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Principais Questões sobre uso de Antibióticos e Antifúngicos no período Neonatal

2 jan 2020

Sistematizamos as principais questões sobre uso de antibióticos e antifúngicos no período neonatal abordadas durante Encontro com a Especialista Dr.ª Roseli Calil, médica neonatologista da Unicamp, em 29/08/2019.

O fato que nos motiva a discutir sobre esse tema é que a sepse neonatal, tanto a precoce quanto a tardia, quando não tratada, causa uma elevada mortalidade e isso leva ao medo do óbito neonatal por parte de todos os profissionais da saúde. Esse temor leva ao exagero no diagnóstico e a tratamentos muitas vezes desnecessários. Cada vez mais sabemos que essa estratégia de uso de antibióticos não é inócua, pois ela aumenta o risco de sepse tardia, aumenta a emergência de bactérias multirresistentes, de enterocolite e também de óbitos.

Atualmente, já possuímos dados nacionais sobre a microbiota prevalente em nossas unidades neonatais, o que nos orienta na definição do melhor esquema antimicrobiano, e conhecemos os principais fatores de risco para infecções no período neonatal e a importância de removê-los sempre que possível. A grande mensagem que devemos registrar é que risco de infecção não é doença. O risco serve para elevarmos nossa observação clínica para iniciar o antimicrobiano especialmente naquele que possua sintoma clínico e seu fator de risco.

Dessa forma, especialmente nas sepses tardias, ressalta-se a grande importância de melhorarmos as práticas para reduzir ao máximo os procedimentos invasivos (ventilação com tubo endotraqueal, cateteres centrais, nutrição parenteral etc.) e, dessa forma, evitar as infecções dos dispositivos e contribuir para o uso adequado de antibióticos em nossas unidades.

Ressalta-se também a importância do aleitamento materno para a melhoria da microbiota dos recém-nascidos e, por conseguinte, reduzir a translocação microbiana; a importância da coleta de culturas de material nobre para diagnóstico apropriado das infecções; a importância da não valorização do hemograma e PCR como dados isolados para início ou manutenção do uso de antibióticos; a importância das melhorias estruturais, da boa comunicação entre equipe médica, de enfermagem, de controle de infecção e de laboratório para que o diagnóstico seja feito da forma mais apropriada possível, e que a descontinuidade do antibiótico seja sempre feita quando a infecção for descartada.

 

Abaixo a gravação do Encontro na íntegra.

O Encontro com o Especialista é uma webconferência realizada quinzenalmente com especialistas de diversas áreas. Para participar é necessário se inscrever no evento, assim você poderá enviar dúvidas que serão respondidas ao vivo!

Fique atento à agenda de Encontros com o Especialista. Inscreva-se já!

 

 

Perguntas & Respostas

 

1. O que me diz sobre a prática atual de suspender os antibióticos após três dias de cultura negativa nos casos de sepse presumida, em que os recém-nascidos evoluem bem e com rastreios normais? Gostaria de saber se vocês coletam líquor também nos casos de sepse precoce e quantos dias mantêm os antibióticos nos casos com cultura positiva.

Sim, na sepse tardia, exceto se a criança tiver alguma contraindicação formal para colher o líquor (que colhemos logo na triagem). Na sepse precoce, na maioria das vezes, colhemos hemoculturas e se, com 48 horas, a criança ainda continuam com sintomas que justifiquem a manutenção desse tratamento, ou se houver positividade das hemoculturas, a gente vai necessariamente (se não foi colhido na triagem inicial da sepse precoce) colher o líquor. A cultura de líquor, após início de antibióticos, não tem a pretensão de identificar os micro-organismos, mas se tiver o quimiocitológico alterado com hemocultura positiva, vamos entender que essa criança tem uma meningite e vai ser tratada de acordo com o perfil microbiológico e de resistência identificados nessas hemoculturas. Quanto à suspensão do antibiótico numa sepse presumida, com 72 horas, já está demorada!

