O vínculo emocional que se forma entre o recém-nascido e seus pais é um elo de ligação que precisa ser fortalecido dentro da unidade neonatal. Nesse sentido, são apresentadas as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Maria de Fátima Junqueira-Marinho, psicóloga do IFF/Fiocruz, dia 18 de janeiro de 2018.
O vínculo é o laço emocional que se estabelece entre os seres. Assim, o vínculo emocional que se forma entre o bebê e seus pais seria o primeiro elo dessa relação, e precisamos fortalecer esse processo, pois é o que vai fornecer confiança para o recém-nascido crescer com condições de se tornar um sujeito seguro.
O vínculo dos pais ou do cuidador com o bebê começa desde o início de sua vida. Os seres humanos possuem uma característica muito própria por sermos sujeitos, seres sociais, inseridos em um mundo de linguagem. Diferentemente de outros mamíferos que, ao nascerem, já possuem capacidade de andar e de buscar a amamentação, o bebê humano, se deixado sozinho, não sobrevive. Há a necessidade de alguém que o acolha, que o coloque ao seio para amamentar, pois nascemos em uma condição muito mais prematura do que outros mamíferos, num estado de total desamparo.
Fala-se muito do termo holding, elaborado pelo psicanalista inglês D.W.Winnicott, que significa o ato de segurar, conter, sustentar. Inicialmente, essa é uma experiência sensorial, cutânea, física, de um abraço, de uma troca, do toque na pele, para o bebê se sentir seguro e sustentado. Nesse ponto, muitos podem questionar sobre as necessidades do recém-nascido internado numa unidade neonatal. Quando os profissionais se preocupam em organizar ninhos, em fazer os pequenos rolos e os enrolamentos do bebê para a sua contenção e, principalmente, ao colocá-lo na posição Canguru, realizam a organização, o holding. Nesse processo estão incluídas a fala, a linguagem e a conversa com o bebê. Hoje, compreendemos que a criança possui muito mais competências do que as que conhecíamos em tempos atrás. Com embasamento científico, descobriu-se que, desde a gestação (por volta da 25ª, 26ª semana de idade gestacional) o bebê possui vários aparatos sensoriais desenvolvidos como, por exemplo, olfato, paladar, parte tátil e auditiva. Ao nascer, a criança apresenta a capacidade de reconhecer as vozes dos pais, o que é muito facilitador na formação do vínculo, pois isso a acalenta. Igualmente, sabemos o quanto o bebê gosta de visualizar o rosto, a face humana, prioritariamente as dos seus pais ou, na ausência destes, a do seu cuidador. Mais tarde, com a visão mais estruturada, ele vai se interessar por objetos coloridos. Assim, com esses conhecimentos, podemos refletir o quão importante é a presença do outro e o contato pessoal para tornar esse bebê humano. Existem diversos filmes que retratam histórias de recém-nascidos, deixados sozinhos em florestas, que não se humanizaram.
Nesse sentido, questionamos como nós, profissionais, podemos proporcionar esse vínculo para os bebês que nasceram pré-termo. Para isso, precisamos entender que essa criança foi separada da mãe de forma abrupta; tudo o que se vem elaborando sobre a humanização do parto, a primeira mamada, o contato com a mãe ainda na sala de parto, o alojamento conjunto, não acontece com o pré-termo. Assim, realizamos o que for admissível na situação desse parto; é possível mostrar o bebê para a mãe naquele momento? É possível eles terem contato ainda na sala de parto?
Por muitas vezes esse contato não é possível, pois o recém-nascido é encaminhado logo para a unidade neonatal, ocorrendo uma separação brusca. Nessa situação, na maioria das vezes, será o pai a ver o bebê primeiramente, e a figura paterna será muito importante para a formação do vínculo e da passagem de informações para a mãe sobre o que vier a acontecer com essa criança. Por isso, vamos receber esse pai, acolhê-lo na unidade neonatal e passar-lhe as informações necessárias.
Da mesma forma, devemos ir até a enfermaria em que está a mãe e narrar a ela como está o seu bebê, descrevendo o seu peso, o seu comprimento, o seu estado. Essa é uma tarefa que facilitará o vínculo, pois essa mãe pode se sentir ambivalente, fracassada, desinformada e com medo de se vincular a um ser que apresenta risco de morte.
Junto a essa tarefa, ainda há o trabalho dos profissionais com esse bebê real que vai de encontro ao bebê saudável que nos gratifica, sonhado pelos pais. Essa criança internada na unidade neonatal, com baixo peso, com malformação, com síndrome, faz aumentar a distância dos pais. Como agir nessa situação?
