas, nenhuma unidade é perfeita, mas temos que lidar com o fator humano do motivo dessas falhas existirem.

 

6) Voltando à coleta do líquor, existe comparativo de glicose + sucção não nutritiva com botão de lindocaína?

Não, a literatura é muito pobre nesse sentido. Eu estimulo que você faça um trabalho com cuidado metodológico, comparando essas duas estratégias para que a gente possa ter dados efetivos e de medicina baseada em evidências para poder recomendar outra estratégia além do botão de lindocaína na coleta do líquor.

 

7) Quais medidas não farmacológicas têm maior impacto no controle da dor?

As soluções adocicadas são o carro chefe das medidas não farmacológicas e, na minha opinião, elas têm que ser o carro chefe e, de preferência, combinadas a outras medidas (como a sucção não nutritiva ou o pele a pele). Então, considero que a instituição de protocolos de medidas não farmacológicas, usando a glicose para as crianças criticamente doentes e a amamentação para as crianças melhores nos procedimentos dolorosos, nas unidades neonatais, podem melhorar muito o panorama do gap entre discurso e prática.

 

8) Gostaria de saber se colocar o recém-nascido no pele a pele com a mãe alivia a dor.

Alivia, pois o pele a pele é uma medida analgésica eficaz. Há diversos padrões culturais no nosso país; aqui no Sudeste, em São Paulo, por exemplo, muitas mães dizem não querer que vacinem seus filhos ou que colham exames enquanto eles estiverem em seus colos, no pele a pele, ou enquanto estiverem amamentando, porque podem associar o estímulo nocivo ao prazer dado pelo pele a pele ou pela amamentação, e não quererem mais. Isso é uma falácia, não há essa associação. Precisamos ter tranquilidade de assegurar às mães que o prazer e a analgesia que elas fornecem ao deixar as crianças em pele a pele ou amamentando durante um procedimento doloroso não cria cicatrizes negativas. Isso, como falei, é cultural, por exemplo, no trabalho que realizamos com a Dra. Aurimery, em Belém, nenhuma das mães teve qualquer resistência em colocar a criança em pele a pele para a vacinação da hepatite B.

 

9) Na sua opinião, qual a melhor escala de dor para recém-nascidos?

Um dos grandes problemas do gap entre discurso e prática é a não avaliação da dor, então qualquer escala é melhor do que o “eu acho”. Temos usado o N-PASS para avaliação da dor. É possível usar escalas puramente comportamentais como a escala de mímica facial de dor como, por exemplo, a NFCS. É possível usar escalas multivariáveis, fisiológicas e comportamentais, como o NIPS ou o PIPP para avaliação da dor. Tenho uma aula em que tudo isso é discutido aqui mesmo no Portal da Fiocruz, discutindo escala por escala e mostrando nosso protocolo da unidade neonatal do Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo. Esse conteúdo está acessível para você aqui no Portal, mas, ainda respondendo a sua pergunta, acho que é muito importante salientar que qualquer escala é melhor do que não usar escalas.

 

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