Sistematizamos as principais questões sobre Método Canguru e Neuroproteção enviadas pelos usuários do Portal durante Encontro com os Especialistas Zeni Carvalho Lamy, médica neonatologista da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Sergio Marba, médico neonatologista da Unicamp e, Nicole Gianini, médica neonatologista da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS/RJ); em 28/03/2019.
O neurodesenvolvimento adequado e a prevenção de sequelas neurológicas continuam representando um desafio no cuidado neonatal. O termo de neuroproteção se refere a um conjunto ações realizadas pelas equipes multidisciplinares das unidades neonatais que visam minimizar danos que levem a agravos neurológicos e, consequentemente, promover melhores resultados dos cuidados neonatais.
O cérebro de um bebê que nasce prematuramente ainda está em formação e as estratégias para neuroproteção reúnem uma série de intervenções no ambiente tentando mimetizar o ambiente intrauterino e que qualificam o estado do recém-nascido prematuro. Tais ações protegem o cérebro, ainda em formação, no ambiente de uma unidade neonatal garantindo potenciais de neurodesenvolvimento e de neurocomportamento a essa criança.
Assim, a neuroproteção deve estar presente em todo o cuidado neonatal e isso inclui o ambiente (controle de ruídos e de luminosidade), a organização dos processos de trabalho, o estímulo à presença dos pais e outros.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!
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Perguntas & Respostas
1. Que orientações vocês poderiam passar para fazer a posição canguru com segurança em um bebê ainda entubado?
Primeiramente, se o bebê estiver entubado, precisamos verificar se ele está clinicamente estável, hemodinamicamente estável, porque ele pode estar entubado e estar clinicamente bem, estar entubado por alguma questão em que precise da ventilação.
É importante que ele esteja hemodinamicamente estável e este é o passaporte inicial para que iniciemos, estando a mãe tranquila e o bebê estável, o processo de trabalho de colocar o neném entubado, de forma segura, na posição canguru. Esse processo nunca deve ser realizado por apenas um profissional pois é impossível uma criança entubada, monitorada, provavelmente com acesso vascular, ser colocada na posição canguru somente por uma pessoa. Esses pacientes precisam de dois ou até de mais profissionais para serem posicionados com a segurança que deve ser obedecida.
De maneira geral, a mãe fica em pé, pegamos o neném embrulhado para não perder calor e colocamos na posição, ao encontro do peito da mãe, verificamos as conexões (por exemplo, o acesso vascular, o tubo, o circuito e todos os demais dispositivos tem que permitir que a criança chegue até a posição e não fiquem tracionados). Ao colocarmos ao encontro do peito da mãe, verificamos se está tudo funcionando adequadamente, colocamos a faixa e a mãe pode se sentar (a cadeira já estará ao lado).
O importante, para que ela seja beneficiada pela posição canguru, é ficar no mínimo uma hora para a criança se reorganizar e conseguir aproveitar todos os benefícios da posição.
Em relação a esse tópico do neném entubado, temos as Diretrizes do Método Canguru, do Ministério da Saúde (2018), que colocam o passo a passo de cada item que foi falado, e acho que é um material bem interessante para vocês acessarem e realizarem esse método mesmo na criança entubada. Nessas diretrizes, há um capítulo especificamente voltado para o recém-nascido entubado. Todo bebê estável, entubado, independentemente do tempo de vida, pode fazer a posição canguru. Já temos evidências científicas mostrando que o Método Canguru é benéfico para a ventilação mecânica; existem trabalhos e revisões sistemáticas que nos apontam isso.
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2. A lateralização da cabeça pode causar hemorragia cerebral?
Essa é uma questão que já foi bastante discutida. Recentemente, saiu uma publicação da Cochrane Library falando exatamente se a posição média da cabeça poderia contribuir para hemorragia cerebral. Esse artigo é bem interessante e trata-se de uma revisão mas, infelizmente, não existem muitos estudos sobre esse assunto. Na verdade, este estudo fez um levantamento e apenas foram identificados dois artigos falando sobre essa questão. A metanálise, fazendo estudos desses dois artigos, mostrou que não existe diferença entre a posição lateralizada e a posição neutra. O estudo concluiu também que precisamos de mais evidências, de mais trabalhos, mas, por enquanto, com esse trabalho que temos, não podemos afirmar que a lateralidade da cabeça possa levar à esta consequência.