Primeiro vou ressaltar que, na criança assintomática, não iniciamos antibióticos, especialmente falando da sepse precoce, e esta é a nossa prática no CAISM, estabelecida desde 1996. Independente de que a prática de alguns serviços seja ainda a de recomendar o início de antibióticos para recém-nascidos assintomáticos de mães com corioamnionite, aqui a gente não inicia antibiótico para criança assintomática. Para os riscos de infecção em recém-nascidos por corioamnionite materna, o máximo que fazemos é colher hemoculturas. Esse é o protocolo mais alinhado com o que o CDC (Centers for Disease Control and Prevention, USA) preconiza, especialmente para os maiores de 35 semanas. Em publicação de 2018 o CDC já recomenda não iniciar com antibiótico se o recém-nascido for assintomático. Na suspeita de sepse precoce, ainda recomendam iniciar o antibiótico se houver sinais de osteomielite, mas reavaliar e suspender em 48 horas se a sepse não for confirmada.

Então, a documentação está bem clara, há evidências sobre isso e esse é o caminho. A suspensão preconizada é entre 36 a 48 horas para quem tem método automatizado, pois se não houver positividade nas hemoculturas neste período, o que crescer posteriormente (principalmente se for uma única amostra) possivelmente se tratará de contaminação de coleta e não do agente etiológico.

 

2. Qual a duração do tratamento com antibióticos na sepse precoce e tardia? Vocês coletam líquor em todos os recém-nascidos com sepse precoce confirmada ou só naqueles com manifestação neurológica?

Para sepse clínica, para aqueles que continuam chamando de sepse clínica os quadros baseados em sintomas clínicos e resultados de PCR e hemograma, o que se preconizava eram 5 a 7 dias de tratamento. A tendência atual nessas chamadas sepses clínicas, ou seja, nos casos de infecção primária da corrente sanguínea com sinais clínicos de sepse e sem sinal de localização, entendendo que a maioria nem é infecção (outras são as causas de alteração de hemograma e de PCR), é a de se utilizar antibióticos pelo tempo máximo de 5 dias. Lembrar que PCR e hemograma não devem ser valorizados nos casos de suspeita de sepse precoce e que devemos suspender os antibióticos mesmo com 48 horas. Para as sepses confirmadas microbiologicamente, se não houver sinal de localização, de um modo geral são 10 a 14 dias de tratamento para gram negativos e positivos. Para estafilococos aureus normalmente de 10 a 14 dias e para estafilococos coagulase negativo, se remover o cateter, se houver uma boa evolução clínica e culturas negativadas, podemos suspender o tratamento com 7 dias se não houver sinais de localização. Situações de tratamento por tempo mais prolongado: para meningite seriam 21 dias e 28 dias se tiver abscesso (isso é o que existe na literatura). Entretanto, tudo isso precisa ser revisto e precisamos ter melhor evidência. Em adultos existe uma tendência de redução do tempo de tratamento, inclusive para osteomielite (que hoje recomendamos 4 semanas), a tendência é de redução dos tempos de tratamento.

 

3. O recém-nascido com sepse tardia em tratamento empírico com antibióticos (oxacilina e amicacina), com boa evolução clínica e cultura com uma bactéria resistente a oxacilina. Devemos trocar o antibiótico ou mantê-lo, considerando a resposta clínica?

Depende que agentes são esses. Por coagulase negativa, 90% deles são resistentes a oxacilina, então o que fazemos em termos de manejo? Se removemos o cateter por não ser mais necessário ou porque infiltrou e ele possivelmente era a causa da infecção, eventualmente podemos completar esse tratamento somente com oxacilina. Agora, se o bebê estiver com um cateter central e o mesmo for necessário, o que fazemos normalmente é trocar para vancomicina, colhendo uma hemocultura de controle antes, e reavaliar em 48 horas. Se essa hemocultura estiver negativa, completar o tempo de tratamento por 10 dias ou 14 dias se o cateter precisou ser mantido. Hoje, na criança com coagulase negativa resistente a oxacilina passamos para vancomicina, colhermos hemocultura  de controle, se negativou contamos o tempo de tratamento pelo menos 7 dias de negativação do início desse tratamento com antibiótico apropriado.

 

4. Em que devemos basear uma mudança nos esquemas de antibióticos usados na sepse tardia, na presença ou ausência de melhoria clínica ou exclusivamente nas culturas, considerando que grande parte das culturas tem um resultado negativo?

