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Principais Questões sobre Tratamento do Recém-nascido Ictérico

26 mar 2021

Sistematizamos as principais questões abordadas no Encontro com a Especialista Cecilia Maria Draque, médica neonatologista da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), realizado em 10/10/2019.

No Brasil, a cada ano, morrem 100 neonatos com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas, dos quais 76% morrem entre 0 a 6 dias. Alguns destes óbitos, causados por encefalopatias bilirrubínicas. Para tentarmos evitar esses óbitos é importante conhecer a história natural da bilirrubina no recém-nascido, determinar os fatores epidemiológicos associados ao aumento de bilirrubina, detectar a icterícia e determinar o valor do nível sérico de bilirrubina e, quando necessário, fazer o tratamento adequado.

Fatores epidemiológicos:

  • Icterícia nas primeiras 24 horas de vida*
  • Presença de incompatibilidade Rh, ABO ou antígenos irregulares*
  • Momento do clampeamento de cordão umbilical
  • Idade gestacional entre 35 e 37 semanas
  • Dificuldades no aleitamento materno
  • Perda de peso > 7% em relação ao peso de nascimento
  • Irmão tratado com fototerapia ou exsanguineotransfusão
  • Cefalohematoma ou equimoses
  • Descendência asiática
  • Mãe diabética
  • Sexo masculino
  • Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase
  • Bilirrubina total sérica > P 95 ou P 75-95 no normograma de Bhutani em RN
    ≥ 35 semanas e PN ≥ 2.000 g, antes da alta hospitalar (Buthani et al, Pediatrics 1999;103:6-14)

A grande importância do tratamento da icterícia é evitar a encefalopatia bilirrubínica. Inicialmente, esta doença se caracteriza pela letargia, hipotonia e sucção débil que, se não tratada adequadamente, pode evoluir com irritabilidade, hipertonia, febre e choro agudo alternados com sonolência e hipotonia. Já em uma fase avançada, podemos observar a sucção ausente, opistótono, apneia, coma, convulsão e, uma parte destes pacientes, evolui para o óbito. Os casos que não evoluem a óbito acabam evoluindo para uma encefalopatia bilirrubínica crônica.

A encefalopatia bilirrubínica é uma doença prevenível e sua prevenção engloba várias intervenções, especialmente:

  • avaliar o risco epidemiológico de o recém-nascido evoluir com níveis de bilirrubina total (BT) elevados
  • promover apoio, assistência e supervisão contínua ao aleitamento materno desde o nascimento, durante a internação e após a alta hospitalar no primeiro mês de vida
  • orientar pais e profissionais de saúde quanto ao manejo da icterícia neonatal
  • realizar a alta hospitalar somente após 48 horas de vida e o retorno ambulatorial em 48-72 horas para acompanhamento da icterícia e, se necessário realizar a dosagem dos níveis de BT, do aleitamento materno, entre outras ocorrências.

A recomendação de tratamento é a fototerapia, evoluindo para a fototerapia LED, com luz de alta intensidade e com geração de baixo calor, baixo consumo de energia e grande durabilidade. A fototerapia deve ser encarada como uma medicação que deve ser prescrita, sendo necessário determinar o valor de sua irradiância com radiômetro periodicamente.

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

 

Perguntas & Respostas

1) Gostaria de saber se vocês utilizam as tabelas que indicam fototerapia ou exsanguineotransfusão para os recém-nascidos prematuros baseados no peso de nascimento ou na idade gestacional corrigida. Também saber qual a irradiância adequada para os RNs prematuros e atermos, considerando que a fototerapia também pode provocar lesão oxidativa?

Para recém-nascido prematuro, as indicações de fototerapia devem ser baseadas na idade gestacional e na idade gestacional corrigida. Nós utilizamos uma publicação de Maisels, de 2012, que foi baseada na opinião de especialistas e, de acordo com a idade gestacional, você indica a fototerapia variando entre 5 até 12. Então o ideal é que, dependendo do valor de bilirrubina, você coloque uma fototerapia padrão (irradiância entre 8 a 10). Você só utiliza fototerapias de alta intensidade com níveis séricos de BT altas, próximas do nível de exsanguineotransfusão.  Há um estudo publicado em que compararam fototerapia profilática com fototerapia com níveis mais altos de bilirrubina onde se observou que os bebês abaixo de 750 que usaram a fototerapia profilática tiveram maior incidência de óbito e especulam se, nos bebês que acabaram usando irradiâncias altas de fototerapia (em torno de 20), isso tenha aumentado a chance de óbito. Por isso, a fototerapia precisa ser prescrita como se fosse um medicamento, se forem bilirrubinas com indicação de fototerapia não alta, colocamos a fototerapia padrão.

