Sistematizamos as principais questões sobre Monitoramento e Qualidade no Cuidado Neonatal abordadas durante Encontro com as Especialistas Maria Auxiliadora Gomes e Cynthia Magluta, médicas pesquisadoras do IFF/Fiocruz, em 11/04/2019.
Para melhorar os resultados assistenciais, os profissionais necessitam saber o que fazem, como estão fazendo e ter a capacidade de aprimorar o processo de cuidado.
A maior oportunidade de melhorar os resultados assistenciais provavelmente não virá da descoberta de novos tratamentos, mas sim da aprendizagem e da possibilidade de tornar mais eficazes as terapias já existentes; através da revisão dos processos e das práticas visando o aprimoramento do cuidado. Também é fundamental conhecer o perfil dos pacientes, dos recém-nascidos admitidos nas unidades neonatais, para planejar, definir estratégias e ajustar condutas buscando o aprimoramento. E ao final, a capacidade de monitorar o desempenho, embora desafiadora na área da saúde, é essencial para melhorar a qualidade do atendimento.
Sabemos que é muito difícil, mas as equipes multiprofissionais envolvidas nos cuidados, diaristas e plantonistas, precisam conhecer os processos e seus resultados como um todo e não apenas de forma fragmentada. E levar esse conhecimento a todos é um desafio pois, se não conseguimos apresentar o resultado do monitoramento como um retrato do serviço, a visão do profissional sobre a prática muitas vezes não corresponderá ao que realmente acontece.
Nos últimos anos pudemos observar uma grande organização das unidades neonatais em termos de melhorias de suas estruturas e cuidado prestado, assim como observamos o estabelecimento de redes colaborativas integradas por várias unidades neonatais, com foco na melhoria do resultado neonatal. As unidades integrantes da rede se agregam em torno de um banco de dados padronizados que, a partir da inserção dos resultados de cada unidade, geram em determinados períodos os resultados médios dos indicadores definidos e cada unidade monitora e analisa os seus resultados assistenciais a partir da média do resultado de todos, identificando oportunidades de melhoria e aprimoramento. Esta estratégia está muito bem estabelecida em vários países e temos como exemplos a Rede Vermont Oxford, integrada por unidades neonatais de vários países e a Rede Canadense de Cuidado Neonatal.
Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.
O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!
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Download da apresentação em: <https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/58170>
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O monitoramento através de indicadores deve ser contínuo, possibilitando uma vigilância contínua, ciclos de melhoria e a coleta de dados padronizados e comuns a várias unidades, permitirá que os seus resultados sejam comparáveis.
Indicadores utilizados com frequência no cuidado neonatal:
Perfil do recém-nascidos
Sobrevida
Evolução na internação
Alguns outros indicadores hoje são estratégicos no contexto do cuidado neonatal no Brasil e estão listados abaixo:
Além disso, para um bom monitoramento, contínuo e sistemático, a confiabilidade da base de dados é fundamental e, para isso, é preciso que se realize um bom registro de base hospitalar das informações sobre os pacientes, seja em prontuário físico ou eletrônico.
Perguntas & Respostas
1. O cuidado neonatal ideal em sala de parto ainda é um grande desafio. A amamentação na primeira hora, a redução de condutas invasivas são preocupações relevantes. A participação materna vem sendo estimulada e, ao mesmo tempo, questionada frente à execução destas condutas. Como lidar com o plano de parto no que diz respeito aos cuidados imediatos com o bebê?
Para avançarmos e melhorar nesta questão, precisamos saber como estamos. Já conseguimos garantir que o bebê fique em contato pele a pele, a amamentação na primeira hora, a não realização de procedimentos desnecessários (que podem ser colocados depois), deixando o bebê e a sua mãe com o que é considerada uma boa prática?
Para saber como estamos, precisamos monitorar, fazer contas, ter indicadores. Esse indicador precisa estar registrado; temos o hábito de registrar o peso, a avaliação da idade gestacional, se precisou ou não de manobras de reanimação, etc., mas não registramos o contato pele a pele, a amamentação. Esse é um ponto importante e, assim como os outros pontos do cuidado, é um desafio ainda no registro inicial.