A gente se baseia na melhoria clínica, mas colhemos culturas quando essas crianças permanecerem, por exemplo, com dispositivo invasivo. Se a hemocultura se mantiver positiva na vigência de antibiótico apropriado é necessário, muitas vezes, remover o cateter para controlar essa infecção. Nos casos de infecção, se o sítio de inserção estiver aparentemente bom, não precisamos indicar de início a remoção do cateter. Nestes casos, de acordo com o resultado de cultura se opta ou não pela remoção. Para os casos em que mantive o cateter, obviamente preciso ter o controle de culturas. Com tudo isso que falei, você vai compreender que grande parte dessas situações de cultura negativa é porque, possivelmente, os serviços estão tratando muita coisa que não é infecção como sendo infecção. Algo que quero ressaltar e que não disse ainda é que as crianças submetidas ao um estresse excessivo, quer seja por manipulação excessiva, por dor, por excesso de ruído na unidade neonatal, todo esse estresse pode levar a sintomas muito parecidos com sepse, podendo apresentar bradicardia, vômitos, taquicardia e apneia, tudo isso gerado por estresse. Nestes casos, se o médico que avaliar o bebe não souber de onde começou tudo isso, vai triar infecção e a cultura será negativa. Isso ocorre não porque o laboratório seja ruim, possivelmente você tenha até um método automatizado que seja o mesmo que utilizo aqui, só que se valorizarmos as situações sem conversar com a equipe de enfermagem para saber por onde isso começou, vamos colher muita triagem negativa e ficaremos supervalorizando isso. A melhoria clínica muitas vezes independe do tratamento com antibiótico. Logo, vou encorajar vocês para que, em toda cultura negativa, se a criança teve melhora clínica, suspender o uso de antibiótico! Possivelmente, isso não se trata de infecção. Se for uma avaliação em que, inicialmente, pensou-se em infecção, mas que não foi confirmada, tiramos o antibiótico e não deixamos o tempo passar, não esperamos pelo plantonista que prescreveu para suspendê-lo, pois todos somos responsáveis pelo uso racional de antibióticos. Esse é o meu apelo e se vocês entenderem isso, acho que o resto é consequência.

 

5. Gostaria de esclarecimento sobre os critérios para classificação de sepse laboratorialmente confirmada e sepse clínica.

O neonatologista costuma referir como sepse clínica todo o quadro clínico de hipoatividade, desconforto respiratório, má perfusão, taquicardia, bradicardia e apneia. Esse conjunto de sintomas é genericamente chamado de sepse clínica. Mas, por definição epidemiológica, chamamos de infecção primária da corrente sanguínea os casos de pacientes com sinais clínicos de sepse e sem sinal de localização, ou seja, os casos com sintomas clínicos mas onde no raio-x de tórax não há sinais de pneumonia, não há sintomas de enterocolite, meningite ou osteomielite. Estes casos podem ser confirmados microbiologicamente por positividade de hemoculturas (sepse confirmada) ou não confirmados microbiologicamente que é aquilo que o neonatologista chama de sepse clínica: sintomas clínicos e outro critério associado (ter pelo menos dois parâmetros de hemograma alterados e PCRs seriadas alteradas) mas com hemocultura negativa. Especialmente na sepse tardia o hemograma alterados e PCR ainda possuem alguma valorização, mas na sepse precoce, devemos considerar os outros fatores confundidores, que são situações que podem alterar o resultado destes esses exames mesmo na ausência de infecção especialmente eventos periparto: hipertensão materna, uso de ocitocina, trabalho de parto difícil, hipóxia etc.  Todos esses eventos podem alterar o hemograma e a PCR e estas alterações não devem ser valorizadas. Então, essa entidade chamada sepse clínica é, do ponto de vista de definição epidemiológica, uma infecção primária de corrente sanguínea não confirmada microbiologicamente, cuja tendência é tratarmos pelo menor tempo possível: se com 48 horas for descartada a infecção, suspendemos o antibiótico. Essa infecção nem será computada, ou seja, será uma hipótese de sepse clínica que foi descartada e não considerada.

