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Principais Questões sobre Óxido Nítrico Inalatório em Prematuros: o que há de novo?

14 out 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas no Encontro com a Especialista Maria Elisabeth Lopes Moreira, médica neonatologista IFF/Fiocruz, realizado em 12/03/2020.

  • O óxido nítrico em neonatologia foi uma das tecnologias muito importantes inseridas no cuidado neonatal para as crianças com hipertensão pulmonar, principalmente para as acima de 34 semanas.
  • Liberado no início da década de 90 pelo FGA para uso em crianças acima de 34 semanas. Esse óxido tem diversos efeitos na circulação pulmonar, sendo um potente fator derivado do endotélio que produz vasodilatação, tem propriedades pró angiogênicas, propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes.
  • Por que não usar óxido nítrico em prematuros? Antes se usavam vasodilatadores sistêmicos, que faziam uma vasodilatação pulmonar, mas também faziam uma vasodilatação sistêmica; então a pressão arterial caía e era difícil conseguir uma estabilidade clínica.

O óxido nítrico é um derivado da l-arginina que se transforma no GMP cíclico que promove seletivamente a vasodilatação pulmonar entre 6 e 8 segundos de sua administração inalatória. No momento em que ele passa pela parede dos vasos pulmonares e atinge a circulação, mediatamente se liga ao radical heme da hemoglobina e perde a ação, o que explica sua ação mais voltada para o tônus vascular pulmonar, o que é a grande vantagem do uso de óxido nítrico para o tratamento da hipertensão pulmonar.

O uso do óxido nítrico inalatório (ONi) mudou o prognóstico de crianças com hipertensão pulmonar e cardiopatia congênita assim como na síndrome de aspiração de mecônio e asfixia perinatal. Entretanto, existe uma preocupação muito grande sobre o uso do óxido nítrico em recém-nascidos pré-termo.

A incidência de hipertensão pulmonar no recém-nascido é de dois para cada mil nascidos vivos mas a experiência publicada recentemente por um grupo japonês, hoje responsável pelas melhores sobrevidas nos extremos de baixo peso no mundo, que incluiu cerca de 13.000 recém-nascidos, mostra uma prevalência de hipertensão pulmonar de 8,1% neste grupo,  que é uma prevalência muito alta.

A grande preocupação quando ao uso de Noi em pré-termos está relacionada aos seus efeitos na coagulação. Alguns autores mostraram que o uso de óxido nítrico aumentou o tempo de sangramento em adultos voluntários das pesquisas do óxido nítrico, especialmente naqueles com a Síndrome de Angústia Respiratória (SARA), a principal indicação de uso de óxido nítrico em adultos. Este efeito parece decorrer por mecanismo dependente de GMP cíclico, pois este provoca uma alteração na passagem das plaquetas pelo pulmão, prejudicando a coagulação. Isso é preocupante em neonatologia, no que se refere à hemorragia intraventricular, assim como por alguns relatos do aumento de prevalência de leucomalácia em prematuro que faz uso de óxido nítrico.

Uma revisão sistemática e metanálise sobre o uso de ONi em prematuros com insuficiência respiratória publicada em 2017 pela Cochrane Library reuniu 17 estudos, divididos em 3 grupos: de uso profilático, de uso em crianças com hipoxemia e uso em crianças com risco para desenvolver displasia broncopulmonar. Esse estudo mostrou que em nenhum dos três grupos, o ONi melhorou a sobrevida ou evidências consistentes na redução de lesão pulmonar. Especialmente em prematuros muito doentes, com critérios de má oxigenação, a terapia de resgate com ONi não melhora a sobrevida, a sobrevida sem DBP ou lesão cerebral, embora a oxigenação possa ser melhorada em curto prazo. Na verdade, algumas evidências sugerem aumento potencial na hemorragia intracraniana grave e no resultado combinado de hemorragia intraventricular grave ou leucomalácia periventricular. Diante desses achados, o NOi não deve ser usado rotineiramente em prematuros como terapia de resgate em casos de insuficiência respiratória hipóxica.