A fisiopatologia em relação a esta questão seria que, ao deixar a cabeça muito lateralizada, o retorno venoso diminuiria formando um represamento do sangue que poderia, num cérebro mais susceptível, levar a uma hemorragia cerebral; essa é a hipótese que se faz, mas, nesse trabalho, essa hipótese foi testada e não foi concluída. Deixo bem claro que são apenas dois estudos, mas que dizem exatamente isso.
A minha opinião é usar o bom senso, não precisa deixar a criança o tempo todo lateralizada, não precisa deixar a criança o tempo todo na posição neutra; acho que se pode fazer é observar a criança e proporcionar a ela bem-estar de acordo com suas necessidades. Então, nem tanto uma coisa, nem tanto outra; um pouco que essa criança fique lateralizada, pelo que consta nos trabalhos, não tem importância. Acho que a grande dica no cuidado neonatal e na neuroproteção é fazer o cuidado individualizado, olhar para a criança e fornecer o que ela estiver precisando. Imaginar, o tempo todo, a criança apenas numa posição é ruim, então troca-se de posição, sempre em duas pessoas, com cuidado, com segurança. Mas, na literatura, é isso que temos, hoje, para responder.
É interessante que a gente pense em outra questão também; quando viramos a cabeça de lado, ocorrem algumas alterações de ventilação e precisamos lembrar isso. É muito importante esse artigo que faz referência à posição e à incidência ou não de hemorragia, mas é necessário pensar também que, para o paciente que está em ventilação, precisamos tomar cuidado com essas posições que podem alterar a dinâmica de ventilação. Então, é importante singularizar o cuidado, ver em que posição a criança está confortável, evitar a permanência prolongada na mesma posição, considerar o mínimo manuseio, mas pensar em mudar as posições de forma segura, não deixando somente lateralizado ou somente centralizado, considerando a dinâmica da ventilação (que é outro item que merece nossa atenção assim como a preocupação com a hemorragia).
Como vocês podem ver, todas as respostas que já demos e que vamos dar são baseadas evidências científicas, porque temos uma preocupação enorme com isso. O Ministério da Saúde, o grupo de consultores do Método Canguru, tem grande preocupação de que nossas práticas e condutas sejam baseadas em evidências.
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3. Posso colocar o bebê na posição canguru nas primeiras 72 horas?
A posição canguru, de alguma forma, cria certa lateralização da cabeça do bebê, mas que não precisa ser intensa, que pode ser muito delicada, muitas vezes o bebê até gosta de ficar cheirando o peito da mãe e isso praticamente não lateraliza a cabeça. Então, não existe evidência que garanta que a lateralização aumente a hemorragia, e nós temos trabalhos mostrando que é bom para o bebê (melhoram-se vários parâmetros) o início precoce da posição canguru. Quando o bebê está em neuroproteção nas primeiras 72 horas (na verdade é preciso estar em neuroproteção durante toda a internação, mas essas primeiras horas representam um momento muito importante), neste período é preciso lembrar que Método Canguru é neuroproteção. Uma coisa não é incompatível com a outra.
O mais importante que temos que fazer é basear o nosso processo de trabalho e a nossa prática na unidade neonatal em evidências científicas. E o que temos de robustez na ciência para respaldar que o Método Canguru faz neuroproteção?
Quando você coloca o neném na posição canguru, ele diminui a liberação de catecolaminas, que é uma substância de estresse, ficando muito mais confortável e isso diminui o corticoide que interfere na imunidade.