 

6. Em meu serviço, a positividade das hemoculturas é muito baixa, mesmo nos casos em que os bebês estavam sintomáticos. Isso gera muita insegurança para suspensão precoce do antibiótico. Como lidar com essa situação, o que devo mais valorizar quando não posso contar com a hemocultura?

Precisamos analisar o que está acontecendo na sua unidade. Se há o laboratório de microbiologia, primeiramente devemos conhecer o seu processo de trabalho e melhorar a nossa comunicação com a equipe do laboratório, seja ele no nosso hospital ou terceirizado.

O segundo ponto importante é, além da questão da clínica, é a tendência de valorizar demais tudo o que achamos ser sepse, colhendo hemocultura de quem não tem sepse. Obviamente, por melhor que seja o laboratório, não vai haver positividade nestas hemoculturas. Outros aspectos podem causar falsa hemocultura positiva; uma delas, às vezes, é a forma como colhemos hemocultura. O ideal é colher antes do início do antibiótico e, no mínimo, 1 ml de volume, porque as bacteremias nos recém-nascidos, às vezes, não possuem uma alta carga microbiana e também podem oscilar. Então, se tenho uma baixa concentração de unidades formadoras de colônias (por exemplo, 1 unidade formadora por ml) e se eu colher 0,5 ml de sangue, terei chance de recuperar o microorganismo em torno de 39% ou 49% e quase 60% de falso negativo não porque o laboratório seja ruim, não porque a criança estava realmente com uma infecção, mas pelo fato da minha amostra de hemocultura não ter sido colhida de forma apropriada. Por outro lado, se eu tiver a coleta de 1 ml e 4 unidades formadoras de colônia, terei uma positividade que chega próxima a 80%. Então, tenho que valorizar essa boa amostra. O argumento que usam é não espoliar demais o bebê para colher 1 ml de volume, e o que quero ressaltar é que esse 1 ml é a chave do diagnóstico para o uso apropriado de antibióticos! Se eu colher essas hemoculturas de maneira adequada, vou ter mais firmeza e segurança para manter ou não o tratamento. Ao invés de ficarmos preocupados em gastar 1 ml por amostra para a hemocultura, devemos parar de ficar colhendo hemogramas seriados, PCRs seriados, porque são esses exames que, às vezes, não agregam valor. Esses exames não auxiliam muito; eles ajudam bastante quando estão normais, mas, se alterados, não necessariamente isso se trata de uma infecção. Dessa forma, precisamos avaliar o que está acontecendo antes de simplesmente achar que o problema seja do laboratório.

Analisem como está sendo colhido o exame; é importante também a assepsia da pele para não haver amostras contaminadas. O estafilococo coagulase negativo só vai ser valorizado enquanto agente etiológico, se tivermos crescimento em duas amostras colhidas de sítios diferentes e com tempo de positividade inferior a 48 horas. Quando cresce após 48 horas, com coagulase negativo (que é considerado eventualmente um contaminante de pele), em uma única amostra, isso possivelmente não é nosso agente etiológico, e, sim, uma contaminação. Então, procure ver como esse exame tem sido colhido, que frasco está sendo usado, em que momento está sendo colocado na incubação, ou seja, melhore as relações entre a equipe de enfermagem e a equipe de laboratório para melhorar esse rendimento.

Com relação à coleta de hemocultura no momento do cateterismo umbilical, especialmente em prematuros extremos, ela é possível se você fez uma boa técnica asséptica, uma das amostras, eventualmente, pode ser colhida do cateter umbilical arterial ou venoso. Na sepse tardia, necessariamente colher duas amostras e se você já não tiver o cateter umbilical refluindo, duas amostras geralmente de cateter periférico. O PICC não está proibido, o que a gente vê na prática é que, às vezes, por ele ser muito fino ele não reflui; se ele reflui, às vezes, acaba obstruindo e, por isso, não o aconselhamos.

A insegurança melhora quando você melhora a observação clínica, porque isso é o fundamental; melhore as relações com o seu laboratório, treine a sua equipe para reconhecer os sinais e sintomas de infecção, leia com a equipe de enfermagem o capítulo referente a este tema no Guia da OPAS e, assim, ficarão mais seguros para a descontinuidade do antibiótico.