As diversas sociedades têm consensos diferentes:

  • O Nathional Institute of Health (NIH) diz que atualmente não há evidências que suportem o uso do ONi, seja no resgate precoce ou no resgate tardio, em crianças com menos de 34 semanas que necessitam de suporte respiratório.
  • A consenso de 2014 da Academia Americana de Pediatria (AAO) diz que os resultados dos estudos indicam que nem o uso para resgate e nem o uso habitual rotineiro, melhora a sobrevida de recém-nascidos pré-termos com falência respiratória.
  • O American Thoracic Society (ATS) diz que a incidência de paralisia cerebral, prejuízo do neurodesenvolvimento ou desenvolvimento cognitivo de criança que nasce pré-termos tratados com ONi é similar àquelas crianças que não usaram.
  • O Pediatric Pulmonary Hypertension Network (PPHNet), em 2016, diz que pode ser que o uso de NOi tenha uma indicação em bebês pré-termos, particularmente naqueles com ruptura prolongada de membrana, que são exatamente o bebê de risco para hipoplasia pulmonar, então pode ser que o óxido nítrico nesses casos possa melhorar a relação ventilação-perfusão e a hipoxemia.
  • A Cochrane Review diz que é preciso mais estudos sobre o tópico.

A recomendação internacional atual para a utilização de óxido nítrico é registrar seu uso, relatando seus efeitos em prematuros menores, pois os conhecimentos atuais não recomendam a realização de estudos clínicos randomizados controlados nesta população, especialmente pela questão da interferência na coagulação e maior risco de hemorragia intraventricular. Pela dificuldade de se produzir evidências e consensos nesta situação, o ideal é trabalhar com série de casos, registrando e publicando os casos do uso de óxido nítrico em pré-termos.

Outra recomendação é evidenciar a hipertensão pulmonar no recém-nascido que irá receber o óxido nítrico, pois muitos bebês que integraram os estudos da metanálise da Cocrane Review não tinham ecocardiograma demonstrando a hipertensão pulmonar.

Também devemos considerar o uso de menores doses de óxido nítrico em precém-nascidos pré-termo e, ao invés de iniciar com 20 ppm, começar com 10 ppm. É muito importante e estabelecer o tratamento e o manejo das doses através de protocolos locais de uso, uniformizando o tratamento na unidade e garantindo o uso melhor e mais seguro da droga.

Se o monitoramento da oxigenação não evidenciar melhora da hipoxemia, suspender o uso. Não há justificativa para a continuidade do tratamento com óxido nítrico se ele não demonstra sua efetividade de uso no paciente.

Pode ser que em crianças com possível hipoplasia pulmonar decorrente de oligodramnia, pode ser que em prematuros o óxido nítrico desempenhe um papel importante.

 

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

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Perguntas & Respostas

1. Como o óxido nítrico age na hipertensão pulmonar?

O ONi está liberado para uso em crianças acima de 34 semanas. Sua ação é local pois, ao chegar nos alvéolos, ele passa para o vaso sanguíneo promovendo a dilatação limitada à vasculatura pulmonar em 6 a 8 segundos. Logo, ele não faz hipotensão sistêmica, o que é catastrófico no tratamento da criança com hipertensão pulmonar. Lembrar que o ONi atinge apenas em alvéolos abertos, não atingindo os alvéolos colapsados.

 

2. Quais são os riscos e benefícios do óxido nítrico no prematuro tardio?

Acima de 34 semanas, o óxido nítrico tem um papel importante no prematuro tardio com hipertensão pulmonar documentada. Ele realmente diminui o tempo de ventilação, melhora a hipóxia e a criança passa a saturar um pouco melhor.

 

3. Quais os critérios para iniciar o óxido nítrico no pré-termo?

Como já foi dito, no prematuro acima de 34 semanas, com destaque para o pré-termo tardio (entre 34-37 semanas) com hipertensão pulmonar documentada preferencialmente por ecocardiograma, o ONi tem um efeito significativo.  Se você não consegue manter uma criança com idade gestacional ≥34 semanas oxigenada através da ventilação e do tratamento adequado de sua performance cardiovascular, você está autorizado a usar o óxido nítrico mediante ao diagnóstico de hipertensão pulmonar confirmado por ecocardiograma ou, quando o mesmo não estiver disponível com rapidez, pela análise da diferença de saturação pré e pós-ductal.

 

4. E sobre o manejo das doses de ONi no recém-nascido pré-termo? Gostaria de ouvir seus comentários a respeito

Abaixo de 34 semanas é difícil abordar a dose. Mas for indicado o seu uso, usar para resgate em recém-nascidos com idade gestacional ≥34 semanas hipoxêmico, ou seja, você já fez todo o possível pela criança e não deu certo, escolha usar a dose inicial de 10 ppm (partículas por milhão).