Então, hoje, não existem dúvidas, as evidências são muito robustas, de que o processo de trabalho do Método Canguru tem muitos benefícios e, para a neuroproteção, é inconteste. Colocar a criança numa posição em que ela fique confortável e tenha menos catecolaminas circulantes (que altera a sua pressão e pode causar hemorragia pela alteração da pressão vascular), vai propiciar a neuroproteção.
Então, não há nenhuma dúvida mais de que, se o bebê estiver estável e se a mãe desejar, colocar o neném, nas primeiras 72 horas de vida, na posição canguru seja neuroproteção.
Mesmo que ele fique com a cabeça um pouco mais para o lado, pode-se colocá-lo um pouco para o outro lado, seguindo o bom senso e singularizando o cuidado. Assim, ele vai se beneficiar porque estará menos estressado, vai ventilar melhor, melhorando a dinâmica ventilatória, e são tantas benesses que todas terminam também culminando em neuroproteção.
Essa questão das 72 horas surgiu por conta de que 90% das hemorragias intracranianas acontecem nas primeiras 72 horas e isso é fato. Mas isso acontece porque a criança está ainda instável, sob cuidados importantes. Então, por que surgiu esse conceito das 72 horas? Foi por conta disso, da ocorrência de hemorragia cerebral.
Mas, precisamos lembrar que não é só hemorragia cerebral, além disso, insisto na questão da formação cerebral. Esse cérebro está sendo formado, então precisa de cuidados de uma maneira mais integral. Respondendo objetivamente à pergunta, poder, pode, mas sempre utilizando a questão do bom senso: não vai colocar na posição canguru uma criança chocada, uma criança instável que acabou de receber surfactante, etc.
Às vezes, as pessoas vão de um extremo ao outro; então já vi unidades que deixam a criança por 72 horas sem ser pesada e não concordo com isso. Acho que é uma criança que está sob cuidado, que precisa ser pesada, precisa checar a pressão, a nutrição e etc.; a nutrição dessa criança é importantíssima para o seu desenvolvimento cerebral. Então, tenho visto algumas situações que, nessa questão de fazer a neuroproteção, acaba-se se esquecendo da criança; a criança está lá e precisa ser cuidada.
A nossa conversa aqui é que precisamos cuidar dessa criança de outra maneira, checando a pressão com cuidado, colocando na posição canguru com cuidado e essa é que é a questão importante. Existe a hemorragia sim, mas se você fizer isso com cautela, com cuidado, em dois ou três profissionais, permitindo que a mãe fique junto com sua criança, a equipe toda cuidado da criança, isso é fundamental.
Estou com um artigo de 2018 sobre cuidados neuroprotetivos no bebê prematuro extremo nas primeiras 72 horas que é categórico na questão do contato pele a pele, da presença da mãe, da presença do pai, juntos com nutrição, com hidratação, etc. É um artigo muito interessante que fala exatamente o que temos falado ao longo dos anos: neuroproteção nas primeiras 72 horas é bebê no contato pele a pele.
Observem quantas dúvidas que existem e que atrapalham a vida do bebê. A questão mais importante é cuidar, e acho que, para a gente cuidar bem, duas coisas são primordiais: bom senso e cuidado individualizado.
A preocupação com os bundle (pacote de medidas), com a regra de não se fazer tal coisa nas primeiras 72 horas, ou faça tal coisa; isso não pode ser assim.
Temos que olhar para cada bebê; existe criança que não poderá ir para a posição canguru nem depois das 72 horas, mas tem bebê que, com 24 horas, com segurança, poderá se beneficiar da posição canguru. O que vai determinar isso? A estabilidade do bebê, o desejo e sentimento dos pais. Se o bebê estiver estável, se pai e mãe desejarem, o melhor lugar para esse bebê está no contato pele a pele.
Se já sabemos e temos evidências de que o contato pele a pele diminui a sepse, diminui o estresse, melhora o aleitamento, melhora o tempo de sono profundo, melhora a oxigenação, se a gente sabe da importância disso para a sobrevida do bebê e para a qualidade de vida futura, para o vínculo e demais vantagens, não podemos retardar isso.
