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Principais Questões sobre Monitorização Cerebral do Recém-nascido de Risco

9 ago 2019

Sistematizamos as principais questões sobre Monitorização Cerebral no Recém-nascido abordadas durante Encontro com o Especialista Dr. Gabriel Variane, médico neonatologista da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SCM/SP), realizado em 09/05/2019.

A busca contínua pelo estabelecimento de protocolos, uso da evidência científica e cuidado fino frente ao paciente de alto risco são passos fundamentais para melhoria do cuidado neonatal. Desta forma, o monitoramento cerebral na UTI é de extrema importância, pois permite rápida identificação de lesões cerebrais, intervenção precoce e até mesmo prevenção de sequelas neurológicas graves.

Indivíduos com lesão neurológica apresentam maior tempo de internação em UTI neonatal e o custo financeiro e social de uma criança com grave sequela neurológica (paralisia cerebral, surdez ou cegueira) é infinitamente maior que o custo da monitorização cerebral ao nascimento.

As principais Indicações para Monitorização Cerebral contínua são:

  • asfixia perinatal
  • crise convulsiva suspeita ou prévia
  • prematuridade extrema (RNPT com Peso<1000g ou IG<28 semanas com hemorragia peri e intraventricular grave ou choque)
  • pós-operatório de cirurgia cardíaca complexa
  • paciente com grave instabilidade hemodinâmica ou ventilatória
  • paciente com sepse grave associada meningite sintomática ou outras infecções do sistema nervoso central
  • paciente com malformação cerebral grave, entre outros.

A injúria cerebral pode ser avaliada através de:

  • métodos anatômicos: ultrassom transfontanela, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética de crânio
  • métodos funcionais com avaliação eletrográfica:
    • eletroencefalograma (EEG)
    • vídeo EEG
    • eletroencefalografia de amplitude integrada (aEEG)
    • avaliação hemodinâmica (Near Infrared Spectroscopy/NIRS)

A monitorização neurofisiológica contínua com o EEG em UTI associado ao aEEG é um método de avaliação de função cerebral não invasivo que pode ser realizado à beira do leito e é fundamental para a identificação da gravidade de lesão cerebral, com bom valor preditivo de prognóstico neurológico.

Alguns estudos demonstraram que alterações eletroencefalográficas graves em recém-nascidos de alto risco registradas nas primeiras 72 horas de vida (período mais crítico dentro da população prematura) estão relacionadas à lesão neurológica precoce e pior desenvolvimento neurológico. Cerca de 80% das crises epilépticas em recém-nascidos não apresentam qualquer manifestação clínica e, caso ele não esteja sob monitorização cerebral, podem passar completamente desapercebidas; a presença de atividade epiléptica, mesmo que subclínica, também pode levar a lesão neuronal.

Estudos descrevem que o EEG é capaz de prover melhor classificação da injúria cerebral, detectar precocemente atividade epiléptica subclínica e possibilitar a avaliação da resposta ao tratamento. Outro problema seria que, independente do valor da oximetria de pulso, a oxigenação tecidual cerebral pode estar inadequada e essa avaliação pode ser realizada com o uso do NIRS, uma técnica de monitoramento não invasivo para oxigenação cerebral e somática em tempo real, refletindo o balanço entre oferta e demanda de O2 mensurado localmente.

Importante lembrar que o NIRS não é um oxímetro do cérebro. O NIRS vai refletir o quanto de oxigênio está chegando ao cérebro versus o quanto de oxigênio está sendo consumido. Ele é oximetria tecidual superficial, a faixa que ele consegue penetrar é cerca de 2,5cm na pele, refletindo a oximetria cortical. Mas não é uma medida direta, ele vai refletir o balanço de oferta versus consumo.

