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Principais Questões sobre Desafios da Prevenção e do Cuidado ao RN com Asfixia Perinatal

25 out 2024

Sistematizamos as principais questões abordadas no dia 28/09/2022, durante Encontro com os Especialistas Fátima Junqueira-Marinho, psicóloga do IFF/Fiocruz; Fernando Maia, médico obstetra do IFF/Fiocruz; Gabriel Variane, médico neonatologista da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SCM/SP); Guilherme Sant’Anna, médico neonatologista da Montreal Children’s Hospital (McGill University Health Center) e Coordenador do Grupo Facebook Neonatologia Brasil e Sérgio Marba, médico neonatologista, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Executivo do Programa de Reanimação Neonatal (PRN) da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). 

Definição e panoramas nacional e global

Asfixia perinatal, por definição, é uma condição causada ao recém-nascido, secundária à má oxigenação ou inadequada perfusão sistêmica, que ocorre no período perinatal e pode acontecer imediatamente antes, durante ou após o nascimento. 

Atualmente, a incidência no mundo é de aproximadamente 4 milhões de bebês com asfixia perinatal por ano, mas é importante destacar o número de bebês e crianças com encefalopatia por repercussões neurológicas do insulto da asfixia. Dentre esse número, mais de um milhão dos bebês terão encefalopatia por questões isquêmicas e cerca de 230 mil crianças vão evoluir para paralisia cerebral, cegueira, surdez e deficiência cognitiva. 

Globalmente, no panorama da questão social, observa-se maior incidência em países de baixa ou média renda, sendo de 5-26/1.000 nascidos vivos em comparação a 1-6/1.000 nascidos vivos em países de alta renda. Quando falamos de Brasil, temos aproximadamente 3 milhões de nascidos vivos por ano e estima-se 15-30 mil RN com EHI (Encefalopatia Hipóxica Isquêmica) /ano e de 2-3 RN com EHI/hora.  O Brasil apresenta incidências diferentes de acordo com a região, portanto é fundamental que se avalie a incidência em cada uma delas, de modo a tomar ações com vistas à diminuição da mortalidade neonatal decorrente de asfixia e das sequelas naqueles que sobrevivem. 

Do ponto de vista social, uma família que tem uma criança com paralisia cerebral causada por asfixia direciona grande parte de seus cuidados a essa criança. Sob o ponto de vista econômico, é importante considerar os recursos de saúde pública destinados ao atendimento de crianças com deficiências. Dados do CDC (EUA) estimam que o custo de vida de crianças com deficiência incapacitante nos Estados Unidos é em torno de U$67 bilhões. No Brasil, os gastos com o pagamento de benefícios para pessoas com deficiência (o que equivale a um salário-mínimo) representam o terceiro maior gasto da economia do país. Assim, as ações de prevenção para redução da incidência de asfixia perinatal são essenciais

Estratégias de manejo e enfrentamento, o trabalho em equipe e com a família 

Abordagens e intervenções para minimizar o impacto dessa doença, e podem ser chamados de “quatro pilares da prevenção da asfixia perinatal”, são: pré-natal adequado; assistência especializada na sala de parto, durante o minuto de ouro; tratamento especializado em UTI, além de acompanhamento; e reabilitação pós-alta hospitalar. Desafios já identificados para endereçar esses quatro pilares na rede de atenção materna e neonatal do SUS, são a regionalização; infraestrutura; capacitação multidisciplinar e educação longitudinal. 

Algumas sinalizações de risco à hipóxia neonatal são: identificar gestações de risco ou que se tornam de risco durante o trabalho de parto (comprometimento cardiovascular, infecções, etc); atividades uterinas anormais; questões fetais (oligodramnia, vasa prévia, etc). Para esses casos, mecanismos de maior controle devem ser colocados em prática, como ausculta intermitente, que contempla a contração e o minuto que se segue à contração, conseguindo identificar as bradicardias, taquicardias ou normocardias. Para casos de alto risco, essa ausculta deve ser feita a cada 15 minutos ou por meio de monitorização eletrônica constante intraparto. Uma alternativa é a cardiotocografia intraparto, a digitalização do couro cabeludo, manualmente ou com uma pinça de allis e mudar a paciente de posição. Caso essas formas não funcionem, pode-se tentar a suplementação de oxigênio, tocólise e, em último caso, fazer a cesárea. Veja postagem sobre avaliação do bem-estar fetal intraparto.

Existem diversos trabalhos organizados hoje, pela OMS e Fundação Bill e Melinda Gates, que tentam melhorar a monitorização fetal e a contração uterina utilizando a inteligência artificial, que consegue detectar previamente a necessidade, por exemplo, de uma cesariana, por motivos de asfixia. É importante destacar que a existência de cardiotocografia não aumentou nem diminuiu a incidência de cesarianas. 

Faz-se necessário que as estratégias cheguem a países e lugares com menos recursos, como países de baixa e média renda, incluindo a educação perinatal a gestantes e familiares, para que identifiquem previamente o problema e possam recorrer de maneira rápida, bem como fornecer meios de transporte para que a locomoção seja facilitada quando preciso. Cabe a ressalva que, mesmo nos países com os melhores centros tecnológicos em saúde, a mudança de um quadro por asfixia ainda é bem pequena, portanto, o que fica claro é a importância da prevenção, com investimento forte no pré-natal.

