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Principais Questões sobre Gestão de Leitos Neonatais

3 set 2020

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com a Especialista Maria Auxiliadora Gomes, médica pesquisadora do IFF/Fiocruz, realizado em 07/11/2019.

A gestão de leitos neonatais é estratégia central para a garantia do acesso, para a melhoria do cuidado e para a redução da morbimortalidade neonatal no Brasil.

Ela pode ser compreendida em duas dimensões: gestão de rede, buscando organização do conjunto de leitos entre as maternidades, e a gestão da clínica aplicada no cotidiano de cada Unidade Neonatal. Ambas com a mesma importância para a produção do melhor cuidado em saúde para o recém-nascido e sua família, atendendo às suas particularidades com a utilização das melhores práticas clínicas.

 

1. Definição, abrangência e objetivos

Para compreendermos como funciona a gestão dos leitos neonatais é necessário perceber a sua complexidade e abrangência. A gestão dos leitos está inserida em diferentes âmbitos de responsabilidade, no Ministério da Saúde, nas Secretarias de Saúde e nas maternidades. O objetivo central é acolher integralmente o recém-nascido e sua família e promover o uso racional dos leitos, contribuindo para a qualidade e segurança do cuidado e erradicando um desafio ainda existente no Brasil, o da superlotação permanente em algumas maternidades de alta complexidade.

A gestão, na área das ciências humanas busca fazer com que as organizações atinjam seus objetivos com os recursos disponíveis e na área das ciências sociais, estuda as práticas administrativas. Ela deve ser entendida em duas grandes dimensões: a Gestão de Rede, buscando organização do conjunto de leitos entre as maternidades, e a Gestão da Clínica. Ambas com a mesma importância para a produção do melhor cuidado em saúde para o recém-nascido e sua família, atendendo às suas particularidades com a utilização das melhores práticas clínicas e com os melhores resultados.

 

2. A organização do conjunto de leitos neonatais

O cuidado ao recém-nascido de risco no Brasil é responsabilidade de Unidades Neonatais, constituídas pelos seguintes componentes: cuidado intensivo neonatal (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal) e cuidado intermediário neonatal em duas tipologias: Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo) e Cuidado Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa) – Portaria GM/MS nº 930 de 10 de maio de 2012. Nesta estrutura devem ser garantidas a atenção ao nascimento, o suporte respiratório, a nutrição, a promoção do crescimento e desenvolvimento, a prevenção e manejo da infecção e outras condições relevantes para a atenção neonatal, sempre vinculados ao acolhimento à família, aos cuidados de neuroproteção e de minimização da dor e do stress no neonato durante sua internação na Unidade Neonatal.

 

3. A estratégia

Utilizar as melhores práticas clínicas e de gestão baseadas em evidências, como também no campo da qualidade e segurança do paciente, visando reduzir a morbimortalidade e atingir mais resultados positivos.

 

4. Implementação do planejamento da gestão de leitos neonatais

– Âmbitos e responsabilidades de gestão. As Secretarias Estaduais e Municipais e as coordenações regionais apresentam o conjunto de unidades que integram a Rede e em cada unidade, das chefias mandantes aos responsáveis pelo plantão da unidade.

– Programação: disponibilidade e distribuição dos leitos. O Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) é uma ferramenta indispensável na programação, fornecendo informações fundamentais para a gestão e organização em termos de disponibilidade e distribuição. A Portaria GM/MS nº 930 dispõe todos os parâmetros necessários para a distribuição de leitos, visando sua necessidade de acordo com o referido local.

– Perspectiva do Cuidado Perinatal. O parto, ainda que seja uma situação emergencial, é programável. A articulação entre os diferentes âmbitos de gestão é fundamental, devendo estar em comunicação frequente, para que o cuidado obstétrico e neonatal seja planejado da melhor forma possível.

– Rede Colaborativa entre Unidades Neonatais/Maternidades. Pressupõe conhecimento, confiança, solidariedade e apoio entre as unidades contribuindo para a minimizar sobrecarga/superlotação em algumas maternidades. Esse trabalho sistêmico e continuado possibilita a troca de experiências em soluções para desafios na manutenção da estrutura e dos processos nas unidades neonatais. Fortalece a capacidade de implantação coletiva de diretrizes clínicas baseadas nas melhores evidências.