2. Quais são os principais desafios para o monitoramento de indicadores neonatais?
É entender que isso é algo intrínseco do trabalho do cuidado neonatal, entender o valor desse monitoramento. O monitoramento é algo de todos da equipe, algo que é construído por todos, desde a coleta até a análise. O monitoramento é a nossa lanterna, a nossa luz; se não estou enxergando o que estou fazendo, como sei que estou indo bem? É preciso saber para onde ir, esse é um dos fundamentos da gestão de qualidade dos serviços e do próprio monitoramento (que é uma das etapas da gestão de serviços). Então, considero que os principais desafios sejam, primeiramente, conceber que o monitoramento faz parte do serviço, que envolve todos e, do ponto de vista mais formal, a padronização, a coleta conjunta, o estudo da literatura e a ousadia de se colocar em rede e se comparar com o outro. Esse é um aspecto que as empresas chamam de benchmarketing e nós consideramos que a experiência das redes colaborativas permite olharmos para o outro (que é semelhante a sua unidade, porque você tem a estrutura de peso, de idade gestacional, você conhece como está o outro serviço) e analisar os resultados.
3. Qual a importância e por que monitorar o cuidado neonatal?
Porque para a gente avançar, cuidar melhor dos recém-nascidos e de suas famílias, precisamos saber de quem estamos cuidando (o perfil desse conjunto de bebês), como estamos cuidando (qual é o nosso padrão de uso de antibiótico, padrão de suporte ventilatório, quais são as nossas escolhas para o suporte nutricional, qual padrão de medidas para a neuroproteção), o quanto estamos conseguindo usar o conjunto de boas práticas e quais são os nossos resultados, qual é a nossa taxa de Retinopatia da Prematuridade. Outro indicador muito estratégico (que deve ser incluído na lista apresentada anteriormente) é a proporção de recém-nascidos que passa pela UTI neonatal e que tem alta em aleitamento materno exclusivo. Esse é um resultado da qualidade do cuidado neonatal absolutamente estratégico para o Brasil, pela nossa competência, pela nossa tradição, pelo nosso protagonismo na promoção do aleitamento materno. Recentemente, no Congresso Brasileiro de Perinatologia, a Profa. Elizabeth Moreira, falando sobre e enterocolite necrotizante, trouxe a informação de que a nossa incidência de enterocolite é melhor hoje, no Brasil, em função no nosso esforço de garantir o leite materno da própria mãe, de forma precoce; o Brasil tem um trabalho importante com a rede do banco de leite. Assim, para conhecermos esses nossos resultados é preciso monitorar, essa é a importância.
4. Quais são os principais indicadores que um sistema de monitoramento de assistência neonatal deve acompanhar?
A listagem que apresentamos inicialmente é importante e gostaria de agregar a questão de que a satisfação da família, a percepção da família é um indicador de outra natureza (é a opinião da família sobre como ela está vivenciando o cuidado), mas também é muito importante. Nós, aqui no Portal, sempre reafirmamos que, ao lado de ventilar, nós temos que acolher a família, pensar a neuroproteção, o manejar da dor; todas as questões não são “OU”, são “E”. Assim, quando falamos dos indicadores, muitas vezes estamos ainda muito preocupados na redução da morbidade e da mortalidade (que temos como desafio), mas é preciso também pensar outros indicadores que avancem para essas dimensões tão caras do cuidado (o acolhimento à família, o manejo da dor, o posicionamento do neném, da construção do ninho, etc.). Como que essas coisas podem ser percebidas pelas famílias e pelos próprios profissionais? Uma equipe que se sinta realizando um trabalho do qual ela se orgulha, a satisfação profissional, é também um aspecto que devemos considerar num rol ampliado de indicadores. Agora, se estamos ainda iniciando nesse processo de monitoramento, vamos focar nos indicadores de morbidade e de mortalidade que são centrais no nosso cuidado.
5. Tenho grande dificuldade com os registros em prontuário na minha instituição. Como garantir a confiabilidade dos dados que irão compor os indicadores?
No rol dos desafios, esta questão é central. Precisamos saber o que estamos fazendo, mas se a composição desse monitoramento, desse indicador, começar errado, se o dado é falso, isso pode trazer muitos problemas. Então, antes mesmo de chegarmos a essa perspectiva do monitoramento, o registro adequado da informação é fundamental para o cuidado individual, o cuidado singular de cada criança, de cada paciente, de cada recém-nascido depende de uma continuidade de registros (principalmente quando estamos falando de cuidado 24 horas por dia, sete dias por semana, que caracteriza o cuidado intensivo neonatal, considerando a instabilidade e vulnerabilidade dos pacientes de terapia intensiva e do cuidado neonatal).