 

2) Há algum efeito colateral a longo ou curto prazo no uso de fototerapia? Muitas vezes inicio fototerapia pela clínica, porém não peço exames para poupar o recém-nascido, principalmente da espoliação sanguínea, e na primeira oportunidade de exames solicito o controle.

A fototerapia tem efeitos colaterais tanto a curto quanto a longo prazo. Em curto prazo, a fototerapia fluorescente pode, às vezes, produzir hipertermia e este aumento da temperatura pode elevar a perda insensível de água, principalmente em prematuros muito pequenos, levando à desidratação. Fora isso, também há a formação dos fotoisômeros, podendo ter aumento no número de evacuações e perda maior de líquido. Em relação à fototerapia LED, como é luz fria, o grande problema é fazer hipotermia. Lembrar que todas elas podem ter promover a lesão de células cones e bastonetes e por isso colocamos o proteção ocular. Existem alguns trabalhos mostrando alguns efeitos a longo prazo (diabetes, câncer), mas estes estudos não foram bem controlados. Os estudos controlados, com valor de bilirrubina, etc., não mostraram um aumento de diabetes e nem de leucemia, mas mostraram aumento de convulsão na infância e um aumento pequeno, mas estatisticamente significante, principalmente no sexo masculino.

Então, para indicar fototerapia tem que colher a bilirrubina e ter um valor de indicação, e não ficar fazendo fototerapia sem necessidade. A única questão discutível na literatura é sobre aqueles bebês prematuros abaixo de 1.000 gramas, que você pode indicar a fototerapia profilática entre 12-24 horas de vida porque as chances deles evoluírem para hiperbilirrubinemia é bem grande. Mesmo assim sempre vale, depois com 36-48 horas de vida, colher a bilirrubina para ver em que nível está. Em bebês de termo, sempre colher a bilirrubina antes e indicar qual o nível da fototerapia dentro das tabelas.

 

3) Quando o recém-nascido em fototerapia já atingiu o nível para a retirada da mesma, como fazer o procedimento? Desmame de acordo com a intensidade da fototerapia ou pode suspender por completo? Pensando em recém-nascido em fototerapia sem necessidade de altas intensidades da mesma.

Naqueles bebês que estão em fototerapia padrão (entre 8-10), você pode suspender direto se houver a diminuição da bilirrubina. A gente somente precisa diminuir quando estiver usando fototerapia de alta intensidade; nesse caso vale à pena diminuir a irradiância, tirar uma fototerapia, esperar, recoletar, para depois suspender, e não tirar de uma vez; se tirar de uma vez, a chance dessa bilirrubina subir é maior.

 

4) Qual é a irradiância da fototerapia que devemos utilizar para o tratamento da icterícia neonatal?

Normalmente, utilizamos uma irradiância padrão (entre 8-10), lembrando que essa irradiância precisa ser uma média dos cinco pontos, em especial de for fototerapia LED. A gente só vai usar a fototerapia de alta intensidade, com valores próximos de 30, quando tem bilirrubinas altas, próximas a nível de exsanguineotransfusão; então nos primeiros dias de vida, se tiver uma bilirrubina acima de 17 num bebê de termo, a gente usa fototerapia de alta intensidade. No prematuro, a fototerapia de alta intensidade é feita apenas se tiver em nível de exsanguineotransfusão.

 

5) O que é fototerapia de alta intensidade e quando utilizar?

A alta intensidade é com irradiância acima de 30, que normalmente conseguimos com fototerapias duplas, e é utilizada quando se tem bilirrubina realmente alta, próxima a nível de exsanguineotransfusão. O que temos, a longo prazo, é o trabalho sobre convulsão na infância, estatisticamente significante de convulsão em especial no sexo masculino. Alguns trabalhos sobre diabetes, leucemia, mostram associação com a fototerapia, mas em estudos maiores, controlados por peso, idade gestacional, nível de bilirrubina, por uma série de fatores, essa significância desaparece. Nesses estudos controlados, que é o da Califórnia, a única questão que fica é, estatisticamente, a chance maior de convulsão na infância, sem pesquisas sobre causa e efeito.

 

6) Quais os eventos adversos que podem acontecer pelo uso da fototerapia?

A curto prazo, nas fluorescentes temos, às vezes, a desidratação e, por consequência, a perda de peso, por conta do aumento da temperatura, hipertermia, e da perda insensível de água; nas fototerapias LED não há efeitos de aumento de perda insensível, mas temos o problema da hipotermia por ser luz fria. Nas duas fototerapias podem ocorrer alterações de células cones e bastonetes, por isso que todo recém-nascido em fototerapia utiliza a proteção ocular, e outra questão, a curto prazo também, é se o bebê estiver em nutrição parenteral então o equipo precisa ser fotossensível, porque a luz pode alterar as substâncias da nutrição.

