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Principais questões sobre Infecção de Corrente Sanguínea Associada a Cateter / Manejo do Cateter na Sepse

19 jan 2018

A prevenção de infecções associadas ao cateter venoso e o manejo do cateter na sepse são temas importantes para a rotina dos profissionais das Unidades Neonatais. Assim, são apresentadas as principais questões sobre esses temas, abordadas durante Encontro com o Especialista do dia 04 de janeiro de 2018, com a Dr.ª Roseli Calil, médica neonatologista.

A infecção primária de corrente sanguínea (IPCS) associada a cateter é definida pela presença de sinais e sintomas de sepse a partir de 48 horas de vida em uma criança em uso de cateter central ou retirado até 48h (ANVISA 2013). Em sua abordagem inicial, a especialista nos trouxe uma rica apresentação sobre critérios para um correto diagnóstico de IPCS e medidas para a sua prevenção, assim como fatores de risco, fisiopatologia e estratégias terapêuticas.

Após essa apresentação, foram discutidas as seguintes questões:

1) Existe alguma recomendação para o tempo de troca do cateter?
No caso do cateter umbilical, este deve ser passado o mais precocemente possível (assim que a criança apresentar estabilidade para o procedimento ser realizado de forma segura) para que o coto umbilical não esteja contaminado, colonizado por bactérias da flora hospitalar, altamente patogênicas. Não devemos estender o tempo de utilização desse cateter por mais de sete dias. Caso seja necessário o uso de cateter venoso central além desse período, é recomendada a substituição do cateter umbilical pelo cateter percutâneo de inserção periférica (PICC).

2) Um recém-nascido já recebeu vários esquemas de antibióticos, inclusive de Meropenem, e está sem antibióticos há 15 dias. Esse bebê reinfecta, com alteração clínica e laboratorial. Devemos reiniciar o antibiótico pelo último esquema utilizado ou pela Oxacilina e Amicacina, que é a escolha para a sepse tardia? E se o paciente estiver há menos de cinco dias de uso de antibiótico?
Nossa opinião é a de que se for uma infecção considerada nova, não há necessidade de se retornar ao último esquema de mais amplo espectro já utilizado. Se já usei esse tratamento e encerrei a infecção, não necessariamente a nova infecção será por uma bactéria resistente a um esquema mais básico. Assim, mais importante do que somente utilizar antibiótico de amplo espectro é colher as culturas quando se há suspeita de uma nova infecção. Desta forma, é possível na suspeita de um novo episódio de infecção podemos, sim, começar um esquema com Oxacilina e Aminoglicosídeo e, de acordo com os resultados de hemoculturas, cultura de LCR e urocultura podemos substituí-lo ou não. O uso direto da Vancomicina, como antibiótico empírico, só é justificado em uma unidade neonatal onde exista um predomínio de Staphylococcus aureus resistentes à Meticilina, ou seja, resistente à Oxacilina. Essa é a única situação em que, de início, com a suspeita de um quadro de sepse, iniciamos o tratamento com Vancomicina e, se não for isolado uma bactéria multirresistente, ou seja se for um Staphylococcus aureus ou outros Staphylococcus sp sensível à Oxacilina, interrompemos à Vancomicina e completamos o tratamento com Oxacilina.

Nos serviços de neonatologia onde existe o predomínio de infecções de corrente sanguínea, confirmadas por hemoculturas, por Staphylococcus coagulase negativo (como Staphylococcus epidermidis, o Staphylococcus capitis e o Staphylococcus hominis) embora a maioria destes microrganismos sejam resistentes a oxacilina; os profissionais devem iniciar com um esquema menos abrangente. Nessa situação poderá iniciar o esquema empírico com Oxacilina e um Aminoglicosídeo, e, se isolado Staphylococcus coagulase negativo, resistente a oxacilina é realizado então a troca para a Vancomicina, especialmente se foi necessário manter o cateter central.