O que temos colocado muito, em todas as unidades do país, é que temos que pensar no tamanho da responsabilidade que temos nas mãos; se já temos todas essas evidências do contato pele a pele, não podemos nos acomodar. Só não devem ir para a posição canguru, o mais precoce possível, aqueles bebês que, concretamente, não conseguem.
Às vezes você não pode colocar o bebê na posição canguru, mas a mãe pode estar ao lado; às vezes as pessoas se fixam numa determinada ação, no caso o contato pele a pele, mas este é uma parte do método. Então, quando você não pode colocar na posição canguru, a mãe pode ficar ao lado, pode tocar a criança e outras coisas que podem ser feitas (controle da luminosidade, do barulho, etc.). Então, vejo muito as pessoas se fixando num ponto e se esquecendo de milhares de outros pontos.
4. Como posso explicar para a equipe da minha UTI que o Canguru melhora a neuroproteção?
A melhor forma de você convencer a equipe é mostrando as evidências, fazendo reuniões e mostrando as evidências. Você pode utilizar este Portal e os consultores do Método Canguru. Isso não é uma seita, não é uma religião, mas sim um processo de trabalho baseado em evidência científica. Essa é a força motriz do nosso trabalho na unidade neonatal. Então, se você deseja que, na sua unidade, as pessoas que lá trabalham saibam que o Canguru é uma estratégia muito importante para a neuroproteção, você não vai conseguir explicar isso. É preciso pegar os artigos, colocar as evidências, mostrar desenhos de estudos, fazer metanálise; só assim que você vai conseguir incorporar isso como uma boa prática inquestionável. É preciso usar todas essas estratégias de artigos, de revisões, etc. para o aprendizado na área neonatal.
Esse processo precisa ser lento, sem embates, na base da informação, e não na imposição. Não é um trabalho fácil, demoramos muitos anos para incorporar essa tecnologia e fazer um “contrato” com as pessoas. Estive em alguns locais, principalmente em locais universitários, em que existia muita resistência; lugares com mais dificuldades de implantar o método e isso se faz com conversa, com exemplo, indo devagar. Chegamos com vontade de logo mudar tudo, mas com embates e brigas não resolve; é um dia após o outro que faremos pequenas mudanças. Nós aprendemos pelo jeito convencional, sem mostrarem porque seria a melhor maneira de ensinar, e dessa maneira é muito difícil mudar as atitudes. É estudando, selecionando artigos e colocando-os à mesa, fazendo rodas de conversa que se consegue.
Hoje em dia, com todas as evidências, é até inadequado não implementar estas boas práticas no cuidado neonatal; vocês não pensam assim? Se formos a algum evento internacional para discutir ventilação mecânica, septicemia ou qualquer outro tema, quais são as imagens que os palestrantes projetam? São imagens de bebês em posição canguru, porque os centros mais avançados já reconheceram que é impossível cuidar de um recém-nascido sem garantir as vantagens que o Método Canguru possibilita.
Queremos que as nossas unidades façam tudo o que seja mais importante para o bebê, e hoje essa é uma das questões mais importantes para a sobrevida e para a garantia da qualidade de vida do bebê. Temos trabalhos que acompanham essas crianças e acompanham adultos de 20 anos, mostrando evidências de diferenças entre crianças que, no início da vida, utilizaram o Método Canguru e as que não usaram. É preciso pensar nisso e promover muitos estudos na unidade caso isso não esteja ainda totalmente implementado.
5. Se logo no início da vida eu preciso promover o mínimo manuseio no prematuro extremo, não posso colocá-lo na posição canguru?
Sobre o mínimo manuseio, por exemplo, seria aspirar o tubo de um bebê prematuro, que acabou de nascer, e há a questão de você singularizar o cuidado. Você precisa ver a necessidade daquele bebê; precisa aspirar o tubo de tantas em tantas horas? É isso que quer dizer o mínimo manuseio: faremos os procedimentos que forem necessários, sabendo que uma estratégia de neuroproteção é você minorar o estresse, evitando uma hemorragia cerebral e garantindo o seu desenvolvimento saudável.