 

7. Em uma unidade em que ocorreu aumento do número de casos de estafilococos aureus multirresistentes, no último mês, devido a um surto, seria interessante mudar o esquema empírico de sepse tardia para vancomicina + aminoglicosídeo ou manter a oxacilina e amicacina até o controle do surto?

Uma coisa é surto, outra coisa é uma situação endêmica dentro das nossas unidades. Então, se você teve um surto de MRSA, talvez se justifique, durante o surto, fazer o uso empírico de vancomicina. Mas, é preciso tomar cuidado no momento em que esse surto já estiver controlado, pois você deve voltar a usar empiricamente oxacilina e aminoglicosídeo como esquema antibiótico empírico. O mais importante no surto é tentar identificar as possíveis causas, na maioria das vezes elas são multifatoriais associadas à baixa adesão à higienização das mãos, aos estados de superlotação com baixa adesão aos procedimentos invasivos de assepsia da pele para punção de acesso periférico e central, à presença de portadores (profissionais da saúde) com lesão de pele que se tornam multiplicadores de transmissão cruzada. Durante o surto, mais do que simplesmente dar ou não vancomicina, é preciso tentar refletir as práticas que possam estar mantendo esse surto dentro da unidade. Então, a grande mensagem que precisamos passar é que para as unidades que têm como principal microorganismo os estafilococos coagulase negativo, esses são naturalmente, de 80% a 90% resistentes a oxacilina. No entanto, não se justifica, nessas unidades, o uso empírico de vancomicina. Isso precisa estar muito claro. A única situação justificável para o uso empírico de vancomicina seria para as unidades neonatais que tenham, endemicamente, estafilococos áureos como seu principal agente de infecção; até onde sei, é a minoria das nossas unidades neonatais no nosso país, ele não é um agente predominante na maior parte das vezes.

 

8. O uso de vancomicina exige um acesso venoso central ou podemos fazer o periférico mesmo? Pergunto isso porque alguns colegas pedem para prolongar o PICC até concluir esquemas de antibióticos, sendo que, a meu ver, pode-se passar para o periférico.

Perfeita a sua observação, é isso mesmo. Não existe necessidade de manter o PICC quando a única justificativa é o tratamento de uma sepse. Pelo contrário, se é uma criança que está usando vancomicina para o tratamento de uma infecção por um coagulase negativo resiste à oxacilina, se eu puder tirar o cateter central porque já terminei a transição e seria só para administração de antibiótico, se tiver uma veia periférica boa, essa criança pode completar esse tratamento por ela. Aliás, esse tratamento vai ser encurtado se eu remover o cateter e a criança apresentar uma boa evolução clínica, essa criança pode ser tratada de 5 a 7 dias. Se estivermos no oitavo dia de tratamento e terminei a transição, se ela teve uma boa evolução clínica, negativou a hemocultura, eu não preciso, se ela manteve o cateter central, manter o PICC para esticar o tempo de tratamento. Pelo contrário, se é só para completar o tratamento, com 8 a 10 dias completamos com veia periférica e encerramos. Quanto antes eu retirar o cateter central, mais brevemente vou poder suspender, inclusive, o uso de vancomicina.

 