– Regulação de leitos obstétricos e neonatais. Se inicia durante o pré-natal, onde é dado à família o local de referência do parto, levando em conta as especificidades da gestação e a linha de cuidado necessária de acordo com as suas demandas. Esse processo denominado Vinculação da gestante à sua maternidade de referência deve ser compreendido no contexto do processo regulatório, minimizando riscos de fragmentação do cuidado entre o pré-natal e o parto e a “peregrinação” das gestantes no momento do trabalho de parto. Os processos envolvidos na regulação de leitos obstétricos e neonatais devem garantir conhecimentos e procedimentos que considerem a especificidade do cuidado obstétrico e neonatal.

– Estratégias do uso racional de leitos. Leitos neonatais são internacionalmente reconhecidos por seu perfil de alta complexidade e pela necessidade de utilização racional de recursos de alto custo. Garantir que o RN esteja em leito correspondente à sua demanda clínica (cuidado progressivo) é tarefa cotidiana da equipe de gestão em cada unidade neonatal, levando-se em conta, também, que a exposição de um RN ao cuidado intensivo ou cuidado intermediário convencional sem que ele necessite dessas modalidades de cuidado aumenta os riscos de eventos indesejáveis como, por exemplo, infecção hospitalar. Destaca-se a importância estratégica da UCINCa para os recém-nascidos elegíveis: além dos efeitos imediatos dessa modalidade de internação do bebê com sua mãe para os melhores resultados neonatais na alta, o cuidado canguru contribui para a maior prevalência do aleitamento materno exclusivo, maior competência materna no cuidado e melhor desenvolvimento infantil, reduzindo a mortalidade pós-neontal. A distribuição e proporção dos leitos de cuidados intensivos e intermediários convencionais e canguru, conforme indicado na Portaria 930, é condição fundamental para o cuidado progressivo e uso racional dos leitos.

– Monitoramento e Avaliação. Observação e análise das características clínicas, sociais e demográficas do recém-nascidos e suas mães e do processos de cuidado, por meio de sistema de monitoramento contínuo, que é estratégia central para a melhoria do cuidado. Para melhorar processos e resultados, a equipe da neonatologia precisa conhecer quem são os recém-nascidos atendidos, quais são as práticas que efetivamente estão sendo utilizadas e quais são os resultados de sua unidade neonatal em comparação com outras. O monitoramento de indicadores de gestão dos leitos, por exemplo o tempo médio de permanência do RN em cada leito é também tarefa central da gestão dos leitos e deve ser discutido a partir da identificação de fatores que possam, por exemplo, atrasar a alta.

 

 

Perguntas & Respostas 

1. Existe uma proporção desejável para entre leitos neonatais que facilitem o fluxo interno e externo?

Segundo a portaria 930 do MS, para cada quatro leitos destinados a UTI devem existir seis leitos intermediários, sendo quatro destinados ao Cuidado Intermediário Convencional e dois ao Cuidado Intermediário Canguru.

 

2. O que seria o uso racional dos leitos neonatais que muito se fala muito na segunda etapa do Método Canguru?

A Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso – Método Canguru, está estabelecida em três etapas com a segunda etapa sendo desenvolvida na internação do RN, com a presença de sua mãe nas 24h, uma vez que possua os critérios de para internação na UCINCa. A proporção adequada em relação ao quantitativo de leitos intensivos e intermediários na capacidade instalada, em cada maternidade, possibilita a “progressão” do RN para leitos compatíveis com sua necessidade clínica, liberando os leitos com maior densidade tecnológica para neonatos que demandem o cuidado intensivo ou intermediário convencional.

 

3. Como dimensionar a quantidade de leitos de UTI disponibilizados pelo SUS em uma região de forma a atender satisfatoriamente uma população?