Assim, esta é a nossa recomendação: não é porque já se usou a Vancomicina ou o Imipenem, que já se chegou ao fim da linha, que numa próxima infecção retornaremos a esse ponto. O mais importante é colher exames de cultura (hemocultura, cultura de liquor, urocultura), e se basear nesses resultados para fazer a adequação do uso de antibióticos.

3) Um recém-nascido de idade gestacional ao nascer de 32 semanas, atualmente com 15 dias de vida, no 10º dia de uso de cateter central de inserção periférica (PICC), infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS) tardia, no 3º dia de Oxacilina e Amicacina, com resultado de hemocultura com Klebsiella sensível à Amicacina, colhido no primeiro dia de antibióticos, e proteína C reativa (PCR) caindo satisfatoriamente. Retira-se o cateter por ser uma bactéria gram-negativo? A infecção sem foco é tratada por quanto tempo, com e sem retirada do cateter?
Sempre quando houver uma infecção por gram-negativo, a chance de contê-la, sem a remoção do cateter, é pequena. As infecções por Staphylococcus coagulase negativo é que, às vezes, conseguimos controlar sem a retirada do cateter, mudando o antibiótico para Vancomicina. No entanto, essas infecções por gram-negativo, geralmente, são graves, com alta mortalidade, e o ideal seria a remoção do PICC se a criança já se encontrar na fase de término da transição, deixando-a com nutrição enteral e mantendo uma veia periférica para administrar o antibiótico.

Contudo, existem casos e casos a serem pensados, não há uma resposta única para essa situação. Por exemplo, se for uma criança com intestino curto, com uma flebotomia, e não há previsão de quando transicioná-la, às vezes vale a pena fazer algo intermediário, assim como no caso exposto na pergunta acima. Quando uma criança, apesar de estar com um cateter central, infectada por Klebsiella sp sensível a Aminoglicosídeo, está melhorando, respondendo ao tratamento; podemos pensar sim em remover o cateter se possível, e completar o esquema antibiótico por veia periférica; porém, se tratar-se de um caso em que percebemos que se retirarmos esse cateter, dificilmente conseguiremos outro; então é válido observar cuidadosamente essa criança que já iniciou o tratamento para combater a Klebsiella sp, colher hemoculturas de controle no mínimo com 24hs de tratamento com antibiótico apropriado e se resultado negativo, não há necessidade de retirar o PICC ou a flebotomia. No entanto se as hemoculturas de controle permanecem positivas, apesar de clinicamente a criança estar melhor, é preciso remover esse cateter.

4) Em situações de necessidade de retirar o cateter e ao mesmo tempo dificuldade em se puncionar uma veia, é preferível manter o cateter mesmo com os riscos dessa ação ou fazer uma flebotomia, ou insistir em veia periférica?
Essa é uma decisão a ser discutida pela equipe como um todo. Sabemos que a flebotomia é o último recurso existente, por isso quanto menos o utilizarmos, melhor. Múltiplas punções também não são inócuas, assim tudo dependerá do quadro clínico da criança e, também, da equipe envolvida no caso. Às vezes, temos uma criança que está em fase de transição de nutrição parenteral (NPP) para dieta enteral, com a possibilidade de retirada do PICC e substituição por uma veia periférica para administrar antibiótico e, se necessário, poderá nessa situação deixar a nutrição parenteral com osmolaridade menor, compatível para infusão em veia periférica. Isso dependerá de uma equipe de enfermagem experiente e das condições rede venosa que essa criança possui. O uso de veia periférica não deve ser proscrito, pois em muitas situações ela é muito importante para tentarmos ser menos invasivos.

O fato é que nas infecções por Staphylococcus aureus, gram-negativos e fungos, sempre que possível, a resposta será a de remover o cateter central para um melhor controle dessa infecção. Porém, se tivermos uma criança cujo acesso venoso já está difícil, talvez a primeira opção não seja necessariamente essa; às vezes, como uma via alternativa (mas não a mais recomendada), antes dessa decisão, se a criança estiver clinicamente estável, pode-se avaliar se a sua hemocultura negativou para, assim, manter o cateter.

