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Principais Questões sobre Otimização do uso de CPAP em sêlo d’água em Neonatologia: uma história de sucesso

20 out 2022

Sistematizamos as principais questões abordadas durante Encontro com os Especialistas e Coordenadores do Curso Suporte Ventilatório: cuidados com CPAP, Guilherme Sant’Anna, médico neonatologista da Montreal Children’s Hospital (McGill University Health Center) e Coordenador do Grupo Facebook Neonatologia Brasil, José Roberto Ramos e Ritta Braz, médicos neonatologistas do IFF/Fiocruz, realizado em 08/09/2022.

A redução da mortalidade e a sobrevida com qualidade dependem da organização das unidades neonatais. Gestores e profissionais de saúde devem se preocupar com a estrutura e o cuidado prestado, assim como com o estabelecimento de redes colaborativas integradas, com foco na melhoria do resultado do cuidado neonatal.

A capacidade de aprimorar o processo de cuidado provavelmente não virá da descoberta de novos tratamentos, mas sim da aprendizagem e da possibilidade de tornar mais eficazes as terapias já existentes, através da revisão dos processos e práticas.

Em 2019, com a colaboração de consultores que atuam na Estratégia QualiNEO, foram lançados pelo Ministério da Saúde (MS), por meio da Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno (COCAM/DAPES/SAPS/MS) e de especialistas do Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, Criança e Adolescente (IFF/Fiocruz/MS), Os Dez Passos para a Melhoria do Cuidado Neonatal concentrando uma série de recomendações com o objetivo de melhorar e qualificar a atenção ao recém-nascido e sua família.

O uso de terapia com suporte ventilatório simples faz parte desses passos e resolve o problema respiratório de um grande percentual de pacientes. Ao otimizarmos o uso do CPAP nasal, uma boa nutrição e o controle de infecções, ajudamos muito no bom resultado das crianças internadas em UTIs Neonatais.

O importante é fazer o básico bem feito! Depois disso podemos determinar onde podemos melhorar, incorporar tecnologias, aprimorar o cuidado e obter resultados cada vez melhores.

Abaixo, segue a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. Em meu serviço não dispomos de um CPAP apropriado, então fazemos um CPAP artesanal com a junção de ar comprimido e oxigênio. Isso está certo?

Na verdade, quando falamos que é “bom, bonito e barato” é porque o CPAP em selo d’água é muito simples. Temos duas fontes de ar (ar comprimido e oxigênio) que saem da parede com uma pressão muito alta e precisam passar por um blender, um misturador de gases, para que determinemos a concentração de oxigênio que desejamos ofertar ao recém-nascido. Essa mistura de gases sai por um fluxômetro – o fluxo oferecido para o paciente varia entre 5, 6 ou 7 litros/minuto. O ar que sai desse fluxômetro vai para um copo com água; o copo é aquecido e umidifica esse ar para, em seguida, cair dentro do ramo inspiratório que vai para o paciente. Assim, o ar passa pela pronga, o recém-nascido puxa o ar da pronga e, em sequência, joga o ar para dentro da pronga, direcionando-o para o ramo expiratório que é mergulhado numa coluna de água. Você pode montar esse sistema em qualquer lugar do mundo. Claro que, se tivermos o sistema montado, facilita o trabalho; mas, se não tivermos, seguimos os princípios básicos (e há conteúdo disponível sobre isso neste Portal e no grupo Neonatologia Brasil, no Facebook) e montamos esse sistema em qualquer lugar. Nós montamos há alguns anos no Instituto Nacional Fernandes Figueiras, e existem diversos trabalhos publicados de diferentes lugares, como na África, por exemplo. Quando não há um misturador, não se tem a bala de ar comprimido, utiliza-se o oxigênio para salvar o neném. Obviamente, usamos o oxigênio, nesse caso, de forma temporária para não se criar um quadro de hiperóxia. Mas vale à pena montar o CPAP artesanal, pois o efeito fisiológico, o efeito na doença respiratória é o mesmo. Outra situação muito debatida é não existir uma válvula de alarme de pressão, mas isso não é necessário porque, se houver um pico de pressão, o sistema de CPAP de bolhas apenas borbulhará mais. O respirador precisa da válvula porque nele é um dispositivo fixo e, se houver um pico de fluxo, a pressão vai lá para cima. Porém o bubble não precisa de alarme.