Então o mínimo manuseio é não fazer coisas intempestivas, é mexer no que precisa, é o cuidado individualizado, usando o que precisa fazer. Precisa fazer gasometria a cada mudança de parâmetro ou hoje o saturímetro norteia a ventilação? Então o mínimo manuseio consiste nisso, e não adianta abandonar a criança por 72 horas sem aferir pressão, sem verificar se está tudo bem. Não é abandono por 72 horas, é o uso racional da intervenção por 72 horas (período de maior instabilidade); mas se ele estiver estável, toda a sua equipe deve ser construtora da informação de que colocar na posição canguru é uma estratégia de neuroproteção.
As pessoas estão confundindo o mínimo manuseio com não mexer na criança. Então, para reforçar: mínimo manuseio não significa não mexer na criança; é mexer na criança de uma maneira adequada e quando necessário. Vai deixar a criança sem trocar fralda? É preciso trocar a fralda de maneira delicada, em duas pessoas e, se possível, junto com a mãe. É fazer de uma maneira diferente, organizando as manipulações sem esgotar a criança. No meu serviço, temos o menor índice de hemorragia cerebral da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais e fazemos exatamente assim. Conheço muitos lugares que agem diferentemente e a hemorragia cerebral é elevada, então não é aí que está o problema, e sim no cuidado. Nós manipulamos a criança de maneira adequada, na hora certa e conseguimos esse resultado. Nesse marcador de hemorragia, no mundo inteiro conseguiu-se a redução da hemorragia cerebral com essas práticas e também se conseguiu reduzir muito a mortalidade dessas crianças, cuidando delas cada vez melhor.
Assim, recém-nascido pré-termo extremo, em mínimo manuseio, precisa ter cuidados, e o Método Canguru faz parte do cuidado. Se ele estiver estável, se sua mãe estiver disponível e se sentir segura para isso, ele pode sim ir para a posição canguru.
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6. Onde trabalho, a equipe muitas vezes diz que colocar em contato pele a pele, na UTI, dá muito trabalho. Qual a experiência de vocês? Como posso comprovar os benefícios?
Muita coisa dá trabalho na UTI. Cuidar de bebês dá trabalho e vamos discutir como temos vencido essas questões no dia a dia tão intenso de uma UTI neonatal.
O que temos que pensar é que não somos as pessoas mais importantes daquele local, o artista principal é o recém-nascido, então a minha preocupação tem que ser muito menos comigo e muito mais com a criança. E se para a criança isso é importante, não importa o trabalho que vai dar.
Muitas pessoas reclamam que há poucos funcionários, mas isso depende muito de organização; muitas vezes todos estão fazendo as mesmas coisas. Trabalhamos a questão da equipe, de cada um ter um papel; quando começar o plantão, definir o que cada um fará naquele dia. A questão é muito mais de organização do que de falta de funcionários.
Podemos, também, ocupar a mãe e o pai da criança, fazendo-os exercer os papéis que têm naquele momento e isso é algo muito importante. E o importantíssimo para tudo isso é a capacitação, não se pode falar para a pessoa fazer porque você quer. É preciso apresentar os artigos para as pessoas, ler junto, fazer cursos, ensinar, conversar. Isso dá trabalho, mas é preciso fazer porque é bom para o recém-nascido.
Todos os processos dão trabalho, por exemplo, o uso racional de antibiótico, a retirada da ventilação e colocar no CPAP, etc. Então, colocar o bebê no canguru vai dar trabalho; mas ele ficará uma hora na posição e você poderá fazer outras coisas, uma vez que a família vai tomar conta do bebê. Assim, você terá esse trabalho, mas terá uma hora para realizar outras tarefas; é preciso sistematizar as tarefas e organizar o dia.