5) Sempre que houver o crescimento de um germe gram-negativo, independente do perfil, já troco o PICC? E isso também independe da clínica do RN?
Se fosse para responder a uma questão de prova, seria correto dizer que precisa retirar o cateter porque essa criança tem um grande risco de não conseguir negativar essa hemocultura, quando a infecção é por gram-negativo.

No entanto, precisamos olhar o contexto geral, a clínica do paciente, mais do que olhar somente o exame laboratorial. Se a criança está apresentando uma melhora clínica, uma boa resposta aos antibióticos, às vezes a opção inicial não seja retirar de forma intempestiva o cateter. Numa situação em que estamos em plantão noturno, por exemplo, e não há outra pessoa prontamente a nos auxiliar a colocar outro cateter, não devemos retirar o já existente e ficar sem outro recurso neste período.

Assim, a resposta sempre será esta: gram-negativo, fungo e Staphylococcus aureus, sempre que possível, removemos a cateter (PICC, a flebotomia, ou outro cateter central), sempre avaliando o melhor momento para isso. Talvez não seja esse momento numa madrugada ou com uma criança que esteja numa terceira flebotomia, mas clinicamente estável, em que posso colher uma hemocultura e, dependendo do resultado, conservar essa flebotomia.

6) Um recém-nascido assintomático para infecção, fazendo triagem por fator de risco ou alteração laboratorial, necessita punção lombar em todos?
A criança que é assintomática não precisa colher tantos exames laboratoriais só por fator de risco para sepse precoce. Mais importante do que colher exames é mantermos uma boa observação clínica. Se há um fator de risco para infecção porque a mãe estava colonizada por estreptococo, ou porque houve hipertermia no pré-parto ou pós-parto imediato, mas a criança está bem, podemos observá-la clinicamente e, se surgirem sinais clínicos, deverá ser realizado triagem infecciosa completa, iniciar tratamento e reavaliar com base na evolução clínica e resultado de exames. Quando falamos em coleta de liquor, isso se aplica para a criança que apresenta sintomas de infecção.

Na sepse precoce, em uma criança com desconforto respiratório, que apresenta fator de risco para infecção e, num primeiro momento, não sabemos se isso está associado a uma taquipnéia transitória, membrana hialina ou a uma pneumonia, por exemplo, aí sim precisamos fazer a sua triagem, colher hemocultura, hemogramas e PCRs seriadas. Se esses exames indicarem realmente um quadro infeccioso, vale à pena colher liquor, mesmo que a hemocultura tenha sido negativa, pois a criança com uma infecção verdadeira muitas vezes não apresenta hemoculturas positivas e poderá ter cultura de liquor positivo.

Em resumo, a coleta de liquor é importante para crianças que estão verdadeiramente com sintomas de infecção. Para o assintomático, certamente a resposta é não colher liquor.

7) Sobre o valor da hemocultura colhida do cateter venoso central.
Na triagem de infecção, a recomendação é a de que tenhamos duas amostras de hemocultura e que uma dessas seja colhida por punção de veia periférica e que a outra possa ser pelo cateter central. Isso significa que se crescer somente na hemocultura do cateter central, mas o resultado da veia periférica for negativo, isso significa uma colonização do cateter, e não necessariamente o agente etiológico da infecção suspeita.

O cuidado que devemos ter é saber se as duas amostras de hemoculturas foram colhidas com o volume mínimo de 1 ml, pois, se colhermos amostras com volumes diferentes (1 ml no cateter central e 0,5 ml na veia periférica), a sensibilidade de uma vai ser diferente da outra e podemos estar diante de um resultado falso negativo dessa punção periférica.