Precisamos compreender que a mãe necessita fazer o luto do bebê imaginado para poder olhar para o real; essa é uma passagem delicada para os pais e um desafio para nós, profissionais. Para ajudá-los nesse difícil processo, devemos estimulá-los a enxergar as competências do bebê dentro do seu quadro de saúde (o ganho de peso, por exemplo).
Geralmente, com todas as informações passadas sobre a gravidade do estado da criança, os pais ainda buscam saber sobre o seu peso, demonstrando que não estão assimilando a situação. Isso porque esses pais precisam de um tempo para absorver essa realidade, e uma estratégia para auxiliá-los é perguntarmos o que sabem sobre o seu bebê e sermos ouvintes, acolhedores. Outra questão muito delicada é a do óbito da criança, quando é preciso parar as atividades e receber a família com o acolhimento de que ela necessita.
Após essas importantes considerações, a especialista discorreu sobre as seguintes questões:
1) Quando a mãe é uma adolescente posso permitir a entrada da avó do bebê na unidade neonatal?
De um modo geral, nossa política é a de que os pais têm entrada totalmente liberada na unidade neonatal. Mas no caso de uma mãe adolescente, enquanto paciente internada, podemos autorizar a entrada dessa avó no Alojamento Conjunto ou na enfermaria onde a adolescente se encontra. Contudo, no momento em que receber alta médica, essa adolescente não é mais paciente, é a mãe que precisa ter o contato com o seu bebê. Queremos a presença dos avós na unidade, mas no momento destinado a eles, pois é preciso preservar o espaço da mãe, mesmo que esta seja adolescente. Por muitas vezes percebemos a avó querendo tomar o lugar da mãe, mas este deve ser garantido à adolescente. Por isso, a princípio, a avó não tem entrada liberada na unidade neonatal apenas pelo fato da mãe ser adolescente.
Contudo, existem exceções que devem ser consideradas. Como exemplo, houve um caso em que o pai da criança, também adolescente, veio a óbito um mês antes do parto e isso abalou seriamente a mãe, que não conseguia entrar na unidade neonatal para ver o seu bebê. Com essa situação, adotamos a conduta de autorizar a entrada da avó materna, o que estimulou a entrada da mãe em sua companhia. O importante é sempre analisarmos qual o papel que essa avó pode desempenhar.
2) Quando o pai tem medo de segurar o bebê no colo, por este ser muito pequeno e/ou estar com acesso, como a equipe pode ajudá-lo?
Valorizamos a presença dos pais na unidade, pois eles são fundamentais na formação do vínculo. Contudo, algumas pesquisas acerca dessa presença revelam que muitos pais identificam o ambiente da unidade neonatal como um espaço feminino. Essa é uma questão cultural, uma vez o que bebê é associado a um cuidador direto que seja do sexo feminino. Por isso, é preciso acolher esses homens pais para que possam se sentir confortáveis no ambiente da unidade.
Para o pai segurar o seu bebê, ele necessita estar confiante e, para isso, é fundamental explicarmos o que significa aquele acesso, aquele cateter, como funcionam. Também posicionar o pai sentado pode deixá-lo mais seguro; estimulá-lo a conversar com a criança pode tranquilizá-lo. O essencial é acompanharmos esse processo e deixar o bebê no colo do pai pelo tempo que puder.
Estamos falando sobre o colo, mas é fundamental pensarmos sempre no Método Canguru. Se esse for um bebê com condições para ser colocado nessa posição, então vamos priorizá-la; mas, da mesma forma, o pai precisa estar preparado, confortável. Talvez uma estratégia seja começar pelo colo e evoluir para o Canguru e isso serve tanto para o pai quanto para a mãe que esteja insegura.
3) O que fazer quando a família omite alguns processos e nota-se que a mãe foi vítima de violência sexual?
Primeiro é preciso refletir que violência sexual é um tema tabu, difícil de ser abordado. Existe ainda o medo que a mulher sente de ser culpabilizada, apontada, discriminada. Por isso, devemos identificar quem é a pessoa que está construindo um vínculo melhor com esta mulher; pode ser uma enfermeira, uma fisioterapeuta, ou qualquer outro profissional da equipe e será com ele que trabalharemos o laço, o vínculo de confiança. Uma sugestão é que, se o profissional não for o próprio psicólogo, busque orientações. Nesse caso, é primordial ouvir a mulher, “emprestar nossas orelhas”, observar sinais físicos, comportamentais, demonstrar a vontade de ajudar e de compreender o que aconteceu, sem julgamentos.
Há pouco tempo, tivemos uma situação de violência com uma jovem que estava internada. Esta mulher se cortava, praticava o self-cutting, e trazia as evidências dessa prática nos punhos. Ao atendê-la, “emprestei minhas orelhas”, fui delicada, conversei sobre as dificuldades que ela demonstrava possuir. Segurei o seu braço, onde estavam as cicatrizes, com tranquilidade e a estimulei a falar sobre os cortes. Considero que uma abordagem delicada seja o caminho.