 

7) Quais os principais cuidados que devemos ter com o recém-nascido em fototerapia?

Primeiramente, monitorizar a temperatura, fazer o controle de temperatura para evitar tanto a hipertemia quanto a hipotermia; avaliar a hidratação, ver o peso, estimular o aleitamento materno (quanto mais o bebê mamar, melhora a hidratação, melhora a eliminação de bilirrubina pela urina e fezes). Os bebês que estão em nutrição parenteral precisam estar com um equipo fotossensível, ou então enrolar em papel alumínio, porque a luz pode alterar a nutrição. Não basta colocar o bebê em fototerapia e deixá-lo lá, é preciso lembrar a necessidade de medir a irradiância e prescrever essa dose de irradiância, não prescrever doses altas se não necessárias, mas o mínimo para haver alguma ação. Nas fototerapias LED às vezes o foco é menor, então é preciso tomar cuidado para que o recém-nascido esteja sempre debaixo do foco da fototerapia, com a maior superfície corpórea exposta possível; deixamos os bebês com fraldas, mas estas devem ser menores possíveis para tentar aumentar a superfície corpórea exposta.

 

8) Quais os principais cuidados devemos ter com os equipamentos de fototerapia?

O principal cuidado é monitorizar a irradiância, não basta apenas ligar na tomada, ligar o aparelho e achar que está tratando. Toda vez que você ligar uma fototerapia, é preciso medir a irradiância e ela tem que ser medida nos cinco pontos para fazer a média; se a média estiver menor do que oito, é necessário trocar as lâmpadas da fototerapia se forem fluorescentes; se forem LED você consegue controlar a potência até chegar na irradiância desejada. À medida que os equipamentos ficam mais velhos, é necessário ir aumentando a potência para chegar nessa irradiância. É importante lembrar que, em algumas fototerapias LED, você mede a irradiância, coloca o quanto é necessário e ajusta a potência; quando você desliga a fototerapia, por exemplo, para trocar fralda, para amamentação, ao religar ela volta com 100%, com uma irradiância bem alta que não é boa para os prematuros. Então, lembrar que toda vez que você desliga, dependendo da fototerapia que estiver utilizando, ela volta com 100% de potência e irradiância alta, por isso é necessário medir e anotar qual é a potência que está sendo usada para aquela irradiância determinada. Assim, toda vez que alguém mexer e desligar a fototerapia, as técnicas, a enfermagem, muitas vezes as fisioterapeutas, médicos, todos estarão cientes de que é necessário ajustar essa potência.

 

9) Quais as principais causas de hiperbilirrubinemia indireta prolongada?

A hiperbilirrubinemia indireta nos bebês de termo é considerada a partir de sete dias, pois normalmente a icterícia fisiológica tem o pico e depois regride por volta de sete dias; se ela não regride, a gente considera uma hiperbilirrubinemia indireta prolongada. Das causas, temos as doenças hemolíticas por incompatibilidade de RH, de ABO que se prolongam por mais de uma semana; a deficiência de G6PD também pode ser prolongada e outras icterícias hemolíticas de corpos menores.

Outro ponto que deve ser afastado é uma infecção urinária que pode ocasionar aumento de bilirrubina indireta e também direta, o hipotireoidismo em que o hormônio tiroidiano é importante na indução da glicoruniltransferase, que é a enzima que conjuga a bilirrubina, então se houver hipotireoidismo haverá deficiência de conjugação e uma icterícia mais prolongada. Nessas icterícias que não melhoram sempre é bom checar o teste do pezinho e também hormônios T4 e TSH.

Por último temos, na verdade acho que a causa mais comum, é a icterícia pelo leite materno; normalmente são bebês que estão bem, ganhando peso, mamando bem, saudáveis e que desenvolvem uma icterícia que se prolonga (30-40% dos bebês em aleitamento materno podem fazer essa icterícia) e não há consequência negativa, é só acompanhar o que pode durar entre 2-3 meses para regredir. Essa icterícia pelo leite materno ninguém sabe direito a causa, existem algumas teorias de que no leite materno há derivados da progesterona que também inibe a glicoruniltransferase, ou excesso de ácidos graxos que também inibe a glicoruniltransferase, ou esses leites teriam mais beta-glicosidase que faz a reabsorção da bilirrubina a nível intestinal.

Também há algumas teorias genéticas sobre algumas mães que teriam o gene que regula a glicoruniltransferase e a diminuição da conjugação. Mas, normalmente, para o diagnóstico de exclusão, sempre quando temos icterícia prolongada, a gente colhe a bilirrubina para verificar se é indireta, afasta o hipotireoidismo, afasta doenças hemolíticas e, se estiver tudo bem e o bebê saudável, acaba indicando ser pelo leite materno, bastando acompanhá-lo.