Diagnosticar precocemente um insulto cerebral abre a possibilidade para terapêutica mais rápida e possivelmente mais eficaz. Isso pode reduzir o número de sequelas neurológicas graves e por fim reduzir os custos diretos e indiretos que um paciente com deficiência grave traz a sociedade.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

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Perguntas & Respostas

 

1. A maioria das crises são subclínicas. Devemos tratar essas crises?

Se a gente lembrar que 80 a 90% das crises são subclínicas quanto mais prematuro for o bebê, então será que eu deveria tratá-las ou não? Existe um cerne na literatura sobre isso, mas há um conceito um tanto o quanto básico que é o seguinte: lesão cerebral leva à crise epilética e crise epilética leva à alteração de perfusão, demanda metabólica e oxigenação que, por sua vez, leva a mais lesão cerebral.

Existem dados na literatura que falam que um maior número de segundos de duração de uma crise epilética está associado a pior neurodesenvolvimento. Existem, inclusive, estudos clínicos randomizados que compararam tratar crises clínicas versus tratar os bebês que tinham crises subclínicas, e tratar as crises subclínicas diminuiu o número de crises convulsivas e isso esteve, sim, associação com um melhor neurodesenvolvimento. Hoje em dia, esse tipo de estudo não passa muito mais por avaliações éticas, a gente não consegue fazer um braço para tratar da crise convulsiva versus não tratar, existe todo um racional desde os modelos animais, desde a fisiopatologia e até mesmo estudos clínicos randomizados em seres humanos que demonstram que tratar as crises subclínicas é importante, em especial se elas começarem a ser repetitivas ou se entrarem em estados epiléticos; é muito evidente de que preciso tratá-las, não importa se clínicas ou subclínicas, o que lesa o cérebro vai ser a atividade epilética.

 

2. Além de monitorar as crises epilépticas, o aEEG pode ser útil de alguma outra forma?

Sim, com certeza; a gente lembra que o aEEG vai te ajudar na identificação de crises epiléticas, mas, acima de tudo, ele é um monitor de função cerebral em tempo real.

Imagina que estou com um bebê estável, dentro da UTI, por exemplo, um bebê hemodinâmico instável, mas que esteja no momento estável, com PA boa, perfusão melhorada, etc. Vamos supor que em algum momento ele comece a piorar novamente essa instabilidade (cai a PA, piora a perfusão), enfim, se eu tiver uma alteração da perfusão cerebral, vou conseguir enxergar isso através de uma atenuação da atividade de base, então esse é um monitor de função cerebral em tempo real; ele consegue ver o cérebro do bebê sendo agredido em tempo real e por si só isso é muito interessante. Assim, consigo enxergar de forma muito objetiva se aquele cérebro está saudável ou se está gravemente doente. Se eu enxergo as depressões agudas, preciso reavaliar a criança como um todo.

 

3. Existe diferença do aEEG de prematuros para pacientes a termo?

Com certeza. É só lembrarmos um pouco da anatomia de um cérebro de bebês de 24 semanas que é completamente diferente da anatomia de um cérebro de um bebê com 37, 40 semanas, e, é óbvio, a anatomia está muito associada à função cerebral.

Então, de forma muito simples, o que observamos nos bebês mais prematuros é que o padrão deles é mais descontínuo, a amplitude mínima que enxergamos é mais próxima do zero, do um, do dois; conforme a idade gestacional vai aumentando, a gente observa um aumento das amplitudes mínimas, e esse padrão que tende a ser descontínuo aos poucos vai tendendo a se transformar num padrão contínuo, a amplitude mínima tende a aumentar ao longo das semanas da idade gestacional.

Ainda existe outro parâmetro que não falamos que é o ciclo sono/vigília, que o bebê muito prematuro não possui; é um padrão de ciclos que alternam entro o sono profundo e sono superficial e, conforme a maturidade que ele vai adquirindo, conseguimos enxergar isso pelo eletroencefalograma.

 

4. O NIRS reflete uma medida direta da oximetria cerebral?

Não. O NIRS não é um oxímetro do cérebro e isso é bem importante da gente relatar e é fundamental na hora de interpretar os seus achados.