 

5. Quando suspender o tratamento com óxido nítrico?

Quando a criança responde bem ao ONi, mantendo uma boa oxigenação, reduzir progressivamente a FiO2 até atingir a concentração de 50%. Então, mesmo se você iniciar o tratamento com 20 ppm, ao obter a melhora da oxigenação iniciar a retirada progressiva, reduzindo 50% da dose até atingir 5ppm (de 20 →10→5 ppm). Neste momento, iniciar uma diminuição mais lenta, a cada 1 ppm (5→4….1 ppm). Dependendo do comportamento da oxigenação do recém-nascido, progredir a redução gradativamente até a suspensão total. Isso é importante para não haver um efeito rebote na criança. Devemos descontinuar o uso do óxido nítrico se ele não apresentou um papel importante na melhoria da hipoxemia.

 

6. Como seria o protocolo de tratamento no caso do pré-termo? Em quanto tempo suspender caso não tenha resposta?

Após o início do óxido nítrico, o bebê estando com a melhor performance cardio-vascular que você pode oferecer e com monitorização rigorosa da oxigenação, ele não apresentar resposta ao tratamento em 6h, você já pode suspender. Mesmo assim, é melhor suspender aos poucos.

 

7. Após o início do óxido nítrico, qual o tempo e o parâmetro para decidir se o óxido nítrico foi efetivo?

Uma resposta efetiva ao tratamento com óxido nítrico é extremamente rápida, quem está habituado a utilizar essa terapia sabe disso. Em cerca de 30 minutos há melhora da saturação, pois o óxido nítrico chega rápido aos alvéolos e vasos pulmonares, provocando sua vasodilatação e consequente diminuição da resistência vascular pulmonar. Especialmente naquelas crianças com idade gestacional ≥34 semanas com hipertensão pulmonar confirmada. Mas para isso acontecer, primeiro você precisa ter a certeza de que os alvéolos da criança estão abertos para receber o óxido nítrico. Nos pulmões colapsados, devemos ventilar o bebê com a pressão positiva suficiente para promover abertura dos alvéolos e penetração do óxido nítrico para que ele atinja os vasos pulmonares. Logo, é importante considerar a administração de surfactante pulmonar exógeno em crianças com Doença de Membrana Hialina, que mantem os alvéolos colapsados. Primeiro é necessário “abrir” o pulmão antes de iniciar o óxido nítrico para não prejudicar sua efetividade.

 

8. Quando o uso do óxido nítrico está contraindicado?

Em algumas patologias cardíacas onde não devemos diminuir a pressão vascular pulmonar, ele está contraindicado. Também quando o recém-nascido já tem problemas relacionados a coagulação, especial em pré-termos onde se tem risco de sangramento intraventricular, ou quando ele não tem uso efetivo evidenciado.

 

9. Quais os cuidados e monitoramentos necessários durante o uso do óxido nítrico?

Monitorar a saturação transcutânea de oxigênio, monitorar a pressão parcial sanguínea de oxigênio (PaO2) através de gasometrias, a quantidade de óxido nítrico que você está administrando¸ a performance cardíaca e a medição de metahemoglobina no sangue. A metahemoglobinemia se tornou mais rara quando passamos a usar doses menores de óxido nítrico. No início do uso de óxido nítrico em neonatologia, chegou-se a usar 40 ppm, dose que hoje sabemos ser desnecessária e que a dose máxima deve ser de 20 ppm.

 

Conclusões finais sobre o uso de óxido nítrico no pré-termo

  • Não há evidências que suportem o uso de rotina de óxido nítrico em pré-termos abaixo de 34 semanas com hipoxemia.
  • Ele está indicado apenas como resgate para crianças acima de 34 semanas de idade gestacional.
  • O pulmão tem que estar adequadamente ventilado para começar a usar óxido nítrico e que no pulmão atelectasiado não teremos a possibilidade de ação do óxido nítrico.
  • O óxido nítrico pode ter um papel importante em crianças nos casos de rotura prolongada de membranas ovulares ou oligodraminia, ou seja, aqueles com hipoplasia pulmonar.
  • Tenha a hipertensão pulmonar detectada e comprovada confirmada por um ecocardiograma ou verifique a diferença pré e pós-ductal.
  • A recomendação atual é registrar o uso de óxido nítrico, já que os conhecimentos atuais não recomendam a realização de estudos clínicos randomizados controlados sobre o uso de óxido nítrico nesta população.

 

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Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Óxido Nítrico Inalatório em Prematuros: o que há de novo?. Rio de Janeiro, 14 out. 2021. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-recem-nascido/principais-questoes-sobre-oxido-nitrico-inalatorio-em-prematuros-o-que-ha-de-novo/>.

 

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