Existem as dificuldades do processo de trabalho, mas elas são muito importantes, e se acreditarmos na contribuição que a posição canguru vai trazer para o bebê e para a mãe, venceremos isso. Trabalhamos por muitos anos na UTI neonatal, e lembro-me de iniciar o trabalho, na época, com um gêmeo numa ala e o outro gêmeo em outra ala completamente distante. A gente se organizava para juntar os bebês, para a mãe poder ficar junto e isso dava trabalho. A equipe falava do trabalho que dava fazer isso, mas fazia de boa vontade porque a gente negociava, compactuava e discutia o quanto fazia bem para os pais estarem com os seus bebês juntos. Então, é vencer o protocolo do dia a dia e conseguir posicionar o bebê na posição canguru.
As evidências a favor são robustas e são tantos benefícios além da neuroproteção, como o controle de infecção, o aleitamento (que se desdobra em todas as vantagens do leite materno), que é difícil trabalhar na neonatologia sem o canguru. Não consigo imaginar não implementar esse processo de trabalho se queremos fazer neonatologia.
O bebê em posição canguru vai sentir menos dor, vai ficar menos estressado, vai ter estímulos sensoriais positivos (sentir o cheiro da mãe, ouvir os batimentos cardíacos) e isso vai deixá-lo mais seguro. A comprovação desses benefícios são as evidências científicas.
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7. De que maneira podemos sensibilizar toda a equipe da UTI neonatal sobre o cuidado com o RN prematuro, em relação à neuroproteção, uma vez que o follow up, na maioria das vezes, não nos dá feedback desses RNs?
É muito importante que a equipe do follow up e a equipe da unidade neonatal conversem. Muitas vezes, até plantonistas da unidade neonatal também fazem follow up, mas se tiverem habilidade para isso. É muito importante sabermos como cada bebê está evoluindo, muitas vezes aprendemos muito com isso e podemos, até, rever práticas se ocorrem muitos casos, por exemplo, de retinopatia, de problemas de neurodesenvolvimento, etc.
Não é fácil sensibilizar a equipe; é estudando, é mostrando o que foi implementado e os bons resultados gerados; é preciso estudar e comparar os casos no cotidiano, aliando conhecimento com o que está sendo visto. Na unidade, você conseguirá perceber benesses mesmo que você não tenha follow up; o próprio dia a dia na unidade, se você comparar uma família que perdeu a oportunidade de fazer a posição com outra família que fez, terá resultados muito evidentes de que a criança teve um salto de qualidade e terá uma evolução melhor.
É muito importante medirmos os nossos resultados, então essa conversa com follow up é muito importante; em cada unidade, precisamos saber quantas crianças nasceram, quantas morreram, quantas estão com retinopatia, como elas cresceram, como é a questão de hipotermia etc. Quando olhávamos nossos casos de hipotermia, ficamos alarmados com a quantidade de crianças que chegavam hipotérmicas na UTI (40% a 50%), mas trabalhamos muito para mudar isso e hoje abaixamos para 10% a 15%. Se a gente não olha, a gente não acredita; então, olhar e medir os números é muito importante. É importante, também, se colocar no lugar da pessoa; a criança sente, enxerga, percebe, então se coloque no lugar dessa criança e pense no que você gostaria que fizessem. Você vai perceber que o que você gostaria é justamente o que estamos falando aqui: cuidado, atenção, carinho. Lembre-se dos familiares dessas crianças, tome depoimentos e não queira para o bebê aquilo que não deseja para você. Além das evidências, existem o bom senso e a lógica.
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8. As estratégias para neuroproteção e do método canguru podem se potencializar na promoção do melhor cuidado ao RN?
Sem dúvidas de que a estratégia do Método Canguru garante neuroproteção e que neuroproteção, além das outras estratégias de singularizar o cuidado, fazer o plano terapêutico para cada criança nas primeiras 72 horas, tomando o cuidado de fazer as intervenções quando elas de fato forem necessárias, é o melhor cuidado. Você pode ficar muito segura sobre isso, porque não somos apenas nós que estamos compartilhando isso, mas conosco existe muita gente, muita literatura. Você pode ficar muito serena de que isso deve ser implementado, de que é uma boa prática e de que vale a pena todo esse trabalho.
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