Existem portarias que indicam a quantidade de leitos obstétricos e neonatais necessários em cada município, região ou estado de acordo com o número de nascimentos, como as da Rede Cegonha e a Portaria 930. Além disso, para que se assegure o acesso oportuno ao cuidado perinatal com qualidade e integralidade, alguns fatores devem ser considerados: distribuição dos leitos obstétricos e neonatais já existentes; distâncias geográficas e os diferentes fluxos nas regiões; definição de atribuições referentes ao cuidado neonatal nas maternidades de risco habitual, maternidades de referência regional e maternidades de referência macrorregional ou estadual. Em relação ao papel das maternidades de risco habitual, deve se discutir seu papel não só no cuidado inicial ou de situações de menor complexidade e autolimitadas como também seu papel na contrareferência para o final da internação de RNs em maternidades próximas às suas residências, fortalecendo a continuidade do cuidado com a Atenção Primária após a alta. Elementos como número mínimo e a proporção adequada entre leitos neonatais, considerando seu alto custo, especialização e complexidade, também devem ser levados em conta.

 

4. Como resolver a longa permanência de recém-nascidos ocupando leitos para o tratamento de sífilis congênita?

Através de boas práticas clínicas e atenção as evidências. Com isso, o profissional que estiver responsável pelos cuidados desses recém-nascidos, já que implementar tratamento fora do previsto nas diretrizes do MS pode prolongar a ocupação dos bebês nos leitos e os expor à riscos. Outro ponto a ser discutido é a responsabilização e compreensão de rede, formando um vínculo direto com a Atenção Primária, por conta não só do pré-natal, mas também pelos cuidados pós-alta que o recém-nascido irá receber.

 

5. Durante a implantação do Canguru, o que fazer caso a mãe se negue a ficar com o recém-nascido?

O planejamento e as ações de estímulo e apoio para a presença da mãe e sua permanência na UCINCA devem ser iniciados, pelo menos, desde o primeiro dia da internação na Unidade Neonatal. Se possível, desde o pré-natal, nas situações nas quais o risco de um nascimento prematuro já está documentado. Pai e mãe não são visitas e cabe a cada maternidade propiciar seu acolhimento e a estrutura possível para que particularmente a mãe possa estar presente durante o período no qual o RN está na UTI ou UCINCo. Essa é uma tarefa da equipe multiprofissional e tema importante na agenda dos gestores de maternidades. As Casas da Gestante, Mãe, Bebê e Puérpera – CGBP previstas na Rede Cegonha são uma importante estratégia para a permanência das mães. Além disso, o Método Canguru tem toda uma orientação sobre a articulação sobre a constituição das redes sociais de apoio que possam viabilizar a permanência da mãe. Com frequência ouvimos: “as mães não querem ficar”, mas o que vários especialistas com muita experiência no cotidiano do cuidado neonatal me falam é que ainda precisamos institucionalizar e fortalecer a atuação das equipes neonatais no planejamento e ações de incentivo e apoio à presença das mães e sua permanência na UCINCa quando o RN estiver elegível para essa modalidade de cuidado.

 

6. Como garantir uma boa gestão em casos de lotação?

Em neonatologia e obstetrícia, áreas caracterizadas pela urgência e sazonalidade dos nascimentos, há risco de momentos pontuais de sobrecarga em todos os sistemas de saúde. Nesses momentos a gestão de leitos é decisiva e deve ser apoiada com uma capacidade de resposta das unidades com reforços mínimos de estrutura física e de força de trabalho. A perspectiva do trabalho em rede com suporte de unidades que estão menos pressionadas é também muito importante. Além disso, usar sempre a análise criteriosa em relação à necessidade de permanência de cada RN internado, liberando leitos na perspectiva do cuidado progressivo entre UTI, UCINCo e UCINCa e até mesmo da alta. O foco é garantir o cuidado seguro mesmo na condição adversa da superlotação.

 

7. Qual a importância do profissional horizontal na gestão de leitos?

Esse profissional tem papel central, quando se fala de gestão, compreender a dinâmica unidade e o perfil de pacientes é muito importante. Os profissionais que atuam horizontalmente são que que estão presentes na rotina da unidade, plantão pós plantão. São decisivos para a qualidade do cuidado e plano terapêutico, por toda proximidade com a família durante suas rotinas de trabalho. Além disso, esse é o grupo que vai interagir com os outros âmbitos de responsabilidade na gestão dos leitos e com as dinâmicas da central de regulação para que a unidade não tenha um recomeçar a cada recém-nascido.

 

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