2. Você é a favor da nutrição nutritiva durante o uso do CPAP?

Sim, mas depende da situação. Se o paciente acabou de nascer, ou está nos primeiros três dias de vida, na fase aguda, a gente alimenta por sonda. Não vamos oferecer dieta oral para um paciente com desconforto respiratório. Se o paciente estiver crônico do CPAP, se estivermos estendendo o uso do CPAP para promover um crescimento pulmonar e já atingiu 33-34 semanas de idade gestacional corrigida, podemos fazer a dieta oral por sucção e até colocarmos a criança no seio, não há contraindicação.  Com o CPAP, não jogamos o ar na via aérea do paciente, o fluxo passa pelo sistema e, preferencialmente, ele sairá pelo ramo expiratório. Como já falei, a criança é quem puxa o ar e joga o ar, ele controla. Assim, o neném vai respirar, parar, deglutir e respirar, fazendo essa coordenação muito melhor do que se fosse colocado em cânula de alto fluxo. A cânula de alto fluxo joga um jato de ar para dentro da narina, criando um turbilhonamento de ar na parte posterior da faringe. Se a criança estiver mamando com esse turbo de ar ao mesmo tempo, existirá um maior risco de broncoaspiração. A terapia de imunização oral onde colocamos o colostro ou o leite na boca do recém-nascido, também pode ser realizada.

 

3. Mas e a oportunidade de se usar surfactante nas primeiras duas horas, por que não intubar? Opta-se pelo CPAP e, obviamente, o surfactante ficará para depois se for preciso. Como é essa experiência?

Os resultados dos estudos clínicos randomizados mostraram que atrasar a administração do surfactante por tentar primeiro o CPAP não piorou desfecho de paciente algum. O surfactante precisa ser feito rapidamente, nas primeiras horas de vida, no paciente entubado. Neste caso, não ficaremos fazendo ventilação mecânica num pulmão doente, aumentando parâmetros ventilatórios e expondo esse pulmão a barotrauma e atelectrauma sem usar o surfactante. Em sistema não invasivo, não existem dados que eu conheça indicando que a administração do surfactante feita com algumas horas de vida porque tentamos o CPAP e este falhou, seja prejudicial ao paciente. Temos dados sobre em que momento o CPAP falha e realizamos a intubação e administração de surfactante: em recém-nascidos entre 23 e 25 semanas (prematuro mais extremo), as horas de vida que o paciente recebeu o surfactante ao falhar o CPAP foi de 0,6h ou 36 minutos de vida; naqueles entre 26 a 28 semanas, receberam o surfactante nas primeiras sete horas de vida e no grupo entre 29 a 31 semanas, o surfactante foi administrado, em média, com 33h de vida. Então, acho que para o caso de prematuro extremo que não vai ter sucesso no CPAP, acabamos atrasando muito pouco. Na verdade, 36 minutos é um pouco além do que o procedimento de intubar na sala de parto (aproximadamente 15 minutos).

 

4. Gostaria de saber sobre os bebês após a extubação, como é a adaptação para o CPAP em selo d’água em sua unidade? Vocês costumam adaptar o CPAP no mesmo ventilador mecânico logo após a extubação, ou imediatamente retiram o ventilador mecânico e montam o CPAP em selo d’água? Algumas unidades estão usando o ramo inspiratório do ventilador mecânico para obter os possíveis benefícios do selo d’água sem ter que trocar o ventilador mecânico, facilitando o processo após a extubação, o que você acha sobre essa adaptação?

Não vejo problema algum em usar o sistema do respirador, o fluxo vem pelo ramo “ins”, vai para a pronga e, em vez de voltar para o respirador, volta para dentro da água, de modo que usamos o respirador para borbulhar. Não há problema em fazer isso. A gente não faz essa adaptação porque tem o sistema de bubble CPAP pronto. Muitas vezes, em pacientes em que a chance de falha de extubação é muito alta, quando há insegurança se o recém-nascido conseguirá seguir em CPAP e se isso vai funcionar, realiza-se a extubação e se coloca em CPAP em selo d’água com respirador. E, se passar 24 horas sem ser reintubado, troca-se no dia seguinte para o sistema de bubble CPAP. Mas se tirarmos o paciente do tubo, removermos o respirador, colocarmos em bubble e o paciente começar a falhar, para fazer VNI, por exemplo, ou intubar, precisaremos de outro respirador (porque aquele já foi para a desinfecção); isso aumenta os custos e aumenta o trabalho. Muitos colegas, inclusive eu, já fizemos isto: quando acho que o neném tem muita possibilidade de falhar, dou 24 horas com respirador CPAP, embora considero que isso não seja tão bom. Quando o paciente fica bem nessas 24 horas, trocamos para o bubble CPAP. Fazer o bubble CPAP usando o respirador não tem problema, usa-se o respirador para ter o blender, o fluxômetro e aquecer. Só é mais caro porque está se usando o respirador, mas em muitas UTIs essa é a solução porque não há um Blender ou um copo de aquecimento em separado.

 

5. A gente entende o caráter multiprofissional do CPAP, do cuidado. Gostaria de que você falasse como é na sua unidade o cuidado do CPAP.