8) Numa criança crônica, com diversas flebotomias, com difícil acesso periférico, sem condição de PICC porque o cateter não progride, que apresenta uma hiperemia nos tecidos ao redor do cateter, porém de extensão pequena (relacionada a uma inflamação do tecido pela presença do cateter), devo retirar esse cateter? Existe um parâmetro para mensurar a extensão dessa hiperemia para ser indicação da remoção do cateter?
Existe a possibilidade da hiperemia acontecer, eventualmente, até por uma lesão traumática durante a limpeza da inserção. Cabe, portanto, uma atenta observação clínica para verificar a evolução dessa hiperemia. No entanto o mais importante é que se observar que estamos diante de um processo inflamatório com sinais de infecção, esse cateter deverá ser removido o mais breve possível.

Então, voltando a questão sobre o cateter que está hiperemiado e que essa hiperemia, depois de uma ou duas horas, comece a progredir; nesse caso, precisamos remover o cateter. Se, além dessa progressão, apareçam calor e secreção também neste local, não tenhamos a menor dúvida, há necessidade de retirada do cateter. Também sinais de febre, espaçamento de diurese, hipotensão, choque, etc, certamente são indicações de que o cateter estar comprometido.

O que precisamos, mais do que regras rígidas, é do entendimento das equipes que estão cuidando do paciente sobre o que seja apropriado naquele momento.

9) Aqui no serviço, há um tempo, era usado apenas clorexidina aquosa para os procedimentos em recém-nascidos, por medo de queimaduras. Os profissionais ainda são relutantes com o uso de clorexidina degermante e alcoólica. Só seria aceito o uso da clorexidina aquosa no cateterismo umbilical de prematuros? Existe alguma especificação para recém-nascidos com peso <1000g)?
Para o bebê prematuro extremo, com peso menor do que 1000, 1250g, vai depender da observação de quem está fazendo o procedimento. Se a pele é extremamente gelatinosa, vale à pena usar clorexidina aquosa. É importante lembrar que a clorexidina aquosa também pode causar queimadura química, embora em menor chance, por isso a sua utilização no cateter umbilical precisa ser de forma econômica.

Quando o PICC é passado já entre o quinto e o sétimo dia de vida dessa criança, a sua pele já tende a estar mais resistente pelo seu contato com o ambiente, assim a equipe que fará o procedimento do PICC é quem vai optar por qual clorexidina usar. No país, de um modo geral, é a clorexidina alcoólica a mais utilizada para fazer a complementação. Contudo, se a criança estiver bem limpa, sem muito resíduo de sangue, também é válido passar, de forma delicada, o soro fisiológico morno e complementar com a clorexidina aquosa de forma econômica. Mas aqui a nossa prática, mesmo com o prematuro extremo, é realizarmos de forma bem delicada a degermação com clorexidina degermante, retirarmos seu excesso com soro morno para evitar a hipotermia no recém-nascido e complementarmos a antissepsia só na região periumbilical, entre a geleia, com clorexidina aquosa, usando a fixação em ponte, com um pequeno pedaço de hidrocolóide para proteger a pele na fixação da ponte.

10) Nos casos de infecção primária de corrente sanguínea por gram-negativo ou Staphylococcus aureus, confirmada laboratorialmente, em que não há possibilidade técnica de troca de cateter, o RN evoluindo com melhora, devo aumentar o tempo de tratamento por não retirar o cateter?
Normalmente, quando há uma infecção primária, por gram-negativo ou Staphylococcus aureus, sem localização, e precisamos manter o cateter para dar antibiótico, ou para a nutrição parenteral, o tratamento é de pelo menos 14 dias.

Contudo, se estamos no décimo dia de tratamento e a criança apresenta boa evolução clínica, com PCR descendente tendendo à normalidade, hemocultura de controle já negativada e terminando a transição, normalmente podemos remover esse cateter e administrar o antibiótico por mais 24-48 horas por veia periférica e encerrar o tratamento. Assim, não deixaremos o PICC para tratar uma infecção porque não temos acesso venoso para dar o antibiótico. Somente manter o cateter central e ampliar o tempo de antibiótico se realmente a justificativa para manter esse cateter seja para seu uso em outras finalidades.

 

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