9. Seria suficiente fazer fluconazol profilático apenas para menores de 1000 g ou posso estender para 1250 g ou 1500 g?

A pergunta que te faço é qual é a incidência de infecção fúngica nesses recém-nascidos? Se for menor do que 10% nesses grupos de peso, talvez em nenhum você precisasse administrar o fluconazol. Eu não uso fluconazol profilático na unidade neonatal onde trabalho, e a resposta é simples: a minha incidência de infecção fúngica é baixíssima em todos os grupos de peso; nos menores de 750 gramas, ela não chega nem a 5%. Hoje, epidemiologicamente, não tenho justificativa em usar fluconazol nos grupos de peso; você só vai usar o fluconazol profilático de acordo com os seus controles, da sua vigilância e no grupo de peso com incidência maior do que 10%. Nesse grupo, quem vai ter essa resposta será você, eu não consigo te falar em quem você vai fazer porque não estou com os seus resultados. O guia que você tem que dar é acreditar nas publicações que estão disponíveis e discutir esses protocolos com a equipe da neonatologia do hospital. As boas práticas que são as mais impactantes para além do uso de fluconazol é a gente garantir o não uso abusivo de antibióticos nessas crianças, ou seja, evitar ao máximo o uso inapropriado de antibiótico que acontece, especialmente, nas primeiras 72 horas de vida, pois, na primeira semana, o desequilíbrio de flora é o que vai determinar o aumento, inclusive, da sepse tardia. O aumento do uso de antibiótico na primeira semana de vida é que vai alterar toda a microbiota desse recém-nascido; a demora do uso de leite materno nas primeiras horas vai impactar também na alteração da colonização do intestino. Então, se eu quero, genuinamente, diminuir infecção fúngica, mais do que pensar em dar ou não antifúngico, preciso melhorar as práticas de redução do uso de antibióticos, especialmente na primeira semana de vida, é evitar os antibióticos de amplo espectro, o uso de cefalosporinas de terceira geração, o uso de carbapenêmicos e o uso de vancomicina. Tudo isso é o que vai aumentar a infecção fúngica, porque vou detonar a flora normal do bebê. Investir no uso do leite materno, de preferência da própria mãe, leite cru e ordenhado de forma adequada é muito importante que seja oferecido o mais breve possível. Se não tiver leite materno, apropriar-se do leite humano de banco de leite. E a terceira estratégia para prevenção de infecção fúngica é reduzir o máximo possível o tempo de uso dos dispositivos invasivos, incluindo o cateter central, o tempo de uso de nutrição parenteral e de ventilação invasiva nessas crianças. Tudo isso vai favorecer a diminuição das infecções múltiplas e, daí, dar ou não dar fluconazol vai ser quase que uma consequência.

 

10. Recém-nascido com mielomenongocele rota que não é submetido a cirurgia precoce, chegando a ficar de 7 a 10 dias internado antes da cirurgia, evoluindo com febre. Qual o esquema antibiótico seria indicado (cefalosporina + vancomicina) ou o esquema habitual de sepse tardia?

Esse cenário pode acontecer, mas ele é dramático. Em criança com mielomenongocele rota, o ideal é que ela seja operada no primeiro dia de vida. Existem alguns serviços, hoje, em que essa criança, se estiver clinicamente estável ao nascer, ela nem sai do bloco operatório, ou seja, ela sai do centro obstétrico para a sala cirúrgica. Isso demanda uma boa integração da equipe obstétrica, a equipe da medicina fetal com a equipe de especialistas para fazerem o planejamento, especialmente se a via de parto for uma via cirúrgica, que essa cesárea seja feita no momento em que esse procedimento possa ser feito o mais breve possível. Se isso não aconteceu no primeiro dia de vida, a gente deve realizar todos os esforços para que esse cenário não venha acontecer. Possivelmente, essa criança está com quadro de meningite, com grande certeza. Nos quadros de forte suspeita de meningite, faremos o uso da cefalosporina de 3ª ou 4ª geração. Eu não entraria com vancomicina se não tenho alta prevalência de estafilococos resistente a oxacilina na unidade e, nesse caso, eu iniciaria oxacilina, pois ela tem até uma melhor penetração em sistema nervoso central. Eu colheria hemoculturas dessa criança, pois deixar a criança com mielomenongocele rota com antibiótico profilático, por estar rota, é perigoso, porque você estará apenas selecionando flora. Por isso, o ideal é fazer o procedimento cirúrgico e descontinuar a profilaxia. Se com 24 a 48 horas o líquor do inter-operatório estiver normal, a gente suspende; a profilaxia que usamos normalmente é com cefuroxima para esses casos, mas a descontinuidade da profilaxia é com 24 a 48 horas. Nesse caso aqui, como está falando de tratamento, a gente entraria com oxacilina e cefalosporina de 3ª geração e, a depender do resultado, adequaria para outro antibiótico ou a suspensão da oxacilina ou da cefalosporina de acordo com os resultados de cultura.

 

11. Gostaria de saber se é necessário controle de hemocultura ao final do tratamento de sepse tardia, com cultura positiva, e se existe necessidade de novo PCR ou hemograma para análise e controle do tratamento dos casos confirmados se a condição clínica for favorável.