É multidisciplinar e basicamente está nas mãos da fisioterapia respiratória e atua junto com a enfermagem. A fisioterapia respiratória monta o aparelho, escolhe o tamanho da pronga e faz a primeira fixação. Depois disso, a maior parte do cuidado é da enfermagem, hora a hora, atuando. A cada 4 a 6 horas, a fisioterapia checa com a enfermagem se está tudo bem com o paciente. Existe um check-list dos itens que elas precisam checar a cada 8 horas, como o posicionamento, inspeção do septo e aspiração. Já passei esse check-list traduzido e, uma vez que ele seja implementado na UTI, é importante treinar os profissionais (técnico de enfermagem, a enfermagem de beirado leito, a fisioterapia e os médicos). Nesse check-list, o que precisa ser checado a cada 4 ou 8 horas é um trabalho em equipe. Eu, por exemplo, toda vez que avalio um neném em CPAP, chego e olho a pronga e todos os detalhes que passei nesta aula. Às vezes, se o paciente está com uma pronga pequena ou a fixação não está correta e você mesmo ajeita essa fixação ou chama alguém para ajudar. Não é somente uma pessoa, todos são responsáveis, mas a maior parte é feita pela enfermagem.

 

6. Quanto ao hidrocoloide, utilizamos para vedar o escape de ar, porém encontramos dificuldades em avaliar a lesão nasal. Qual a frequência de troca realizada na sua unidade? A investigação de lesão nasal é realizada retirando o hidrocoloide ou é possível avaliar a lesão mesmo com o hidrocoloide?

Não tiramos o hidrocoloide para olhar o septo, porque somos obcecados em evitar que a pronga enterre no septo. Se você observar que ela está enterrada, aí a enfermagem a remove, pois precisa retirar para avaliar se tem lesão; retira-se o hidrocoloide e faz a inspeção da pele (presença de bolhas, vermelhidão etc.). Rotineiramente, não existe um protocolo para retirar o hidrocoloide a cada 4 ou 6 horas. A gente retira se ele estiver molhado, sujo, com secreção, com sangue, ou se começa a perder a adesividade. Um aspecto que é muito importante é que o hidrocoloide é para prevenir escape de ar, então ele não protege o septo embora haja estudos erroneamente publicados em jornais de qualidade dizendo que preveniram lesão de septo usando o hidrocoloide. Eu questiono esses estudos; o hidrocoloide é para prevenir o escape, é para manter a pressão nas vias aéreas. A narina do neném que fica muito tempo no CPAP vai dilatando porque é cartilaginosa. Por isso, começa a haver mais escape e a gente usa o hidrocoloide para evitar o escape de ar nestes casos. Um erro muito comum é quando existe o escape e o pessoal pega uma pronga n° 2 para colocar no hidrocoloide n° 1. Assim, a pronga n° 2 entra bem apertada no buraco n°1, o que aumenta a resistência. Você resolve o problema do escape, mas aumenta o trabalho respiratório do neném. Por isso, é preciso usar a pronga n° 2 no hidrocoloide n° 2, ou seja, o buraco do hidrocoloide tem que aceitar a pronga sem ficar apertá-la.

 

7. Durante a nutrição, você muda algum parâmetro (FiO2, por exemplo) ou mantém a mesma coisa?

Mantenho. O bebê que você vai fazer a alimentação oral em CPAP é exceção à regra. A maioria sai do CPAP com 32/33 semanas, antes de iniciar a alimentação oral. Aquele paciente broncodisplásico grave que você mantém no CPAP para tentar promover um crescimento pulmonar é mais raro na UTI Neonatal.

 

8. Qual a tolerância em relação a bebês apresentando apneia estando no CPAP? Qual seria a sugestão de intervenção?

O CPAP funciona em neném com respiração espontânea, porque não tem respiração da máquina. Mesmo em VNI, que melhora um pouco o problema dos pacientes com apneia, também não resolve. O neném precisa estar com respiração espontânea. Nos pacientes que fazem múltiplas apneias, um dos critérios que usamos é o número de apneias num determinado período. Vamos dizer que você queira reavaliar a cada 4 horas; se ele fizer 4 apneias em 4 horas (daquelas apneias que é preciso sacudir o bebê, não aquela que faz uma bradicardia e volta sem precisar de qualquer intervenção), essa é uma indicação de falha do CPAP, que precisamos intubar o paciente. Também se ele fizer uma apneia que não volta com estímulos, faz-se uma VPP no neném e o recolocamos no CPAP, mas ele faz mais outra apneia que necessita de VPP para reverter, isso é indicação de falha. Não ficaremos esperando uma terceira apneia semelhante, vamos intubar, fazer o surfactante se necessário e colocar o neném em ventilação mecânica.

 

9. Quando a base não mede a temperatura, como podemos verificar?

Há materiais sobre isso neste Portal. Na saída expiratória da pronga existe uma conexão em “Y” em que você retira a rosca e coloca o termômetro axilar. Se o termômetro não medir a temperatura, é porque esta está muito baixa, abaixo de 31°/32°. Normalmente, a temperatura ideal do ar que precisa chegar na via aérea do neném é de 36° – 36,5°.

 

Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Otimização do uso de CPAP em sêlo d’água em Neonatologia: uma história de sucesso. Rio de Janeiro, 20 out. 2022. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-recem-nascido/principais-questoes-sobre-otimizacao-cpap-em-selo-dagua-em-neonatologia/>.

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