4) Como lidar com bebês muito graves quando a equipe sabe que provavelmente morrerão em breve?
Em alguns de nossos serviços, recebemos bebês gravíssimos, com síndromes, malformações e sintomas praticamente incompatíveis com a vida. Estaremos lidando com famílias que estão numa situação de luto. Assim, toda a equipe deve estar preparada para transmitir as notícias e receber as reações das famílias, pois há um trabalho multidisciplinar desenvolvido dentro da unidade neonatal. Mas estar preparado para isso não é simples. Requer uma reflexão de como me sinto em relação à morte e poder compartilhar com outros colegas da equipe, até mesmo para não permanecer em sofrimento.
A questão é que, se possível, essa notícia seja dada em dupla e que também seja trabalhada a comunicação de notícias difíceis. Existem protocolos para essa comunicação que nos auxiliam nessa tarefa. Esse é um luto que chamamos de luto antecipatório e a família começa a apresentar suas reações antes de a criança de fato morrer. Por isso, é fundamental que a equipe reconheça esse quadro para melhor lidar com esse luto.
5) Além da permanência contínua dos pais na unidade, o incentivo na participação do cuidado ao seu filho, orientação e esclarecimento da conduta adotada com o bebê, quais outras ações poderiam ser implementadas no favorecimento do vínculo?
Além do que já foi abordado na apresentação, é fundamental também, para o favorecimento do vínculo, desmistificar a ideia de que pai e mãe amam o seu bebê porque o geraram. Amor de pai e de mãe também é um sentimento construído e devemos ajudar nesse processo. É necessário ouvirmos aquela mãe que diz não conseguir ver o seu filho; talvez o momento mais importante seja esse em que ela consegue verbalizar o seu sentimento e não se sente julgada por isso.
6) Existem estudos que comprovem que os cuidados dos pais influem positivamente na evolução clínica do bebê de neo?
Existem estudos muito interessantes sobre o Método Canguru, e aqui temos uma política bem estabelecida sobre ele, que indicam como a posição pele a pele beneficia o vínculo dos pais com o bebê, favorecendo o seu estabelecimento. Outras pesquisas também mostram que a posição canguru descoloniza o bebê, ajuda no seu ritmo circadiano e favorece o seu sono (que é essencial para o seu desenvolvimento). Sabemos que a criança, dentro de uma unidade neonatal, tem o seu ciclo circadiano alterado e isso se agrava quando se trata de um bebê pré-termo, que não possui o seu cérebro desenvolvido.
Com todos os procedimentos de rotina realizados (exames, cateter, antibióticos etc.) é preciso o cuidado para que estes não sejam iatrogênicos, pois, à medida que damos condições de sobrevivência ao recém-nascido, estamos marcando estímulos negativos no seu sistema nervoso central. Assim, é preciso dar proteção para ele; a vinculação com os seus pais e o contato pele a pele protegem o seu desenvolvimento.
7) Os pais podem ou devem assistir aos procedimentos realizados?
Nessa questão, precisamos nos colocar no lugar do outro e também enxergar o nosso lugar. Se tivéssemos um filho internado numa unidade neonatal, gostaríamos de assistir aos procedimentos? Acredito que sim, e não para controlar, mas para observar a criança. Obviamente, existem pessoas que não querem assistir por se sentirem mal e não precisamos passar por esta situação. Então, considero que se isso for bom para os pais, qual seria o impedimento?
Contudo, tem-se a conduta de solicitar que os pais se retirem na hora do procedimento, e é importante percebermos que isso pode despertar mais preocupação e insegurança neles. Às vezes, agindo de maneira mais tranquila e mais aberta estaremos fortalecendo nossa relação de confiança com a família.
Agora também é preciso analisar o outro lado, o do profissional que ainda se sente desconfortável para realizar procedimentos sob os olhares dos pais. Por isso, é preciso ir devagar, com bom senso, para que este profissional se sinta igualmente confortável.
O Estatuto da Criança e do Adolescente sustenta que o acompanhante está autorizado a permanecer sempre com a criança, não sendo mais considerado visita com horário marcado. Essa mudança trazida pela Lei transformou o ambiente das unidades neonatais e estimulou adaptações às novas rotinas, pois essa é uma questão de cultura institucional. Mesmo que sejam adaptações lentas, essa é uma reflexão importante de ser feita.
Como mensagem final, registramos que nós, profissionais de saúde, podemos acolher muito bem essas famílias e facilitar a formação do vínculo do bebê com os pais. Igualmente, como profissionais, também devemos sempre encontrar espaço para discutirmos nossos sofrimentos diante desse importantíssimo trabalho.
Maria de Fátima Junqueira-Marinho
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