Na verdade, a palavra correta é balanço; o NIRS vai refletir o quanto de oxigênio está chegando ao cérebro versus o quanto de oxigênio está sendo consumido. Ele é oximetria tecidual superficial, a faixa que ele consegue penetrar é cerca de 2,5 cm na pele, refletindo a oximetria cortical no caso. Mas não é uma medida direta, ele vai refletir o balanço entre a oferta versus o consumo, e sempre quando ele estiver anormal, terei que fazer uma pergunta: o NIRS caiu por que o oxigênio caiu ou por que o consumo aumentou? Quando que o oxigênio cai? Cai se cair a saturação, se o bebê ficar anêmico, se o PCO2 caiu (eu bato na tecla do PCO2 porque a hipocapnia realmente faz vasoconstrição cerebral e, muitas vezes, silenciosa). É preciso olhar também o débito cardíaco, se caiu o NIRS cerebral por que o débito cardíaco caiu? É preciso estar de olho, sempre, nesses pontos.

 

5. Caso o NIRS cerebral esteja anormal o que devemos pesquisar?

São quatro itens que devemos pesquisar:

  1. quanto está a saturação
  2. quanto está a pressão arterial média
  3. quanto está o PCO2
  4. quanto está a hemoglobina

São os quatro itens mais básicos que tenho que pensar se o NIRS estiver anormal. Lembrem-se sempre do quanto está chegando versus o quanto está consumindo; é bem importante que a gente tenha toda essa avaliação.

 

6. Qual a vantagem de utilizar mais de um sensor de NIRS (cerebral e renal) simultaneamente?

É simples a fisiopatologia; o NIRS cerebral é quando falamos de regulação ou de fluxo cerebral, temos a autorregulação do fluxo cerebral, e o somático (especialmente o renal) não há uma autorregulação do fluxo renal.

O que é interessante? Em bebês que estão iniciando uma instabilidade hemodinâmica, a perda da autorregulação é um sinal tardio, então no cerebral vou ter o bebê em instabilidade hemodinâmica que inicialmente não enxergo. Por outro lado, se eu estiver fazendo cerebral e renal simultaneamente, vou enxergar que o cerebral se mantém estável no momento inicial da instabilidade hemodinâmica, e o NIRS renal, como não tem autorregulação do fluxo renal, cai de forma precoce. Então você consegue, talvez, identificar o choque na sua fase mais precoce. Fazer esse tipo de monitorização simultânea pode ser muito rico para você entender o que está acontecendo com o bebê, então vários centros no mundo, hoje, preconizam fazermos NIRS cerebral e somático.

 

7. O NIRS pode ser utilizado como marcador de prognóstico neurológico nos pacientes asfíxicos em hipotermia?

Existem estudos bem interessantes em relação a isso. O que enxergamos no NIRS, falando especificamente do bebê com asfixia em hipotermia, é que muitos desses bebês estão estáveis hemodinamicamente, então ocorreu um insulto hipóxico isquêmico, entrou em hipotermia e vamos dizer que esteja estável hemodinamicamente. O que vemos, com muita frequência, é que nas primeiras 24 horas de vida, o NIRS dessas crianças tende a ser muito estável, a grande maioria das vezes dentro da faixa da normalidade (entre 55% e 85%). O que essas crianças frequentemente fazem, e isso está associado a prognóstico, é que, em cerca de 18 a 24 horas de vida, enxergamos um aumento súbito e sustentável do NIR cerebral em que sai de 75, 80% para 95%, e muitas vezes fica fixo em 95% ou na faixa máxima por dias. Vamos lembrar que o NIRS é uma relação do que está chegando versus o quanto está consumindo; se o NIRS está muito alto é porque ou tem muito oxigênio chegando ou tem pouco oxigênio sendo consumido. Num bebê com asfixia cerebral pode ocorrer uma lesão cerebral importante, e uma lesão cerebral importante consome pouco oxigênio; é isso que a gente pode enxergar. Se a gente se lembrar da fisiopatologia do insulto hipóxico isquêmico tenho uma falha energética primária que ocorre no momento em que o bebê nasce, e de 15 a 24 horas depois (ou até antes, mas dentro do primeiro dia de vida), tenho uma falha energética secundária. Muitas vezes enxergo isso como aumento súbito do NIRS e, se ele persiste, estudos mostram que ele está associado a pior prognóstico.

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