Deve-se também investir na capacitação técnica. Profissionais que sejam capazes de aferir a pressão arterial, função cardíaca, realizar avaliação respiratória, saber quando o paciente não está tendo convulsões através de neuromonitorização e se estiver convulsionando, saber tratar, saber acompanhar os eletrólitos, avaliação da coagulação, se necessita de um tratamento intensivo e especializado, que, muitas vezes, demanda outras especialidades, como neurologistas pediátricos, nefrologistas, etc. 

É importante salientar alguns pontos em relação a comunicação entre profissionais-profissionais e profissionais-família do RN. São muitos profissionais trabalhando em uma equipe e, muitas vezes, apenas um prontuário não contempla todas as informações que são compartilhadas. Os encontros, as conversas e grupos de discussão são fundamentais. Ainda se sugere que o round seja multidisciplinar. A equipe também precisa estar alinhada sobre o que falar, pois é algo que ajuda no estabelecimento da confiança, que muda totalmente a adesão ao tratamento.

Por sua vez, a família, muitas vezes, começa a buscar culpados pela situação, e a equipe vai precisar escutar e acolher. Afinal, isso é uma forma dessa família atribuir um sentido para aquilo que muitas vezes nenhum profissional consegue dar. Em alguns casos, é possível sinalizar algo no parto ou durante o pré-natal, mas em muitos, pode ser uma condição aguda que ninguém estava preparado para isso. 

A angústia é de todos, porque além de mobilizar, existe uma preocupação com o bebê. Então quando se depara com essa situação é possível se identificar, viver o medo, a angústia, e a comunicação também é uma forma de compartilhar o sofrimento e isso não é um problema. A mensagem principal é que o trabalho precisa ser compartilhado em equipe. 

Intervenções medicamentosas e contraindicações

Quanto ao Fenobarbital profilático em asfixia, ele vem antes de ter Cullen, antes de ter motorização, então se fazia de modo profilático e como tratamento, muitos centros usaram isso e depois se entendeu os efeitos colaterais da medicação quando se administra a medicação sem precisar ou até mesmo quando precisa, porque você trata uma coisa, mas recebe o efeito colateral da substância. Sugere-se que não se dê fenobarbital para uma criança, pois os estudos ainda estão sendo feitos em animais e, assim, podemos estar colocando nossas crianças em risco. Além disso, o fenobarbital diminui de 50% a 70% a chance de reduzir as crises convulsivas, então um grande número não teria garantia de que não fosse evoluir. 

A Litropoetina como uso adjuvante se mostrou não eficaz, tendendo também para efeitos colaterais. É importante tomar muito cuidado com essas terapias que ainda estão sendo testadas.  É preciso trabalhar com as melhores evidências possíveis. 

Quando se fala de monitorização, é preconizado o cuidado um a um para gestante e, pelo menos no Brasil, tanto no setor público quanto privado, vê-se a precarização, os recursos humanos cada vez mais se pautando, ou respaldando, por uma questão de produtividade, tentando otimizar os recursos de uma forma em que, na verdade, seja uma diminuição do recurso humano e aí quando precisa ele não está disponível. 

É importante falar o que não se deve fazer para não correr o risco de aumentar as chances de acontecer ou acabar produzindo asfixia. Por exemplo, induzir partos que não têm indicação para serem induzidos, já que parto induzido aumenta a chance de asfixia, assim como não romper a bolsa se não tiver indicação.

Não utilizar Ocitocina se não houver indicação para ser utilizada, por simplesmente querer acelerar o trabalho de parto. Não deve-se fazer Amniotomia se não houver indicação para que ela seja feita. É importante evitar aquilo que não deve ser feito sem indicação. 

E para além do tratamento farmacológico, é necessário treinar o olho e fazer uma avaliação contínua. Hoje, sabe-se da questão da dor e as consequências da dor neonatal, que não são poucas. Existem muitos estudos com prematuros, mas a avaliação é o melhor caminho, por isso é tão importante ter uma escala fácil, como a Escala de NIPS (Neonatal Infant Pain Scale), que é uma ferramenta para avaliar a dor em recém-nascidos e lactentes. Veja postagens sobre avaliação da dor em recém-nascidos: como avaliar, prevenir e tratar e roteiro prático.

A avaliação deve ser permanente e não só função da enfermagem. Às vezes é notório um desconforto que o bebê esteja sentindo. Ele dá sinais, seja uma agitação ou uma quietude. Esses comportamentos podem estar sendo uma tentativa dele se preservar.

Falar sobre a prevenção da asfixia é um ponto fundamental, especialmente nos países menos desenvolvidos, como o Brasil. O cuidado do obstetra é fundamental desde o pré-natal, tentando identificar as gravidezes de risco, até a atenção ao parto e ao nascimento, e com os bebês que inevitavelmente terão asfixia ou algum outro sofrimento. Que se possa falar também dos centros de referência, referenciar para que se possa ter um cuidado adequado ao seu contexto de saúde, de acordo com os níveis de complexidade, o transporte efetivo quando necessário, da regionalização e da importância da expertise nos tratamentos. 

Abaixo, a gravação do Encontro na íntegra.

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Como citar

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente. Postagens: Principais Questões sobre Desafios da Prevenção e do Cuidado ao RN com Asfixia Perinatal. Rio de Janeiro, 25 out. 2024. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-recem-nascido/principais-questoes-sobre-rn-com-asfixia-perinatal/>.

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