Não precisamos, se a evolução clínica for favorável, colher hemograma e PCR para retirada de antibióticos. Às vezes os exames podem mais nos confundir do que nos ajudar. Eu apenas colho controle de hemoculturas nos casos em que a cultura é positiva e eu não removi o cateter. Se for uma criança que teve uma sepse confirmada microbiologicamente e ainda necessita do cateter central, nesse caso colho hemocultura de controle, quando já entrei com os antibióticos de acordo com os resultados, para ver se negativou. Num exemplo bem concreto, vamos dizer que na hemocultura cresceram estafilococos sensível a oxacilina, estou usando oxacilina e a criança está com cateter central. Sabemos que, mesmo nestes casos, as infecções por estafilococos aureus são, na maioria das vezes, graves, com alta morbimortalidade, então precisamos saber se, no mínimo, apesar de ser sensível a oxacilina e aparentemente houve melhora clínica, foi negativado. Então, nesse caso, se estou precisando ainda do cateter, e a criança melhorou clinicamente, posso até dar um voto de confiança, colhendo hemocultura. Assim, com 48 horas, com hemocultura positiva para estafilococos aureus sensível a oxacilina, você deve colher hemocultura e, se estiver negativo, manter essa terapêutica e o cateter (se precisar ainda dele por ter que completar transição). Agora, se é uma criança mesmo com infecção por estafilococos aureus sensível a oxacilina, com hemocultura positiva na vigência de antibiótico apropriado, precisarei remover o cateter e também farei o mesmo para infecções por gram negativos. Então, se estou com uma criança que cresceu uma E. coli, sensível a aminoglicosídeo, isso é ótimo, porque já estou vindo com tratamento apropriado; mas, nesse caso, mesmo se negativou, e é uma criança que precisa muito do cateter, mesmo com gram negativo, é necessário que eu colha hemocultura assim que eu tiver a ciência de que estou tratando com antibiótico adequado. Se mantiver positivo, tenho que remover o cateter. Para fungo, é o mesmo raciocínio; sempre que possível, para fungo gram negativo e aureos, vou remover o cateter. Mas, se eu mantive o cateter, vou precisar ter culturas para saber se negativou ou não. Se não negativou, precisarei remover o cateter se não foi feito isso antes. Agora, para aquela sepse clínica em que se identificou nada e a criança evoluiu clinicamente bem, devo remover o antibiótico o mais breve possível; ou seja, o diagnóstico com hemocultura negativa, com PCR normal, hemograma normal, mas entrei com antibiótico por questões apenas de sintomatologia, com 48 horas devo suspender. Para aqueles que ainda deixaram o antibiótico porque a criança não estava bem, com hemograma e PCR alterados, tratem por, no máximo, 5 dias. Nesse caso, não continuem dando antibiótico porque vocês vão apenas aumentar o risco de emergência de bactérias multirresistentes, enterocolite e morte.

 

12. No caso de necessidade da retirada de cateter central devido ao gram negativo resistente e o recém-nascido necessita ainda do acesso central, com dificuldade de periférico, pode ser repassado um acesso central novo no mesmo dia da retirada, ou deve-se, obrigatoriamente, esperar 48 horas sem o acesso central?

O ideal nem sempre é possível; temos que remover muitas vezes o cateter por ter ocorrido a formação de um biofilme e ao manter esse cateter continuará havendo a disseminação desses microorganismos para o organismo e não vou conseguir tratar a criança. O ideal é que deixe o maior tempo possível sem o cateter central para controlar a infecção e, daí, passar um novo cateter central. Essas 48 horas nem sempre são possíveis, até o ideal seria a gente colher hemocultura e se certificar de que realmente está negativo. Isso é muito bom, mas nem sempre é possível; então não existe a obrigatoriedade, mas sim daquilo que é o ideal. Hoje, a grande chave é a gente começar, sempre que possível, a oferta de leite materno o mais breve possível e realizar a progressão da dieta de acordo a tolerância, sem valorizar o resíduo. Se a gente colher toda hora o resíduo, não vamos progredir a dieta; o que precisamos observar é se a criança tem ou não distensão abdominal. O que você pode também fazer, às vezes, é diminuir a osmolaridade da nutrição parenteral para manter o acesso periférico pelo maior tempo possível.

 

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