Então, é tarefa de cada profissional e das lideranças de processo de enfermagem, de área médica, de gestão do cuidado clínico, do cuidado horizontal, da coordenação da rotina; é uma atribuição individual e dos níveis de gestão dos cuidados subsequentes garantir o registro adequado e isso é vital para o caso individual. Para isso, temos o registro, a origem desse registro num prontuário físico ou eletrônico. Para o conjunto de profissionais que está empenhado no mesmo objetivo de melhorar o cuidado, garantir recém-nascidos mais saudáveis com qualidade de vida após a passagem pela UTI neonatal é importante defender a qualidade do registro inicial para o monitoramento, mas antes de tudo para a clínica.
O registro é o fundamento da clínica, porque se a gente não registra o que está vendo na clínica, como dar continuidade ao cuidado clínico? Se tivermos isso como norma, com compreensão profunda e ética, teremos boas informações para o monitoramento. Além disso, podemos pensar, como maneira de facilitar o trabalho, em sistematizar o prontuário, formatando os itens que precisam ser registrados e que podem funcionar como lembretes daquilo que é muito relevante. Sempre deverão ter espaços abertos no prontuário para que as situações variadas sejam registradas, no entanto, as formatações podem ser uma ajuda formal e concreta. Como fazemos esses formulários? Olhem na literatura, combinem com toda a equipe e elaborem um formato em que a equipe se sinta confortável, pensando nestes grandes momentos: o da internação (em que os dados são centrais para um perfil longitudinal dos períodos da internação) e o momento da alta (em que muitos serviços têm um resumo de alta, etc.). Mas, sendo absolutamente solidária, acho que a garantia da confiabilidade dos dados é um objetivo central no monitoramento e a nossa sugestão é discutir a importância disso para o cuidado clínico. Isso será usado depois para o monitoramento. É claro que pensar no monitoramento como ferramenta central ajuda a definir esse padrão de registro e essa formatação do registro da internação que auxilia a equipe, no dia a dia, a não deixar de registrar aquilo que seja relevante e que orienta e induza as boas práticas. Acho que assumimos, aqui, falando como Fiocruz, como Ministério da Saúde, e convocando inúmeros parceiros, como a Sociedade Brasileira de Pediatria, a pensar em sugestões de padrões de registros do cuidado neonatal que possam ser adaptados e utilizados de acordo com a realidade.
6. Como o monitoramento do cuidado pode impulsionar a qualidade assistencial?
Desde sempre, os serviços de neonatologia nos países que tem os melhores indicadores perinatais trabalham monitorando os seus dados, porque estes funcionam o tempo todo como luz, como norte do perfil dos bebês, como orientação de como estamos cuidando, possibilitando que os ajustes sejam feitos cada vez com um grau de refino melhor. Por exemplo, se o nosso resultado de aleitamento materno exclusivo na alta, estiver ótimo, significa que nas minhas internações 60% a 70% dos bebês saem com aleitamento materno exclusivo. Mas ao olhar para os muitos pequeninos, observamos que o índice é baixo, essa é uma situação mais desafiadora, mas como podemos melhorar isso? E, novamente, superando a perspectiva que muitas vezes os clínicos consideram como burocracias e estatísticas, conversar com eles, principalmente com aquela parcela da equipe clínica que vai a plantões, que não está todos os dias no serviço; ter esses espaços de diálogo para discutir os resultados. Então, o monitoramento impulsiona a qualidade na medida em que evidencia quem estamos cuidando, como estamos cuidando e quais são os nossos resultados.
7. Como podemos saber que o cuidado é seguro e de qualidade?
A segurança faz parte da qualidade como um patamar de exigência; não podemos pensar num cuidado que não seja seguro. O fundamento da clínica é fazer o maior esforço possível para haver atendimentos seguros e claro que a qualidade vai agregar mais valor e mais resultados interessantes, porque garantimos, em primeiro lugar, a segurança. Ambos os tipos de monitoramento vão no mesmo sentido de olhar, de forma sistemática, tanto a segurança quanto os processos de qualidade.
8. Com quanto tempo é possível verificar se houve melhora do cuidado? Qual a diferença entre monitoramento do cuidado e gerenciamento de risco?
O gerenciamento de risco possui toda uma metodologia, depende de notificações e vai à procura de coisas que não podem acontecer e sabemos que, quando acontece, é um elemento fundamental para rever as práticas e o aprendizado do serviço. Já o monitoramento vai ter um aspecto mais abrangente, pois queremos monitorar coisas positivas que estão acontecendo. Então, os dois estão muito juntos, mas um tem uma preocupação com as dimensões de segurança e o outro com a dimensão mais global da prática clínica, a prática de qualidade.
Se a gente disser que a melhoria é na mudança de taxa de sobrevida ou redução da mortalidade, isso pode ser um indicador que vai demandar muito tempo. Mas a gente pode ver, talvez mensalmente, se conseguimos registrar o contato pele a pele na UTI neonatal, porque esse é um fenômeno que acontece todos os dias. Também podemos ver se reduzimos a hipotermia na admissão, porque, todos os dias, estamos admitindo nenéns. Então vai depender da complexidade do fenômeno que queremos ver. Haverá desafios iniciais, monitoramentos e indicadores em que a variação mês a mês ou a cada dois meses seja muito mais possível de olhar e a equipe vai se animando. No caso da hipotermia, com a estrutura correta, vemos o processo no cotidiano e podemos observar que, de um mês para o outro, conseguimos trazer todos os nenéns em incubadoras de transporte, conseguimos, portanto, usar as estratégias adequadas para manter a temperatura. Então, isso pode ser que, de um mês para o outro, a gente veja; agora pode ser que uma estrutura de mortalidade seja muito mais difícil da gente ver de um mês para o outro. Temos, também, que pensar que existem situações no cotidiano do cuidado neonatal que possuem sazonalidades; você pode ter um momento em que aconteça algo, em que vários bebês desenvolvam um problema conjuntamente, e temos que lidar com isso. Então, o tempo vai depender do esforço, mas é claro que num monitoramento com a perspectiva de ser rotineiro, continuado, temos a expectativa de olhar por períodos de tempo; as análises das redes colaborativas são anuais, semestrais. Precisamos ver o que agregamos ao nosso dia a dia da unidade, se detectamos determinado furo de processo, mesmo sem um monitoramento, já vamos investindo na melhoria. Vamos pensar no monitoramento como algo que vou me comparar comigo mesmo ao longo do tempo e que, para isso, precisarei de um período maior de tempo para analisar para não ser uma flutuação de um determinado momento, principalmente quando se trata de nenéns muito pequenos (os menores do que 1.000 gramas apresentam flutuações de percentuais muito intensos, porque um mês cuidei três, no outro mês posso ter cuidado de dois). Então para olhar a situação dos resultados para os menos de 1.000 gramas, talvez eu precise de um ano inteiro para compreender.
9. Qual a diferença entre monitoramento e avaliação?
Os processos de avaliação trazem uma perspectiva de um juízo de valor; quando falamos de avaliação, falamos no estabelecimento de um juízo de valor, de atribuir um julgamento se está adequado, se não está adequado. O monitoramento em si, é o acompanhamento, é a disponibilização do dado, da informação, do retrato das práticas. A avaliação vai ser a análise, o julgamento que vamos fazer, sempre comparando com um padrão de referência (que pode ser a gente mesmo ou um conjunto de unidades). Então, quando a gente está comparando, estamos fazendo uma análise, um juízo, um julgamento, tentando ver se estamos num padrão compatível com o que a literatura aponta, se estamos diferentes para mais ou para menos. Então, a avaliação é o uso que a gente faz a partir do monitoramento e é tarefa nossa. No exemplo clínico, a gente tem o bebê que tem determinados parâmetros de padrão respiratório e eu faço ajustes no meu processo de ventilação, avaliando depois. Vou verificar, monitorar o bebê e fazer um julgamento em relação a isso; se esse meu processo de cuidado está sendo efetivo, está beneficiando, eu vou avaliando a partir dos dados que monitorei. Por exemplo, a taxa de hipotermia durante o primeiro semestre de 2019, na minha unidade neonatal, na admissão, foi menos do que 5%. Então, provavelmente, tive só as situações de hipotermia na admissão que eram inevitáveis ou impossíveis de serem controladas pelo perfil do bebê. Agora, se eu tive 50% de bebês, que na admissão, estavam definidos como hipotérmicos, aí o monitoramento me mostrou isso e a minha avaliação indica que eu tenho oportunidade de melhoria. Então, monitorar é algo que traz o dado, mas monitorar por monitorar não faz sentido.
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